Nos últimos dias, os
órgãos de comunicação social deram conta ao público de um relatório da Comissão
Europeia que põe em evidência o problema de sustentabilidade das nossas finanças
públicas e que afirma que em Portugal ainda há espaço para a oneração da carga
fiscal pela via do aumento de impostos.
Efetivamente, no seu
relatório anual sobre as reformas nos sistemas de impostos dos países da União
Europeia, a Comissão inclui o nosso país no painel dos países que, em simultâneo,
cumprem três condições, a saber: mercê do elevado nível de endividamento
acumulado e da reduzida capacidade para a ele obviar, o país precisa de recorrer
a medidas para tornar mais sustentáveis as finanças públicas; feita a comparação
com a média europeia, considera-se que ainda há espaço de manobra para aumentar
a carga fiscal já imposta às famílias e às empresas: e, se decidir pelo aumento da
carga fiscal, pode fazê-lo decretando a mexida nos impostos que menos efeitos
negativos produzem sobre a economia, isto é, agravando os impostos sobre o
consumo, como o IVA, o IA, o IUC e o ISP, sobre o imobiliário (IMI, IMT e imposto
sucessório) e
sobre os bens poluentes (a dita fiscalidade verde), em vez de maior fiscalidade sobre o rendimento
das pessoas (IRS) e das empresas (IRC).
Os países que estão
abrangidos por estas circunstâncias – que induzem a Comissão Europeia a opinar
que “há um espaço de manobra potencial para usar a tributação para ajudar a
enfrentar o desafio da sustentabilidade” – são Portugal, a Irlanda, a Croácia, a
Eslovénia e o Reino Unido.
A Comissão, no seu
pressuposto equilíbrio de análise, equaciona o problema de saber em que países será
aconselhável a substituição de parte da carga fiscal existente sobre os
rendimentos do trabalho por carga fiscal sobre consumo e imóveis, que, em tese,
serão menos nocivos ao potencial de crescimento. No caso português, Bruxelas
entende que não existe, de momento, um excesso na tributação sobre o trabalho,
incluindo nos níveis mais baixos de rendimento. Todavia, mostra pretensa
sensibilidade ao problema existente ao nível da tributação que recai sobre o
elemento dum casal que ganha menos. Se este for excessivamente tributado, pode
sentir-se forte tentação à inatividade – algo que a Comissão diz estar a
acontecer em Portugal.
É, afinal, por esta visão
mesquinha e caluniosa que a Comissão Europeia, que vive em Bruxelas à tripa
forra, recheada de salários portentosos e insignes mordomias, recomenda que
Portugal substitua este excesso de impostos específico sobre o trabalho por
impostos sobre o consumo e sobre os imóveis. Entretanto, a mesma Comissão, lá
do alto da sua sabedoria analítica, mostra simpática comiseração por oito
países que, na área da fiscalidade sobre os imóveis, praticam uma carga fiscal
elevada sobre as transações (IMT), que poderia ser compensada, segundo o seu entendimento, com um
acréscimo das taxas que incidem sobre o património (IMI), que são vistas como
“não particularmente elevadas”.
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Espero que a Comissão
Europeia, para fazer tais análises e formular tais recomendações, não venha
dizer que se estribou em informações oriundas do Governo de Portugal.
