Sejam quais forem os resultados das
próximas eleições para a Assembleia da República, o governo que for constituído
tendo em conta os resultados eleitorais, dado que se trata de uma nova
legislatura (a XIII), é constitucionalmente um novo
Governo, ainda que seja dotado de lei orgânica exatamente igual à
atualmente em vigor e na sua composição estejam as mesmíssimas pessoas. Por
isso, o atual Governo é um governo
cessante que sai de funções logo que o novo Primeiro-Ministro (que pode vir a ser o mesmo) seja formalmente nomeado e empossado pelo Presidente da República e o
elenco governativo inicie funções (atos simultâneos).
É certo que entre o conhecimento
definitivo e oficial dos resultados eleitorais e a posse do novo Governo pode decorrer um longo
espaço de tempo, uma vez que a Constituição não estabelece um prazo e a
correlação das forças partidárias no Parlamento pode oferecer dificuldades
acrescidas à formação do governo. Não obstante, as obrigações, no presente,
atribuíveis ao Governo atualmente em funções não ficam aumentadas nem
diminuídas por essa eventualidade.
Uma força partidária que suporta um
governo tenta-se, em tempo de eleições, a utilizar a situação governativa e os
meios ao seu dispor para enriquecer a sua prestação em período eleitoral.
Há informações que se omitem ou se
diferem para depois das eleições e, mesmo que se diga o contrário, há sempre
umas promessas que se fazem ou afinam.
***
No respeitante a estas eleições
legislativas, a Comunicação Social, diz a meia voz que há mesmo relatórios que
ficaram por divulgar. São apontadas, segundo o Observador insuspeito jornal on
line, de 1 de outubro, a título de exemplo, as seguintes matérias: cobrança
de IRS, taxa de empregabilidade dos estágios profissionais, números da emigração
e avaliação das fundações de solidariedade social.
A promessa de informação relativa a
estas matérias vem de há muito e os seus dados poderiam ser úteis, na campanha
eleitoral, para o eleitorado perceber em pormenor o que efetivamente se passou
no último quadriénio, em que decorreu uma legislatura prolongada (a XII). Assim:
No atinente às estatísticas sobre a cobrança de IRS, diga-se que elas têm enorme
importância, uma vez que dão a conhecer quantos agregados pagam impostos em
Portugal e como evoluiu a carga fiscal por escalão de rendimento e distrito.
Todavia, ainda não foram publicados os dados referentes ao ano económico de
2013.
Apesar de nunca se ter cumprido o prazo
definido por lei, o atraso referente a esse ano é enorme. E era importante que
o eleitorado tivesse na sua posse os números de 2013 por ter sido o ano em que
o aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) foi brutal e
colossal. O que é que teme o Governo?
Sobre a taxa de empregabilidade dos
estágios profissionais, que são uma forma de ocupar jovens e outras
pessoas cujo posto de trabalho fora extinto, mas também constituem uma forma de
disfarçar uma boa fatia do desemprego, os números públicos deixam fortes
preocupações. O Tribunal de Contas (TdC) produziu e publicou recentemente um relatório em que afirma que, das
pessoas que que fazem estágios profissionais financiados pelo Estado, apenas cerca de
um terço fica na empresa que dá o estágio. O Instituto do Emprego e Formação
Profissional (IEFP) contraria estes dados. Diz ter na sua posse estudos que mostram que entre
os jovens que fazem estágios, 70% consegue entrar no mercado do trabalho no
prazo de um ano. Mas o estudo não foi divulgado. Porquê? De que tem medo o IEFP
ou o Governo?
Isto, sem falarmos dos estágios que
servem para completamento da formação académica e/ou profissional, que
habitualmente são desenvolvidos no regime de gratuitidade, ou dos cursos de
formação para desempregados, que ajudam ao emagrecimento dos números do
desemprego.
Quanto aos números da emigração, o Observatório da Emigração mostra que
emigraram 110 mil portugueses em 2014. Porém, o relatório realizado pela Secretaria
de Estado das Comunidades, normalmente antes das férias da Assembleia da
República, este ano ainda não foi apresentado. Apresenta-se como justificação a
falta de dados e o pedido de um quadro da evolução da emigração portuguesa
comparada com outros países. No entanto, o coordenador do Observatório nega o
pedido de novos quadros e de quaisquer “elementos adicionais”. O relatório só
deverá ser apresentado após as eleições legislativas. Porquê?
Entretanto, o Governo fez saber que
temos estabilizado o número de emigrantes em 110 mil, o que não pode constituir
pretexto para resignação, muito menos para satisfação.
Apesar de a emigração constituir um
direito natural, o país não pode achar normal a sangria emigratória dos últimos
quatro anos cifrada em mais de 400 mil pessoas – que, juntamente com os
estágios profissionais e os empregos precários, serve de mascaração aos números
do desemprego. Por outro lado, segue o trabalho de biscate e a economia
paralela.
No concernente a relatório das
fundações de solidariedade social, há que referir que, num
determinado momento, o Estado, através das instâncias governativas, procedeu ao
levantamento e à avaliação das fundações, de que resultou a supressão de
algumas e uma classificação díspar e inesperada de outras. Ora, tal como as fundações em geral foram
avaliadas, também foi prometida a elaboração de um relatório sobre
as fundações de solidariedade social, que deveria ter sido divulgado. Mas
nunca o foi. Soube-se através do relatório de atividades da Inspeção-Geral
de Finanças (IGF), em 2012 – e divulgado apenas em 2014 –, que 35 das
178 fundações de solidariedade social avaliadas (19,67%) não indicaram
qualquer beneficiário e metade dos apoios públicos concedidos entre 2008 e 2010
abrangeram apenas 16 entidades (8,99%), segundo divulgou o I. Apesar destes números terem sido
conhecidos, o Governo nunca divulgou o relatório.
