A riqueza do Sínodo resulta de vários fatores: a ambição do Instrumentum laboris; o número dos
participantes; a diversidade da sua proveniência e estatuto; a metodologia
escolhida; e, sobretudo, a atitude que é suposto ser assumida.
Quanto ao Instrumentum laboris,
o tema “A vocação e a missão da família
na igreja e no mundo contemporâneo”, além da apresentação, da introdução e
da conclusão, é desenvolvido em três partes: a escuta dos desafios sobre a
família; o discernimento da vocação familiar; e a missão da família hoje. A
temática da primeira parte distribui-se por quatro capítulos: a família e o
contexto antropológico-cultural; a família e o contexto socioeconómico; família
e inclusão; e família, afetividade e vida. A temática da segunda abrange três
capítulos: família e pedagogia divina; família e vida da Igreja: e família e
caminho rumo à sua plenitude. Finalmente, vem a terceira parte com os seus
quatro capítulos: família e evangelização; família e formação; família e
acompanhamento eclesial; e família, generatividade e educação.
Pode efetivamente ver-se no documento uma perspetiva similar da adotada
na Ação Católica: ver, ou o
lançamento necessário do olhar sobre a família no mundo, com suas vicissitudes,
insuficiências, dramas e esperanças; julgar,
ou confrontar o panorama analisado com o Evangelho e a doutrina construída a
partir dele; e agir, ou montar a estratégia e as táticas de
ação da Igreja no acolhimento, apoio, formação e robustecimento das famílias e
fazer das famílias consolidadas as evangelizadoras e as acompanhantes das
outras famílias.
Sobre o número dos participantes, bastará assinalar as cerca de três
centenas de padres sinodais que têm vez e voz na assembleia sinodal (267 com direito a voto), para lá dos observadores (34
mulheres e 17 casais), técnicos e peritos, contando-se entre estes um padre português – o
padre Duarte da Cunha, de 47 anos, a trabalhar atualmente na Suíça
como secretário do Conselho das Conferências Episcopais da Europa.
No atinente à proveniência e estatuto dos
participantes, será de recordar que provêm de todos os recantos do mundo (de 110 países). São os presidentes das conferências episcopais (CEP) e/ou
responsáveis pela pastoral da família no âmbito das respetivas CEP; são os responsáveis
pelos diversos dicastérios da Cúria Romana; e são 45 nomeados pelo Papa.
A metodologia tem a ver com a organização das sessões. Além dos atos
públicos com a participação da multidão – como a missa de abertura, a de
encerramento e a de 18 de outubro, para assinalar o 50.º aniversário da instituição
do sínodo e proceder à canonização de alguns dos atuais beatos – o sínodo é
organizado por Congregações Gerais, onde já foram analisados todos os pontos do
Instrumentum laboris e por sessões de
13 grupos linguísticos, os quais produziram, a 9 de outubro, documentos sobre o
desenrolar dos trabalhos já efetuados. Haverá, a meio do sínodo, um relatório
intercalar, sessões de Congregação Geral, para audição dos porta-vozes dos
grupos linguísticos, com a respetiva discussão e a preparação do relatório
final e de outros textos julgados pertinentes, como eventuais propostas de
ação, mensagens, etc.
Todos os textos são redigidos por uma comissão criada, por nomeação papal,
no seio da Secretaria-Geral do Sínodo e com base nas conclusões a que chegam as
Congregações Gerais.
Paralelamente, a Sala de Imprensa da Santa Sé promove conferências de
imprensa moderadas pelo respetivo diretor e com a intervenção de alguns dos
participantes na assembleia sinodal, os quais podem fazer as declarações
públicas que entenderem pertinentes.
Segundo declarações do diretor da Sala de Imprensa, o jesuíta padre
Frederico Lombardi, na conferência de imprensa do passado dia 9, “cada
padre sinodal é livre de tornar público o conteúdo do seu pronunciamento, mas
não pode revelar os pronunciamentos ou sínteses de discursos de outros
participantes do Sínodo”.
