domingo, 18 de outubro de 2015

No Cinquentenário do Sínodo dos Bispos

Através da Carta Apostólica Apostolica Sollicitudo (AA), promulgada a 15 de setembro de 1965, Paulo VI instituiu o Sínodo dos Bispos para a Igreja Universal. Movia-o a leitura dos sinais dos tempos, num mundo repleto de perigos e de esperanças, e a necessidade de fomentar cada vez mais, para o bem da Igreja, a união dos bispos com o Romano Pontífice de modo que a este “não falte o consolo da sua presença, a ajuda da sua prudência e experiência, o apoio dos seus conselhos e a aprovação da sua autoridade” (vd AA, 1965). Por outro lado, a instituição do Sínodo dos Bispos configurava, na ótica de Montini, o acolhimento do dinamismo do exercício da colegialidade tão bem desenvolvido no Vaticano II (cf id et ib).
Em pleno tempo de cinquentenário da próvida instituição da assembleia sinodal, decorre a XIV assembleia ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a problemática e a missão da família nos dias de hoje. Tendo convocado o Sínodo e assumindo a presidência e assíduo acompanhamento, Francisco presenteou a Igreja e o Mundo, a 17 de outubro, com um extenso discurso de reflexão a assinalar o cinquentenário sinodal.
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Na sua alocução o Papa declara que “desde o Concílio Vaticano II até à presente assembleia, temos experimentado de modo cada vez mais intenso a necessidade e a beleza de caminhar em conjunto”. E acentua o seu propósito de valorizar o Sínodo como “uma das heranças mais preciosas da última sessão conciliar”.
A seguir, sintetiza o que significou para os predecessores esta assembleia dos bispos. Segundo Paulo VI, o organismo sinodal, a ser aperfeiçoado ao longo do tempo, devia “repropor a imagem do Concílio ecuménico e refletir o seu espírito e método”. Por seu turno, João Paulo II entendia, 20 anos mais tarde, que este instrumento poderá ser ainda mais melhorado, de modo que a responsabilidade pastoral possa nele exprimir-se mais plenamente. E Bento XVI, em 2006, aprovou algumas alterações ao Ordo Synodi Episcoporum, à luz das disposições do Código de Direito Canónico e do Código dos Cânones das igrejas Orientais.
Assim, Francisco entende que “devemos seguir esta via”, pois, “o mundo em que vivemos e somos chamados a amar e a servir, mesmo nas suas contradições, exige da Igreja a mobilização das sinergias em todos os âmbitos da sua missão” e, por outro lado, “o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do III milénio”. No entanto, o Papa argentino não esconde que, embora “caminhar em conjunto” (leigos, pastores e bispo de Roma) seja um conceito de fácil expressão, não é fácil de pôr em prática.
Recorda o Pontífice que, ancorado na doutrina conciliar sobre a Igreja como Povo de Deus, com a unção que lhe vem do Alto, na Evangelii Gaudium sublinhara como o Povo de Deus é santo em razão daquela unção que o torna infalível in credendo, acrescentando que qualquer batizado, independentemente do lugar que ocupe na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, devendo pôr-se de parte a clássica distinção entre Igreja docente e Igreja discente, como se a evangelização fosse obra de atores qualificados e o resto fosse apenas recetor. Sustenta nesta convicção a tarefa que mandou empreender de auscultação do Povo de Deus e em especial das famílias (as suas alegrias e esperanças, as suas dores e angústias) para a elaboração dos “lineamenta” das duas assembleias sinodais sobre a família (a III extraordinária de 2014 e a XIV ordinária de 2015).
E o Papa insiste no conceito de Igreja sinodal, enquanto Igreja de escuta, na certeza de que escutar é “mais do que sentir”: “é uma escuta recíproca em que cada um tem algo a aprender – o povo fiel, o colégio episcopal, o Bispo de Roma: um na escuta dos outros e todos na escuta do Espírito Santo, o Espírito da verdade, para conhecer o que Ele diz às Igrejas”.
Vem referido acima que o Sínodo é um instrumento (cf Paulo VI, AA,2015). É então um instrumento da sinodalidade e da escuta e, no dizer de Francisco, constitui-se como o ponto de convergência deste dinamismo de escuta dirigido a todos os níveis da vida da Igreja. Por outro lado, o Pontífice assegura que o facto de o Sínodo agir sempre cum Petro et sub Petro não configura uma limitação da liberdade, mas uma garantia da unidade, pois o Papa é “o perpétuo e visível princípio e fomento da unidade tanto dos bispos entre si como da multidão dos fiéis”. Com este princípio de unidade está conexo o da comunhão hierárquica, adotado pelo Vaticano II: os bispos fazem em conjunto com o bispo de Roma o vínculo da comunhão episcopal (cum Petro), mas são hierarquicamente subordinados a ele enquanto cabeça do colégio (sub Petro).
Ademais, o facto de a sinodalidade ser uma dimensão constitutiva da Igreja, a oferecer a moldura interpretativa mais adequada à compreensão o ministério hierárquico, levou são João Crisóstomo a dizer que “Igreja” e “Sínodo” são sinónimos, dada a dinâmica do caminho e da caminhada. Com efeito, Jesus constituiu a Igreja pondo no vértice o colégio apostólico em que Pedro é a rocha que deve confirmar os irmãos na fé. Porém, “como na pirâmide invertida, o vértice encontra-se por baixo da base”.
