Reconhecer
a responsabilidade pela catastrófica situação por que passam algumas regiões do
Globo resolverá pouco. No entanto, vir alguém, mesmo tardiamente, confessar o
reconhecimento da sua quota-parte de responsabilidade pelo aparecimento do
autodenominado Islâmico (EI)
servirá de inestimável contributo para a construção da verdade histórica para
memória futura.
Na
altura em que estão para ser conhecidas as conclusões da Comissão Chilcot, encarregada de conduzir um inquérito aberto em
2009 pelo governo trabalhista de então, presidido por Gordon Brown, para
investigar a participação do Reino Unido na guerra do Iraque, o
ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair veio reconhecer, a 25 de outubro pp,
alguma responsabilidade pela irrupção do EI.
Obviamente
que a razão oficial para a invasão do Iraque pela força multinacional, iniciada
a 19 de março de 2003 e terminada a 1 de maio (1.ª fase do que
viria a ser um longo conflito, a Guerra do Iraque), insere-se no quadro da Guerra Global contra o
Terrorismo, na sequência do derrube das Torres Gémeas de Nova Iorque e dos
estragos sofridos pelo Pentágono, a 11 de setembro de 2001. E as consequências
de tal ação têm-se revelado desastrosas, não se conseguindo prever, em vez do
alastramento dos malefícios de tais consequências, um desfecho satisfatório no
interesse dos povos envolvidos e no superior interesse da humanidade.
Ora,
embora o objetivo fosse desarmar o regime
iraquiano, encerrar o apoio de Saddam Hussein a organizações terroristas e
libertar o povo iraquiano do regime de ditadura instalada, o pretexto foi a propalada
existência de armas de destruição maciça, sendo que a ocasião se tornava propícia
ao controlo in loco do negócio do
petróleo por parte dos mentores das forças invasoras.
Quatro países (Estados
Unidos, Reino Unido, Austrália e Polónia) enviaram tropas na fase de invasão, cabendo aos Estados
Unidos o envio da maior força, ficando em segundo lugar a prestação do Reino Unido. Outras
36 nações contribuíram com tropas e observadores depois de a invasão ter sido
concluída. O Kuwait e a Arábia Saudita ofereceram os seus territórios para
apoiar a força multinacional. E, no
norte do Iraque, a milícia curda, conhecida como Peshmerga, também apoiou incondicionalmente a invasão.
Por sua vez, o Governo de Portugal, que foi o anfitrião da Cimeira das Lajes, nos Açores (Durão Barroso, George W. Bush, Jose Maria Aznar), a 17 de
março, não podia deixar de intervir, pelo que o Governo enviou uma força de
agentes da PSP e guardas da GNR para a força de estabilização de paz no Iraque,
uma vez que, pelos vistos, Jorge Sampaio, na sua qualidade de comandante supremo
das forças armadas se terá oposto ao envio de elementos das forças armadas qua tali.
Como se pode ver, Blair não é o único responsável pela Guerra
do Iraque, que efetivamente levou ao derrube do ditador, que foi abatido
brutalmente (de certo que não de forma
democrática!), mas a situação, a seguir, tornou-se mil vezes mais insustentável.
Quem não se deu conta dos várias novos episódios de “fogo amigo” a eliminar
reiteradamente elementos das tropas aliadas, as mortes provocadas pelos suicidários
homens-bomba e carros-bomba?
***
Porém,
foi Tony Blair que veio declarar que a invasão do Iraque, em 2003, com base em
“informações falsas” (afinal, não havia armas de destruição em
massa, quer biológicas e químicas, quer nucleares), é a principal causa do surgimento do Estado
Islâmico.
Apresentando reiteradamente o pedido de desculpas parciais
pela Guerra do Iraque, o antigo primeiro-ministro trabalhista afirmou ao canal
de televisão CNN: “Posso pedir desculpas pelo facto de as informações
fornecidas pelos serviços secretos serem falsas”.
Todavia, não mostrou arrependimento por ter colaborado na
queda de Saddam Hussein, revelando ser difícil sentir necessidade de se
desculpar pela queda do ditador: “Mesmo hoje em 2015, julgo que é melhor ele
não estar lá”. E é isto mesmo que eu não sei, dado que a indução da implementação
de uma democracia por fotocópia fiel das democracias representativas de tipo ocidental
não resultou, por não ter em conta as especificidades das culturas daqueles
povos e não se configurar a emergência de um líder simultaneamente democrata e
capaz de aglutinar em torno de si e do desígnio do respetivo Estado as diversas
sinergias humanas possíveis: individuais e grupais.
Por seu turno, Tony Blair reconhece ter havido “alguns erros
na planificação e algumas falhas na compreensão do que se passou depois de o
regime ter caído”.
Entretanto, é de assinalar que Blair não surgiu por acaso na
Cimeira das Lajes, ou seja, não comprometeu o Reino Unido na Guerra do Iraque
só em 2003. Pelo contrário, segundo o que indicam documentos obtidos pelo
jornal Mail on Sunday, o antigo
primeiro-ministro britânico ter-se-á comprometido a juntar-se aos Estados
Unidos na Guerra do Iraque um ano antes da invasão de 2003.