Sobre a comissão de
elaboração do Relatório final,
nomeada pelo Papa e não pela assembleia, Lombardi disse que no ano passado o
Santo Padre nomeou uma comissão análoga da qual muitos membros são os mesmos
este ano, com a finalidade de ajudar o relator, o secretário especial e o
secretário-geral na integração de várias contribuições. Sendo de centenas o
número de intervenções, o porta-voz da Santa Sé afirmou que o trabalho de as
integrar coerentemente no Relatório Final
é altamente complexo. Por isso, Francisco nomeou no ano passado seis pessoas,
além das três já automaticamente presentes: o relator, o secretário especial e
o secretário-geral. Eram ao todo nove pessoas. Este ano, são dez, mas a ideia é
mais ou menos a mesma.
Relativamente
ao momento em que os bispos podem fazer as suas observações para o Relatório Final, Lombardi disse que
ainda há tempo e podem (e são convidados para isso), se o desejam, fazer as suas
observações no esboço final, na última semana do Sínodo.
Porém,
a maior riqueza do Sínodo consiste na atitude a assumir. Os padres sinodais
devem preocupar-se com a escuta do Espírito Santo e não cada um fazer ouvir a
sua voz. Por outro lado, o sínodo, não sendo um parlamento em que tenha de se
chegar a um consenso ou à unanimidade pela via negocial, postula que cada um dos
participantes possa intervir e fale com inteira liberdade e franqueza e escute
com atenção e respeito a palavra do outro.
Esta
postura pode ajudar a criar convergências entre as divergências, a fazer luz a
partir da discussão disciplinada, mas aberta. Não está em causa a doutrina, mas
a ação pastoral.
***
Passemos agora à recolha de alguns testemunhos.
O arcebispo de Manila, cardeal Luis Antonio Gokim Tagle, declarando que do Sínodo não se
deve esperar uma mudança da doutrina e salientando a dimensão da celebração da
beleza da família, afirmou:
“A perspetiva da assembleia sinodal é a de ver,
partindo da doutrina, como se pode curar e apoiar a família, sobretudo se
dilacerada por sofrimentos e guerras. Não é dado por certo que ao término do
sínodo será publicado um documento final. No centro dos trabalhos sinodais não
estão somente os desafios e as dificuldades encontradas pelas famílias. (…)
Todos os grupos disseram: celebremos também a beleza da família, o compromisso
de muita gente para preservar as famílias”.
Por seu turno, o presidente da Conferência Episcopal dos
Estados Unidos e arcebispo de
Louisville, Dom Joseph Edward Kurtz, afirmou que, apesar dos contextos e
experiências diferentes, as famílias estão unidas por traços distintos,
sobretudo se o seu percurso é iluminado pela fé e pelo Evangelho:
“Tive o privilégio de ser hoje o primeiro relator e,
portanto, depois de ter falado, pude também ouvir para verificar se existem
elementos em comum: alguns elementos em comum existem. Concordo com o cardeal
Tagle quando disse que os desafios que dizem respeito às famílias, dos quais
falamos no ano passado, não diminuem”.
Também o arcebispo de Madrid, Dom Carlos Osoro Sierra,
sublinhou que a ideologia do género chega a todo o lado, pela elaboração de
leis e pela organização da economia. Neste contexto, “uma das intenções do
Sínodo” é mostrar, da melhor maneira, a beleza da família”. E disse:
“Acredito que o que está sendo feito, e a maneira de o
fazer, tão boa, seja uma escola de belas artes. Está sendo buscada a melhor
pintura, os melhores pincéis para mostrar o rosto daquela que é a estrutura
original da vida: a família”.
***
Paralelamente, o Sínodo
ficou marcado pelas declarações de representantes da Europa, África e Médio
Oriente. Alguns temas como a perseguição aos cristãos, a visão europeísta do
mundo e a homossexualidade estiveram em análise sob olhares de culturas
diferentes.