A análise é caluniosa,
quando insinua motivação para a inatividade da parte de quem se sinta esmagado
pelo ónus da fiscalidade. Por outro lado, a Comissão, e eventualmente o Governo
da República, esquece que, durante os últimos anos, Portugal, a braços com a
tarefa de reduzir rapidamente o défice num ambiente de recessão económica profunda
em espiral, recorreu várias vezes ao aumento de impostos como solução, já que a
redução da despesa pública chegou a níveis insustentáveis (as gorduras do Estado eram,
afinal, mais fictícias que reais). Foram criadas taxas extraordinárias sobre o
subsídio de natal (2011); foram cortados subsídios de férias e de natal de muitos
funcionários públicos e pensionistas (reformados e aposentados), em 2102 e seguintes;
foi inventada a CES (contribuição extraordinária de solidariedade), que vigorou durante
2012 e 2013, para muitos dos pensionistas; criou-se uma sobretaxa em sede de
IRS (imposto
sobre o rendimento das pessoas singulares); foram redefinidos os escalões do IRS,
gerando-se um agravamento generalizado do imposto e acabou por operar-se um
ligeiro desagravamento do IRC (imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas); agravaram-se os
impostos sobre o consumo, com subida do IVA (imposto sobre o valor acrescentado), incluindo a passagem
de produtos das taxas mínima e média para a taxa máxima. Tanto assim foi que só
a subida do IRS, em 2013, foi classificada pelo ministro das Finanças da altura
como “um enorme aumento de impostos”. Tal aumento resultou da falha de todas as
previsões de execução orçamental, embora a troika desse sempre uma avaliação
positiva ao desempenho do Governo, com exceção de uma vez em que o parto
avaliativo foi protelado até um dia 13 de maio.
Depois, veio o
agravamento da carga fiscal com o reforço da fiscalidade verde, evidenciado
sobretudo na guerra dos plásticos que o Governo impôs ao povo.
***
A Comissão Europeia,
cujas opiniões correm o sério risco de se converterem em leis, segundo palavras
de Manuela Ferreira Leite pronunciadas hoje na TVI 24, analisa mal a situação
de Portugal. Primeiro, ainda entende que o agravamento de impostos pode incidir
sobre o rendimento na maior parte dos casos – seria bom que se desse ao
exercício de comparar o montante do salário médio do português com o da média
da União Europeia e o exercício similar para o salário mínimo nacional.
Segundo, esquece que muitos dos novos empregos obtidos e muitos dos mantidos no
país infirmam da precariedade e são compensados com salários extremamente
baixos – o que traz problemas à sustentabilidade da Segurança Social. Terceiro,
não tem em conta que, onerando mais o consumo e os produtos que se encontram
sobre a chamada fiscalidade verde, passaremos a sofrer de enfraquecimento do
rendimento: quem ganhe muito ou quem ganhe pouco terá que disponibilizar um
quinhão maior do seu rendimento quando faz aquisições, muitas delas de bens
essenciais (alimentação,
medicação, roupa, calçado, etc.); quem trabalha precisa de transporte público ou privado ou
de arrendar casa, mas, se os impostos atinentes a estes produtos se agravarem,
maior quinhão do rendimento se despende. Por sua vez, as empresas verão subir
os custos de produção e circulação (eletricidade, água, combustível, telecomunicações,
matérias-primas, maquinaria, papel e afins, avenças…), apesar dos baixos
salários praticados
A Comissão Europeia bem
poderia estudar formas de construir solidariedades entre povos e entre
cidadãos, em vez de estudar a forma de os onerar cada vez mais e tentar vender
a ideia como boa.
***
Entretanto, temos de
apontar inconsequências à Comissão: se tem visto o défice português a melhorar
em 2015, pelo que não descarta a saída do país do procedimento por défices
excessivos a partir do próximo ano, a que propósito vem a sugestão de
agravamento da carga fiscal, a menos que seja seu desígnio o empobrecimento a
todos os níveis ou não acredite nas suas previsões?
A respeito do défice, a
Comissão previa, em fevereiro, um défice de 3,2% para Portugal este ano, mas
nas suas últimas previsões em maio, mostrando-se já mais otimista, alterou a
previsão para 3,1% – número que, apesar de tudo, se posiciona distante dos 2,7%
ambicionados pelo Governo. No entanto, o executivo europeu prepara-se para se
apresentar ainda mais confiante em relação às contas portuguesas quando
publicar, em novembro, as previsões económicas de inverno para os 28
Estados-membros. Foi escudada nas futuras previsões que, tendo garantido que o
adicional de 2,5%, por via da não venda do Novo Banco, a acrescentar ao défice
apurado de 4,7% apurado para o ano económico de 2014 (7,2% no total), não tem implicação nas
contas daquele ano, contudo não respondeu se teria ou não implicações nas
contas de 2015. Parece que, ao aduzir pela voz do seu vice-presidente que se
tratava de mera questão contabilística, estava a fazer um frete ao Governo,
intrometendo-se abusivamente na campanha eleitoral.
