quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Ainda podemos pagar mais impostos!

Nos últimos dias, os órgãos de comunicação social deram conta ao público de um relatório da Comissão Europeia que põe em evidência o problema de sustentabilidade das nossas finanças públicas e que afirma que em Portugal ainda há espaço para a oneração da carga fiscal pela via do aumento de impostos.
Efetivamente, no seu relatório anual sobre as reformas nos sistemas de impostos dos países da União Europeia, a Comissão inclui o nosso país no painel dos países que, em simultâneo, cumprem três condições, a saber: mercê do elevado nível de endividamento acumulado e da reduzida capacidade para a ele obviar, o país precisa de recorrer a medidas para tornar mais sustentáveis as finanças públicas; feita a comparação com a média europeia, considera-se que ainda há espaço de manobra para aumentar a carga fiscal já imposta às famílias e às empresas: e, se decidir pelo aumento da carga fiscal, pode fazê-lo decretando a mexida nos impostos que menos efeitos negativos produzem sobre a economia, isto é, agravando os impostos sobre o consumo, como o IVA, o IA, o IUC e o ISP, sobre o imobiliário (IMI, IMT e imposto sucessório) e sobre os bens poluentes (a dita fiscalidade verde), em vez de maior fiscalidade sobre o rendimento das pessoas (IRS) e das empresas (IRC).
Os países que estão abrangidos por estas circunstâncias – que induzem a Comissão Europeia a opinar que “há um espaço de manobra potencial para usar a tributação para ajudar a enfrentar o desafio da sustentabilidade” – são Portugal, a Irlanda, a Croácia, a Eslovénia e o Reino Unido.
A Comissão, no seu pressuposto equilíbrio de análise, equaciona o problema de saber em que países será aconselhável a substituição de parte da carga fiscal existente sobre os rendimentos do trabalho por carga fiscal sobre consumo e imóveis, que, em tese, serão menos nocivos ao potencial de crescimento. No caso português, Bruxelas entende que não existe, de momento, um excesso na tributação sobre o trabalho, incluindo nos níveis mais baixos de rendimento. Todavia, mostra pretensa sensibilidade ao problema existente ao nível da tributação que recai sobre o elemento dum casal que ganha menos. Se este for excessivamente tributado, pode sentir-se forte tentação à inatividade – algo que a Comissão diz estar a acontecer em Portugal.
É, afinal, por esta visão mesquinha e caluniosa que a Comissão Europeia, que vive em Bruxelas à tripa forra, recheada de salários portentosos e insignes mordomias, recomenda que Portugal substitua este excesso de impostos específico sobre o trabalho por impostos sobre o consumo e sobre os imóveis. Entretanto, a mesma Comissão, lá do alto da sua sabedoria analítica, mostra simpática comiseração por oito países que, na área da fiscalidade sobre os imóveis, praticam uma carga fiscal elevada sobre as transações (IMT), que poderia ser compensada, segundo o seu entendimento, com um acréscimo das taxas que incidem sobre o património (IMI), que são vistas como “não particularmente elevadas”.
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Espero que a Comissão Europeia, para fazer tais análises e formular tais recomendações, não venha dizer que se estribou em informações oriundas do Governo de Portugal.