No dia da
decapitação de três cristãos por um grupo de jihadistas, na Síria, o patriarca
sírio, Inácio Younan, denunciou o “inferno” da perseguição aos cristãos no
Médio Oriente. Referiu a impotência da Igreja face a esta “situação trágica” e
lamentou o abandono das famílias, sobretudo do Iraque e da Síria, que fazem
“todos os possíveis para sair do inferno”. E declarou amargamente que “sentimos
que fomos esquecidos, mesmo traídos pelos países ocidentais”.
Segundo o
patriarca sírio, as perseguições
e sequestros de cristãos são um “fenómeno catastrófico” que os afetará durante muito
tempo. Criticou a “política de oportunismo económico” das potências ocidentais,
apelando a que se faça tudo para devolver a paz e a estabilidade. E vituperou os
meios de comunicação ocidentais por enfatizarem os temas deste lado do Globo,
preterindo os temas conexos com a Igreja Universal.
Do
seu lado, o arcebispo de Accra, o ganês Dom Charles Gabriel Palmer-Buckle alinhou
com a crítica do patriarca sírio à comunicação social do Ocidente: “Nada de bom que sai de África é
suficientemente bom para os media europeus”. E estendeu a crítica ao
próprio Instrumentum Laboris, por descurar a perspetiva africana.
Por
outro lado, o arcebispo ganês, confrontado com as leis aprovadas em alguns
países africanos que criminalizam a prática de atos homossexuais, lembrou a
autointerrogação de Francisco “quem sou
eu para julgar”, frisando o impacto que teve nos cristãos africanos. No
entanto, alertou que a mudança requer tempo, sobretudo quando atinge algo “que
faz parte da cultura há milénios”. E, evocando os documentos que têm sido
publicados em África, que enfatizam a dignidade dos homossexuais, como um
espelho da mudança da visão sobre esta temática, disse:
“Estamos
a fazer o que podemos, mas é difícil fazer vozes isoladas serem ouvidas,
sobretudo quando é algo culturalmente difícil de as pessoas perceberem.
Queremos que todos os direitos de todos os filhos e filhas de Deus sejam respeitados
em todo o lado e por toda a Igreja”.
E,
enquanto o cardeal italiano Edoardo Menichelli reforçou a necessidade de
conhecer “a vida das pessoas em família, como elas se relacionam e aquilo que a
Igreja pode oferecer”, Palmer Buckle apontou a diferença do conceito de família
em África, mais alargado, comparativamente com o da visão ocidental, que se
cinge à família nuclear. Neste sentido, especificou o equilíbrio que pretendem
alcançar:
“Queremos
manter as alegrias do sistema de família alargada. Queremos adotar as melhores
práticas do sistema de família nuclear, sem destruir as nossas tradições”.
***
Entretanto,
não pode deixar de se assinalar a marca do quinto dia da assembleia sinodal.
Começou
com um momento de oração presidido pelo Papa Francisco, que declarou:
“Estamos
dolorosamente impressionados e acompanhamos com profunda preocupação o que se
está a passar na Síria, no Iraque, em Jerusalém e na Cisjordânia, onde se
assiste a uma escalada de violência que envolve civis inocentes e continua a alimentar
uma crise humanitária de enormes proporções”.
Francisco
apelou à comunidade internacional para que procure “formas de ajudar eficazmente as partes envolvidas a alargar os seus
horizontes para lá dos interesses imediatos” e recordou que a solução para
os conflitos implica o recurso aos “instrumentos
do direito internacional e da diplomacia”.
Outra
marca daquele dia foi a publicação dos primeiros
relatórios dos 13 grupos de trabalho do Sínodo, de que se salientam
alguns pontos:
O Instrumentum Laboris, documento-base
para as discussões sinodais, mereceu grande destaque na conferência do dia 9, já
referida, depois de os diversos relatórios – disponibilizados aos jornalistas
presentes – o terem criticado nalguns aspetos.