As revelações focam-se num documento alegadamente redigido
por Colin Powell, antigo secretário de Estado norte-americano, e por si
apresentado, a 28 de março de 2002, ao então Presidente dos Estados Unidos
George Bush, uma semana antes do encontro do líder norte-americano com Blair no
seu rancho em Crawford, no Texas. Segundo o jornal, Powell escrevera: “Sobre o
Iraque, Blair vai estar connosco devendo ser necessárias operações militares”, pois,
“ele está convencido relativamente a dois pontos: a ameaça é real e o sucesso
contra Saddam vai render mais sucesso regional”.
Certamente que o aludido “sucesso regional” não era a paz ou
a democracia, mas o interesse geoestratégico que incluía o negócio do petróleo
e a vigilância sobre a produção e proliferação das armas de destruição maciça
O Mail on Sunday
revela que o mencionado documento e outros, de teor sensível, integravam um conjunto
de 'e-mails' secretos mantidos no servidor privado da ora candidata
presidencial democrata Hillary Clinton a cuja revelação os tribunais norte-americanos
a forçaram.
Segundo algumas fontes, Powell terá assegurado a Bush que o Reino
Unido iria seguir a liderança norte-americana no Médio Oriente e, de acordo com
outras, Blair estaria na disposição de apresentar “linhas estratégicas” para
fortalecer o apoio público à Guerra do Iraque.
As recentes declarações de Tony Blair, que foi primeiro-ministro
entre 1997 e 2007, contrariam a reiterada negação de ter corrido para a guerra,
sendo que, como já foi referido, sob a sua liderança, a Grã-Bretanha deu o
segundo maior contributo, em termos no fornecimento de tropas, para a invasão,
tendo as forças britânicas permanecido estacionadas no país até 2011 e tendo
esta decisão de apoiar a invasão do Iraque criado um mal-estar popular na
Grã-Bretanha que tem perseguido o Partido Trabalhista de Blair desde então.
***
Todavia, não pode Blair nem nenhum de nós esquecer que o
aparecimento e o crescimento do Estado Islâmico e, em geral, a radicalização do
islamismo resultam em muito boa parte dos movimentos que espoletaram a situação
designada como primavera árabe, que
consiste basicamente na onda organizada de derrube dos regimes ditatoriais,
entre outros países, na Tunísia, na Líbia, no Iraque e na Síria – apoiada pelos
países ditos ocidentais, sem que se cuidasse de duas coisas: a idiossincrasia
de cada país e seus contextos e do perfil político dos líderes que ascenderiam
ao poder. Por exemplo, se a execução de Saddam fora um ato de escandalosa
barbárie pública e publicitada, a de Kadafi não o foi menos!
E
não se pode esquecer que, além da situação insustentável nos países onde a
guerra civil, apoiada pelo exterior (às forças da situação e
às forças da oposição),
um epifenómeno de proporções assustadoras alastra pela Europa, com repercussões
no mundo inteiro: milhares e
milhares de famílias sentem-se obrigados a fugir das suas casas e terras e a
procurar refúgio noutros lugares, muitas vezes, em condições de extrema
precariedade – esbarrando contra muros de várias espécies (físicos – de
pedra e betão; e humanos – militares, policiais e de movimentos xenófobos).
Depois –
enquanto, nos países de origem, se assiste ao uso de armas de destruição em
massa; aos assassinatos indiscriminados, às decapitações, ao rapto e sequestro
de seres humanos, ao tráfico de mulheres, ao alistamento militar de crianças (os
meninos-soldados), às
perseguições por motivos religiosos e étnicos, à devastação de lugares de
culto, à destruição do património cultural e a outras inumeráveis atrocidades –
em países de trânsito e, até nalguns ditos de acolhimento, verificam-se muitas
situações de exploração sobre refugiados e migrantes, frustrando-lhes a esperança,
conduzindo-os à desagregação familiar, à invalidez e à morte, bem como o acolhimento
em massa, carregado de atos burocráticos, e a postura de pensamento e de ação
de “algumas forças políticas, dirigentes governativos e agentes de autoridade
em diversos países da União Europeia contra os migrantes e refugiados,
incluindo as instituições europeias que andam de cimeira em cimeira enquanto as
pessoas sofrem”.
***
Enfim,
parece-me pertinente exigir que os diversos países, através dos seus líderes,
venham a terreiro reconhecer as suas responsabilidades e concertem uma
estratégia diversificada em relação a estas populações em perigo,
designadamente prestando urgentemente o acolhimento óbvio, integrando os que
voluntariamente o desejem, contribuindo seriamente para a criação das condições
de regresso e permanência nos países de proveniência e eliminando as causas da
presente situação. Para tanto, importa fazer cessar o fornecimento de armas de
parte a parte e elaborar um plano participado de recuperação e desenvolvimento
que obvie às situações de destruição e de carência e faça relevantar as
condições de dignidade dos cidadão e a convivência pacífica rumo ao progresso e
ao bem-estar.
2015.10.27 – Louro de carvalho
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