sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Dados que o Governo continua a esconder

Sejam quais forem os resultados das próximas eleições para a Assembleia da República, o governo que for constituído tendo em conta os resultados eleitorais, dado que se trata de uma nova legislatura (a XIII), é constitucionalmente um novo Governo, ainda que seja dotado de lei orgânica exatamente igual à atualmente em vigor e na sua composição estejam as mesmíssimas pessoas. Por isso, o atual Governo é um governo cessante que sai de funções logo que o novo Primeiro-Ministro (que pode vir a ser o mesmo) seja formalmente nomeado e empossado pelo Presidente da República e o elenco governativo inicie funções (atos simultâneos).
É certo que entre o conhecimento definitivo e oficial dos resultados eleitorais e a posse do novo Governo pode decorrer um longo espaço de tempo, uma vez que a Constituição não estabelece um prazo e a correlação das forças partidárias no Parlamento pode oferecer dificuldades acrescidas à formação do governo. Não obstante, as obrigações, no presente, atribuíveis ao Governo atualmente em funções não ficam aumentadas nem diminuídas por essa eventualidade.
Uma força partidária que suporta um governo tenta-se, em tempo de eleições, a utilizar a situação governativa e os meios ao seu dispor para enriquecer a sua prestação em período eleitoral.
Há informações que se omitem ou se diferem para depois das eleições e, mesmo que se diga o contrário, há sempre umas promessas que se fazem ou afinam.
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No respeitante a estas eleições legislativas, a Comunicação Social, diz a meia voz que há mesmo relatórios que ficaram por divulgar. São apontadas, segundo o Observador insuspeito jornal on line, de 1 de outubro, a título de exemplo, as seguintes matérias: cobrança de IRS, taxa de empregabilidade dos estágios profissionais, números da emigração e avaliação das fundações de solidariedade social.
A promessa de informação relativa a estas matérias vem de há muito e os seus dados poderiam ser úteis, na campanha eleitoral, para o eleitorado perceber em pormenor o que efetivamente se passou no último quadriénio, em que decorreu uma legislatura prolongada (a XII). Assim:
No atinente às estatísticas sobre a cobrança de IRS, diga-se que elas têm enorme importância, uma vez que dão a conhecer quantos agregados pagam impostos em Portugal e como evoluiu a carga fiscal por escalão de rendimento e distrito. Todavia, ainda não foram publicados os dados referentes ao ano económico de 2013.
Apesar de nunca se ter cumprido o prazo definido por lei, o atraso referente a esse ano é enorme. E era importante que o eleitorado tivesse na sua posse os números de 2013 por ter sido o ano em que o aumento do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) foi brutal e colossal. O que é que teme o Governo?
Sobre a taxa de empregabilidade dos estágios profissionais, que são uma forma de ocupar jovens e outras pessoas cujo posto de trabalho fora extinto, mas também constituem uma forma de disfarçar uma boa fatia do desemprego, os números públicos deixam fortes preocupações. O Tribunal de Contas (TdC) produziu e publicou recentemente um relatório em que afirma que, das pessoas que que fazem estágios profissionais financiados pelo Estado, apenas cerca de um terço fica na empresa que dá o estágio. O Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP) contraria estes dados. Diz ter na sua posse estudos que mostram que entre os jovens que fazem estágios, 70% consegue entrar no mercado do trabalho no prazo de um ano. Mas o estudo não foi divulgado. Porquê? De que tem medo o IEFP ou o Governo?
Isto, sem falarmos dos estágios que servem para completamento da formação académica e/ou profissional, que habitualmente são desenvolvidos no regime de gratuitidade, ou dos cursos de formação para desempregados, que ajudam ao emagrecimento dos números do desemprego.
Quanto aos números da emigração, o Observatório da Emigração mostra que emigraram 110 mil portugueses em 2014. Porém, o relatório realizado pela Secretaria de Estado das Comunidades, normalmente antes das férias da Assembleia da República, este ano ainda não foi apresentado. Apresenta-se como justificação a falta de dados e o pedido de um quadro da evolução da emigração portuguesa comparada com outros países. No entanto, o coordenador do Observatório nega o pedido de novos quadros e de quaisquer “elementos adicionais”. O relatório só deverá ser apresentado após as eleições legislativas. Porquê?
Entretanto, o Governo fez saber que temos estabilizado o número de emigrantes em 110 mil, o que não pode constituir pretexto para resignação, muito menos para satisfação.
Apesar de a emigração constituir um direito natural, o país não pode achar normal a sangria emigratória dos últimos quatro anos cifrada em mais de 400 mil pessoas – que, juntamente com os estágios profissionais e os empregos precários, serve de mascaração aos números do desemprego. Por outro lado, segue o trabalho de biscate e a economia paralela.
No concernente a relatório das fundações de solidariedade social, há que referir que, num determinado momento, o Estado, através das instâncias governativas, procedeu ao levantamento e à avaliação das fundações, de que resultou a supressão de algumas e uma classificação díspar e inesperada de outras. Ora, tal como as fundações em geral foram avaliadas, também foi prometida a elaboração de um relatório sobre as fundações de solidariedade social, que deveria ter sido divulgado. Mas nunca o foi. Soube-se através do relatório de atividades da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), em 2012 – e divulgado apenas em 2014 –, que 35 das 178 fundações de solidariedade social avaliadas (19,67%) não indicaram qualquer beneficiário e metade dos apoios públicos concedidos entre 2008 e 2010 abrangeram apenas 16 entidades (8,99%), segundo divulgou o I. Apesar destes números terem sido conhecidos, o Governo nunca divulgou o relatório.