A análise é caluniosa, quando insinua motivação para a inatividade da parte de quem se sinta esmagado pelo ónus da fiscalidade. Por outro lado, a Comissão, e eventualmente o Governo da República, esquece que, durante os últimos anos, Portugal, a braços com a tarefa de reduzir rapidamente o défice num ambiente de recessão económica profunda em espiral, recorreu várias vezes ao aumento de impostos como solução, já que a redução da despesa pública chegou a níveis insustentáveis (as gorduras do Estado eram, afinal, mais fictícias que reais). Foram criadas taxas extraordinárias sobre o subsídio de natal (2011); foram cortados subsídios de férias e de natal de muitos funcionários públicos e pensionistas (reformados e aposentados), em 2102 e seguintes; foi inventada a CES (contribuição extraordinária de solidariedade), que vigorou durante 2012 e 2013, para muitos dos pensionistas; criou-se uma sobretaxa em sede de IRS (imposto sobre o rendimento das pessoas singulares); foram redefinidos os escalões do IRS, gerando-se um agravamento generalizado do imposto e acabou por operar-se um ligeiro desagravamento do IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas); agravaram-se os impostos sobre o consumo, com subida do IVA (imposto sobre o valor acrescentado), incluindo a passagem de produtos das taxas mínima e média para a taxa máxima. Tanto assim foi que só a subida do IRS, em 2013, foi classificada pelo ministro das Finanças da altura como “um enorme aumento de impostos”. Tal aumento resultou da falha de todas as previsões de execução orçamental, embora a troika desse sempre uma avaliação positiva ao desempenho do Governo, com exceção de uma vez em que o parto avaliativo foi protelado até um dia 13 de maio.
Depois, veio o agravamento da carga fiscal com o reforço da fiscalidade verde, evidenciado sobretudo na guerra dos plásticos que o Governo impôs ao povo.
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A Comissão Europeia, cujas opiniões correm o sério risco de se converterem em leis, segundo palavras de Manuela Ferreira Leite pronunciadas hoje na TVI 24, analisa mal a situação de Portugal. Primeiro, ainda entende que o agravamento de impostos pode incidir sobre o rendimento na maior parte dos casos – seria bom que se desse ao exercício de comparar o montante do salário médio do português com o da média da União Europeia e o exercício similar para o salário mínimo nacional. Segundo, esquece que muitos dos novos empregos obtidos e muitos dos mantidos no país infirmam da precariedade e são compensados com salários extremamente baixos – o que traz problemas à sustentabilidade da Segurança Social. Terceiro, não tem em conta que, onerando mais o consumo e os produtos que se encontram sobre a chamada fiscalidade verde, passaremos a sofrer de enfraquecimento do rendimento: quem ganhe muito ou quem ganhe pouco terá que disponibilizar um quinhão maior do seu rendimento quando faz aquisições, muitas delas de bens essenciais (alimentação, medicação, roupa, calçado, etc.); quem trabalha precisa de transporte público ou privado ou de arrendar casa, mas, se os impostos atinentes a estes produtos se agravarem, maior quinhão do rendimento se despende. Por sua vez, as empresas verão subir os custos de produção e circulação (eletricidade, água, combustível, telecomunicações, matérias-primas, maquinaria, papel e afins, avenças…), apesar dos baixos salários praticados
A Comissão Europeia bem poderia estudar formas de construir solidariedades entre povos e entre cidadãos, em vez de estudar a forma de os onerar cada vez mais e tentar vender a ideia como boa.
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Entretanto, temos de apontar inconsequências à Comissão: se tem visto o défice português a melhorar em 2015, pelo que não descarta a saída do país do procedimento por défices excessivos a partir do próximo ano, a que propósito vem a sugestão de agravamento da carga fiscal, a menos que seja seu desígnio o empobrecimento a todos os níveis ou não acredite nas suas previsões?
A respeito do défice, a Comissão previa, em fevereiro, um défice de 3,2% para Portugal este ano, mas nas suas últimas previsões em maio, mostrando-se já mais otimista, alterou a previsão para 3,1% – número que, apesar de tudo, se posiciona distante dos 2,7% ambicionados pelo Governo. No entanto, o executivo europeu prepara-se para se apresentar ainda mais confiante em relação às contas portuguesas quando publicar, em novembro, as previsões económicas de inverno para os 28 Estados-membros. Foi escudada nas futuras previsões que, tendo garantido que o adicional de 2,5%, por via da não venda do Novo Banco, a acrescentar ao défice apurado de 4,7% apurado para o ano económico de 2014 (7,2% no total), não tem implicação nas contas daquele ano, contudo não respondeu se teria ou não implicações nas contas de 2015. Parece que, ao aduzir pela voz do seu vice-presidente que se tratava de mera questão contabilística, estava a fazer um frete ao Governo, intrometendo-se abusivamente na campanha eleitoral.