Entretanto, sabe-se que, apesar de ter
sido decidido em 2011 o fim da Fundação
Magalhães para as Comunicações Móveis, conhecida por Fundação Magalhães, organização responsável por levar os
computadores e a internet a mais de um milhão de alunos, a sua extinção só foi
aprovada esta semana – momento em que foram regularizadas as dívidas dos
operadores no valor de 20 milhões de euros.
***
No capítulo das promessas eleitorais, se
o PS contabiliza as suas em 1700 milhões de euros, que a PaF (Portugal à Frente) considerava um número exagerado, nos últimos dias a soma de promessas feitas pela coligação PSD/CDS não anda
longe daquele valor.
Só a descida da TSU (Taxa Social Única) para as empresas, que o líder da coligação prometeu em entrevista à SIC,
no início da última semana de campanha, pode ter um impacto de cerca de 450
milhões. Porém, foi o ministro da Economia, Pires de Lima quem mais promessas
ditou para a ribalta da campanha. O Banco de Fomento (até agora uma entidade bastante discreta) pode injetar nas empresas, ajudando-as a desendividar
os seus balanços, já em outubro.
Por seu turno, a ministra da Agricultura e Pescas, Assunção Cristas,
prometeu ajudas para os setores do leite, do tomate, do arroz e das pescas.
Depois, há que ter em conta uma promessa eventualmente dispendiosa, como a
que é feita a todos os contribuintes no Portal das Finanças: a devolução de
parte da sobretaxa de IRS, devolução condicionada ao desempenho das receitas do
IRS, que agora se cifra em 3,5%. Embora seja apenas uma possibilidade, ainda que muito debatida na campanha, as
oposições acusam o Governo de eleitoralismo e de reter os pagamentos do IVA devidos às empresas para “maquilhar” a execução fiscal. Em contraponto, o Primeiro-Ministro assegurou
que, se a receita fiscal no IVA e no IRS ficar acima do projetado, tudo o que vier a
mais será devolvido aos contribuintes.
Entretanto, devemos saber que, nos últimos tempos, o Governo aprovou também
algumas medidas populares. Já nesta semana, última da campanha, foram contratados
237 médicos, que permitem a atribuição de médico de família a mais “450 mil
utentes”. Na passada terça-feira, 11 mil enfermeiros ficaram a saber que, já no
vencimento pago em outubro, vão receber um aumento que pode chegar aos 220
euros. São mais de 10 milhões garantidos pelo ministro da Saúde, Paulo Macedo.
Porém, notícias recentes esclarecem que tal aumento abrange apenas os
enfermeiros sindicalizados, o que é absurdo e inexplicável, em ternos do
direito do trabalho.
Um número igual de elementos da PSP também será beneficiado com um aumento
salarial, mais modesto, de até 50 euros, com a atualização das tabelas
remuneratórias previstas no novo estatuto, aprovado já em plena pré-campanha.
Os técnicos do INE (Instituto Nacional de
Estatística)
e os das Finanças também receberam a boa notícia, em meados de 2015, de que vão
poder progredir na carreira e no salário, com uma nova categoria profissional
criada e que lhes permite um aumento até aos 250 euros mensais.
Só na rubrica “autorização de realização de despesa”, nos Conselhos de Ministros
de agosto e setembro, o Governo aprovou gastos de 570 milhões de euros. O
destino é variado: desde o apoio ao AEC (enriquecimento
curricular nas escolas), à emissão de novos cartões do cidadão e ao ensino artístico.
Porém, ficaram progressivamente
à margem do debate as promessas usuais, mesmo a que obrigou o PS a ficar à
defesa ao longo das primeiras semanas de setembro: a descida da TSU para os
trabalhadores, como instrumento de disponibilização de “mais rendimento para as
famílias” e de produção de estímulo económico ao consumo e à reabilitação
urbana. Costa passou mais tempo a explicar as consequências desta baixa nas
receitas da Segurança Social do que a convencer os eleitores do eventual efeito
benéfico que pudesse ter.
E há promessas transversais a todos os partidos da oposição: o fim da
sobretaxa imediato (CDU, BE, Livre), em dois anos (PS); revisão dos escalões
do IRS para aprofundar a “progressividade” do imposto (PS, CDU, BE, Livre, PAN, Agir); e diminuição do IVA da restauração (todos).
Mas houve omissões, temas secundarizados e casos evitados. Um exemplo
escandaloso: a crise dos refugiados não suscitou o debate que a gigantesca
dimensão de crise humanitária devia ter aprofundado. O notável discurso do
Presidente da República na ONU foi praticamente eclipsado ou mesmo ignorado.
Porém, episódios menores se sucederam. Destaco, pela hilaridade, o
rebatismo do distrito de Viseu para Passistão
pelo Primeiro-Ministro, que o vice-primeiro-ministro retificou para Pafistão, e, pela insensatez política, a
exibição do crucifixo por Passos e a expressão do seu conforto de o ter no
bolso, que me faz lembrar os politicamente lamentáveis episódios de líderes
locais e nacionais que, em tempos, se abeiravam da mesa da comunhão para
impressionar os eleitores.
***
Que desculpa dará o Governo depois de conhecidos os relatórios acima
evocados? Que são mera operação contabilística sem efeitos práticos, como a
alteração do défice ou que são simples questões – e nada de pressão – como no caso
do martelamento das contas da Parvalorem
em relação ao BPN? E sobre as promessas não cumpridas? Iremos ter o dito por
não dito, como desde 2002?
2015.10.02 – Louro de
Carvalho
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