Entretanto, sabe-se que, apesar de ter sido decidido em 2011 o fim da Fundação Magalhães para as Comunicações Móveis, conhecida por Fundação Magalhães, organização responsável por levar os computadores e a internet a mais de um milhão de alunos, a sua extinção só foi aprovada esta semana – momento em que foram regularizadas as dívidas dos operadores no valor de 20 milhões de euros.
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No capítulo das promessas eleitorais, se o PS contabiliza as suas em 1700 milhões de euros, que a PaF (Portugal à Frente) considerava um número exagerado, nos últimos dias a soma de promessas feitas pela coligação PSD/CDS não anda longe daquele valor.
Só a descida da TSU (Taxa Social Única) para as empresas, que o líder da coligação prometeu em entrevista à SIC, no início da última semana de campanha, pode ter um impacto de cerca de 450 milhões. Porém, foi o ministro da Economia, Pires de Lima quem mais promessas ditou para a ribalta da campanha. O Banco de Fomento (até agora uma entidade bastante discreta) pode injetar nas empresas, ajudando-as a desendividar os seus balanços, já em outubro.
Por seu turno, a ministra da Agricultura e Pescas, Assunção Cristas, prometeu ajudas para os setores do leite, do tomate, do arroz e das pescas.
Depois, há que ter em conta uma promessa eventualmente dispendiosa, como a que é feita a todos os contribuintes no Portal das Finanças: a devolução de parte da sobretaxa de IRS, devolução condicionada ao desempenho das receitas do IRS, que agora se cifra em 3,5%. Embora seja apenas uma possibilidade, ainda que muito debatida na campanha, as oposições acusam o Governo de eleitoralismo e de reter os pagamentos do IVA devidos às empresas para “maquilhar” a execução fiscal. Em contraponto, o Primeiro-Ministro assegurou que, se a receita fiscal no IVA e no IRS ficar acima do projetado, tudo o que vier a mais será devolvido aos contribuintes.
Entretanto, devemos saber que, nos últimos tempos, o Governo aprovou também algumas medidas populares. Já nesta semana, última da campanha, foram contratados 237 médicos, que permitem a atribuição de médico de família a mais “450 mil utentes”. Na passada terça-feira, 11 mil enfermeiros ficaram a saber que, já no vencimento pago em outubro, vão receber um aumento que pode chegar aos 220 euros. São mais de 10 milhões garantidos pelo ministro da Saúde, Paulo Macedo. Porém, notícias recentes esclarecem que tal aumento abrange apenas os enfermeiros sindicalizados, o que é absurdo e inexplicável, em ternos do direito do trabalho.
Um número igual de elementos da PSP também será beneficiado com um aumento salarial, mais modesto, de até 50 euros, com a atualização das tabelas remuneratórias previstas no novo estatuto, aprovado já em plena pré-campanha.
Os técnicos do INE (Instituto Nacional de Estatística) e os das Finanças também receberam a boa notícia, em meados de 2015, de que vão poder progredir na carreira e no salário, com uma nova categoria profissional criada e que lhes permite um aumento até aos 250 euros mensais.
Só na rubrica “autorização de realização de despesa”, nos Conselhos de Ministros de agosto e setembro, o Governo aprovou gastos de 570 milhões de euros. O destino é variado: desde o apoio ao AEC (enriquecimento curricular nas escolas), à emissão de novos cartões do cidadão e ao ensino artístico.
Porém, ficaram progressivamente à margem do debate as promessas usuais, mesmo a que obrigou o PS a ficar à defesa ao longo das primeiras semanas de setembro: a descida da TSU para os trabalhadores, como instrumento de disponibilização de “mais rendimento para as famílias” e de produção de estímulo económico ao consumo e à reabilitação urbana. Costa passou mais tempo a explicar as consequências desta baixa nas receitas da Segurança Social do que a convencer os eleitores do eventual efeito benéfico que pudesse ter.
E há promessas transversais a todos os partidos da oposição: o fim da sobretaxa imediato (CDU, BE, Livre), em dois anos (PS); revisão dos escalões do IRS para aprofundar a “progressividade” do imposto (PS, CDU, BE, Livre, PAN, Agir); e diminuição do IVA da restauração (todos).
Mas houve omissões, temas secundarizados e casos evitados. Um exemplo escandaloso: a crise dos refugiados não suscitou o debate que a gigantesca dimensão de crise humanitária devia ter aprofundado. O notável discurso do Presidente da República na ONU foi praticamente eclipsado ou mesmo ignorado.
Porém, episódios menores se sucederam. Destaco, pela hilaridade, o rebatismo do distrito de Viseu para Passistão pelo Primeiro-Ministro, que o vice-primeiro-ministro retificou para Pafistão, e, pela insensatez política, a exibição do crucifixo por Passos e a expressão do seu conforto de o ter no bolso, que me faz lembrar os politicamente lamentáveis episódios de líderes locais e nacionais que, em tempos, se abeiravam da mesa da comunhão para impressionar os eleitores.
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Que desculpa dará o Governo depois de conhecidos os relatórios acima evocados? Que são mera operação contabilística sem efeitos práticos, como a alteração do défice ou que são simples questões – e nada de pressão – como no caso do martelamento das contas da Parvalorem em relação ao BPN? E sobre as promessas não cumpridas? Iremos ter o dito por não dito, como desde 2002?

2015.10.02 – Louro de Carvalho

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