Será que a Comissão avançará previsão de défice abaixo dos 3% ou, no caso de a previsão se cifrar num número superior a 3%, optará pela versão da mera questão contabilístico-estatística?
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De acordo a avaliação de Bruxelas, Portugal terá de consolidar as contas públicas a ao ritmo de 0,6% do PIB em cada ano, valor que a Comissão Europeia considera não ser atingível durante o próximo ano. Por este motivo, nas habituais recomendações que a Comissão faz em maio a todos os Estados-membros, foi recomendado a Portugal que garantisse uma “correção duradoura do défice excessivo já em 2015, tomando medidas necessárias e duradouras”. Entre essas medidas, contavam-se: a melhoria da sustentabilidade do sistema de pensões, a médio prazo; a proteção da sustentabilidade financeira das empresas públicas; e a melhoria do cumprimento das leis orçamentais.
É óbvio que, em ano de eleições, o Governo tinha de suspender o seu estatuto de bom aluno e colocou-se em posição de desacordo com a Comissão Europeia e com o FMI em relação à probabilidade de concretização da meta do défice orçamental para 2015: 2,7%.
Recentemente, a ministra das Finanças reafirmou a confiança na capacidade do Governo em atingir o objetivo, apesar de o défice na primeira metade do ano ter ficado em 4,7%. Sobre as previsões da Comissão, relembrou que estas têm vindo a ser progressivamente reduzidas ao longo do tempo e manifestou a sua convicção de que Bruxelas voltará a rever em baixa a sua projeção para o défice português deste ano.
Ora, a saída de Portugal do procedimento dos défices excessivos permitirá ao país beneficiar de condições mais favoráveis na gestão das finanças públicas, ficando, por exemplo, aberta a possibilidade de justificar alguma derrapagem do défice orçamental com a implementação de reformas estruturais.
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Também, contrariando o Governo, a Direção de Economia e Finanças da Comissão Europeia adverte para o risco de os contribuintes virem a suportar eventuais perdas do Novo Banco.
As autoras do estudo sobre “a resolução transfronteiriça de bancos” – no figurino de “documento de discussão”, que não vincula a Comissão Europeia, tendo apenas o propósito de constituir um contributo para debates – incluíram na sua análise o caso da resolução do BES (Banco Espírito Santo). A este respeito, preveem que, face às soluções decididas pelo Governo (facto sempre por este negado), designadamente a criação do Fundo de Resolução para a constituição do capital do Novo Banco, parte de eventuais futuras perdas desta instituição possam ter de ser suportadas pelos contribuintes.
As especialistas aduzem como explicação que “como parte do capital” do Novo Banco (o “banco bom” criado na sequência da resolução do BES) foi obtido através dum empréstimo estatal, através do Fundo de Resolução, pelo que realmente “existe a possibilidade de, no futuro, algumas perdas serem suportadas pelos contribuintes”.
Por sua vez, o Governo, que sempre disse que nada tem a ver com a decisão de criar o Fundo de Resolução e que tem rejeitado eventuais perdas para os contribuintes, veio reiterar pela voz da ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, as suas teses a 15 de setembro passado, precisamente aquando do anúncio, pelo Banco de Portugal, do adiamento da venda do Novo Banco, garantindo que os contribuintes não terão que suportar eventuais encargos.
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Quem tem razão? Em quem poderemos acreditar?
Uma coisa é certa: quando Portugal perde a soberania porque não pode cunhar moeda, mal pode fazer leis, os governantes estão matriculados em Bruxelas e os magistrados podem fazer greve, resta a fatia soberana de decretar impostos!

2015.10.01 – Louro de Carvalho

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