O
arcebispo de Louisville considera a linguagem do Instrumentum Laboris pouco inspiradora, afirmando:
“Precisamos
de palavras mais simples, mais fáceis de perceber. Tomemos como exemplo o Papa
Francisco: ele tem a capacidade de tocar os corações das pessoas quando fala. É
isso que é necessário! O nosso grupo sugeriu 27 alterações, muitas delas relacionadas
com a linguagem”.
Por
seu turno, o arcebispo de Manila, a este respeito, brincou e desvalorizou as
críticas:
“Neste
sínodo está a ser utilizado um novo método. Por isso, é perfeitamente natural
haver um pouco de confusão. Mas ser confuso é bom! Se tudo estiver demasiado
claro, é sinal que podemos já não estar na vida real”.
Considerando
o Instrumentum Laboris um
“documento-mártir”, disse não fazer sentido convocar 300 pessoas para dizerem
apenas “sim” sem o escrutinar.
Depois,
enquanto o arcebispo de Louisville, perante a insistência dos profissionais dos media, respondia jocosamente que não eram apenas os
delegados que deviam exercitar a paciência, mas também os jornalistas, o arcebispo
de Manila esclareceu que o sínodo é um processo e que “naturalmente haverá conclusões”
mas o importante é, de momento, a escuta dos diferentes testemunhos, “onde
reside a verdadeira riqueza do sínodo”. E lembrou aos presentes que não é
obrigatória a existência futura de uma exortação pós-sinodal, “algo que apenas
começou a ser comum com a Evangelii
Nuntiandi, de Paulo VI”, e que o Instrumentum
Laboris pode mesmo vir a
revestir um cariz conclusivo, sendo qualquer uma destas decisão que cabe a
Francisco.
Por
sua vez, o arcebispo de Madrid Carlos Osoro Sierra, presente num sínodo pela
primeira vez, em resposta à questão se no Sínodo se falava apenas de famílias
cristãs ou de famílias em geral, esclareceu que “falamos de família cristã, mas
também estamos a falar daquilo que é a família em todas as culturas”. E, a
seguir, prestou à comunicação social um testemunho na primeira pessoa sobre o
significado e valor da família:
“O
melhor da minha vida, não o aprendi quando fui para a universidade ou no
seminário. Aprendi-o na minha família. Foi nela e com ela que aprendi as
melhores coisas da minha vida! Saber amar, saber querer, saber respeitar, saber
servir, saber entregar-me, saber descobrir que o outro tem muita mais
importância que eu, saber respeitar os mais velhos, saber respeitar todos...
Foi na minha família também que aprendi a conhecer Nosso Senhor. Os meus
primeiros catequistas foram a minha mãe e o meu pai.”
E
termina, com um ato de fé na família autenticamente cristã:
“Creio
que a família cristã tem algo tão original, tem tanta força, é criadora de
tanto humanismo, ajuda-nos a humanizar a nossa vida... Ensina-nos a amar
incondicionalmente com uma misericórdia entranhada como a de Nosso Senhor”.
Já
as vagas migratórias, a violência, o aborto e os métodos contracetivos foram
assuntos levemente abordados durante a conferência de imprensa. Os
intervenientes preferiram insistir no clima de franqueza e “diversidade
cultural e situacional do sínodo” e elogiaram o “tom de celebração” associado
às discussões sinodais sobre a família. O arcebispo de Madrid insistiu na
família como “estrutura originária da vida” e o arcebispo de Louisville sentenciou:
“Deus
não enviou o seu Filho para um palácio ou castelo, optou antes por enviá-lo
para o seio de uma família”.
Que toda a riqueza do Sínodo
constitua verdadeira caminhada sinodal com reais frutos pastorais.
(Veja tudo isto mais desenvolvido nos site da
arquidiocese de Braga, no da Rádio Vaticano ou na agência Ecclesia)
2015.10.12 –
Louro de Carvalho
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