Será que a Comissão avançará
previsão de défice abaixo dos 3% ou, no caso de a previsão se cifrar num número
superior a 3%, optará pela versão da mera questão contabilístico-estatística?
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De acordo a avaliação de
Bruxelas, Portugal terá de consolidar as contas públicas a ao ritmo de 0,6% do
PIB em cada ano, valor que a Comissão Europeia considera não ser atingível
durante o próximo ano. Por este motivo, nas habituais recomendações que a
Comissão faz em maio a todos os Estados-membros, foi recomendado a Portugal que
garantisse uma “correção duradoura do défice excessivo já em 2015, tomando
medidas necessárias e duradouras”. Entre essas medidas, contavam-se: a melhoria
da sustentabilidade do sistema de pensões, a médio prazo; a proteção da
sustentabilidade financeira das empresas públicas; e a melhoria do cumprimento
das leis orçamentais.
É óbvio que, em ano de
eleições, o Governo tinha de suspender o seu estatuto de bom aluno e colocou-se
em posição de desacordo com a Comissão Europeia e com o FMI em relação à
probabilidade de concretização da meta do défice orçamental para 2015: 2,7%.
Recentemente, a ministra
das Finanças reafirmou a confiança na capacidade do Governo em atingir o objetivo,
apesar de o défice na primeira metade do ano ter ficado em 4,7%. Sobre as
previsões da Comissão, relembrou que estas têm vindo a ser progressivamente
reduzidas ao longo do tempo e manifestou a sua convicção de que Bruxelas
voltará a rever em baixa a sua projeção para o défice português deste ano.
Ora, a saída de Portugal
do procedimento dos défices excessivos permitirá ao país beneficiar de condições
mais favoráveis na gestão das finanças públicas, ficando, por exemplo, aberta a
possibilidade de justificar alguma derrapagem do défice orçamental com a
implementação de reformas estruturais.
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Também, contrariando o
Governo, a Direção de Economia e Finanças da Comissão Europeia adverte
para o risco de os contribuintes virem a suportar eventuais perdas do Novo
Banco.
As autoras do estudo sobre “a resolução
transfronteiriça de bancos” – no figurino de “documento de discussão”, que não
vincula a Comissão Europeia, tendo apenas o propósito de constituir um
contributo para debates – incluíram na sua análise o caso da resolução do BES (Banco Espírito Santo). A este respeito, preveem que, face às soluções decididas pelo
Governo (facto sempre por este negado), designadamente a criação do Fundo de
Resolução para a constituição do capital do Novo Banco, parte de eventuais
futuras perdas desta instituição possam ter de ser suportadas pelos
contribuintes.
As especialistas aduzem como explicação que
“como parte do capital” do Novo Banco (o “banco bom” criado
na sequência da resolução do BES) foi obtido através dum empréstimo estatal, através do Fundo de Resolução,
pelo que realmente “existe a possibilidade de, no futuro, algumas perdas serem
suportadas pelos contribuintes”.
Por sua vez, o
Governo, que sempre disse que nada tem a ver com a decisão de criar o Fundo de
Resolução e que tem rejeitado eventuais perdas para os contribuintes, veio reiterar pela voz da ministra
das Finanças, Maria Luís Albuquerque, as suas teses a 15 de setembro passado,
precisamente aquando do anúncio, pelo Banco de Portugal, do adiamento da venda
do Novo Banco, garantindo que os contribuintes não terão que suportar eventuais
encargos.
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Quem tem razão? Em quem
poderemos acreditar?
Uma coisa é certa: quando
Portugal perde a soberania porque não pode cunhar moeda, mal pode fazer leis,
os governantes estão matriculados em Bruxelas e os magistrados podem fazer
greve, resta a fatia soberana de decretar impostos!
2015.10.01 – Louro de Carvalho
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