Convenhamos que é uma asserção arrojada contra a lógica do poder. Talvez esta lógica da pirâmide invertida leve à adoção empática da titulação Servus servorum Dei pelos Papas, em que Francisco insiste. 
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Depois, o Papa, na convicção de que o Sínodo dos Bispos é na Igreja sinodal apenas a mais evidente mostra do dinamismo de comunhão a inspirar as decisões eclesiais, especifica os diversos níveis de sinodalidade:
- O primeiro realiza-se nas Igrejas particulares. O código de direito canónico dedica largo espaço aos organismos de comunhão na Igreja particular: o conselho presbiteral, o colégio dos consultores, o cabido dos cónegos, o conselho pastoral e, naturalmente, o sínodo diocesano como expressão máxima da comunhão na Igreja particular.
- O segundo é o das Províncias e Regiões Eclesiásticas, dos Concílios Particulares e, em especial, das Conferências Episcopais. A este respeito, Francisco recorda que “não é oportuno que o Papa substitua os Episcopados locais no discernimento de todas as problemáticas com que se deparam nos seus territórios, pelo que, neste sentido, se reconhece a necessidade de uma salutar descentralização, pois “uma centralização excessiva, em vez de ajudar, complica a vida da Igreja e a sua dinâmica missionária” (EG 32).
- O último nível é o da Igreja universal, onde o Sínodo dos Bispos, em representação do episcopado católico, se torna expressão da colegialidade episcopal no interior de uma Igreja toda sinodal.
Mas o Papa não deixa de implicar beneficamente a sinodalidade nas relações ecuménicas, ou seja, “o princípio da sinodalidade e o serviço daquele que preside oferecerá um contributo significativo ao progresso das relações entre as nossas Igrejas” (vd discurso à delegação do patriarcado de Constantinopla a 27 de junho de 2015) – convicção já em tempos exposta por João Paulo II (cf encíclica Ut unum sint 95).
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Outra forma de assinalar o cinquentenário do Sínodo dos Bispos e de relevar a importância da família foi a celebração eucarística de hoje, 18 de outubro, Dia Mundial das Missões e XXIX domingo do tempo comum, com a canonização de quatro beatos: Vicente Grossi, sacerdote; Maria da Imaculada Conceição, religiosa; e um casal – Luís Martin e Maria Zélia Guérin – pais de Santa Teresinha do Menino Jesus.
Francisco, com esta celebração, prestou uma bela homenagem às famílias. Foi a primeira vez que um casal foi canonizado na mesma celebração. Brilha a beleza da família assim celebrada, como é vontade explícita de muitos dos padres sinodais, para lá das dores e angústias por que ela passa nos nossos dias, quem sabe se não muito diferentes das dos tempos idos. Mas o acesso à santidade familiar fica bem patente nesta cerimónia.
Por outro lado, a causa missionária, já que a Igreja é toda ela evangelizadora e missionária, mesmo que os seus membros não partam ad gentes, mas desde que façam missão nos seus ambientes e tenham, nos lugares onde trabalham, as preocupações por todo o sofrimento e todas as insuficiências do mundo. Assim, Vicente Grossi foi enaltecido enquanto “pároco zeloso, sempre atento às necessidades do seu povo, especialmente à fragilidade dos jovens”, tendo repartido, com ardor, “o pão da Palavra para todos” e tornando-se “bom samaritano para os mais necessitados”. De Maria da Imaculada Conceição foi referido que, “bebendo nas fontes da oração e da contemplação, serviu pessoalmente e com grande humildade os últimos, com uma atenção especial aos filhos dos pobres e aos doentes”. Por sua vez, os esposos Luís Martin e Maria Zélia Guérin “viveram o serviço cristão na família, construindo dia após dia um ambiente cheio de fé e amor; e, neste clima, germinaram as vocações das filhas, nomeadamente a de Santa Teresinha do Menino Jesus”. A família pode efetivamente ser escola de serviço, ninho de servidores, rampa de lançamento de missionários e de contemplativos.
Convém recordar que Santa Teresinha é a Padroeira das Missões, não por ter saído a pregar, mas pela cumplicidade intensamente orante com os missionários ad gentes.
Depois, não se pode olvidar a temática do serviço, contraposto ao poder pelo poder, que o Papa glosou na sua homilia direcionada para a Igreja serva e para a família cuja função é servir as pessoas que dela fazem parte e ensinar a servir as outras pessoas com quem temos a oportunidade de nos encontrar. E fê-lo à luz do perfil do profeta Isaías, que esboça a figura do sofrente Servo do Senhor e a sua missão salvífica.  
Porém, o modelo do serviço e da missão é o próprio Cristo: “a sua existência e a sua morte, vividas inteiramente sob a forma de serviço (cf Fl 2,7), foram causa da nossa salvação e da reconciliação da humanidade com Deus”.
Tal dimensão salvífica não estava a ser compreendida pelos discípulos, nomeadamente pelos irmãos Tiago e João que, apoiados pelo instinto maternal, adrede expresso pela sua mãe, reivindicavam lugares de honra, de acordo com a sua própria visão hierárquica e terrena do Reino de Deus. Jesus, porém, não desarma e destrói-lhes as convicções sobre a pretensa temporalidade do Reino:
“Bebereis o cálice que Eu bebo (…), mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não pertence a Mim concedê-lo: é daqueles para quem está reservado” (Mc10,39-40).
Com a imagem de beber do cálice, Jesus assegura aos dois discípulos a possibilidade de serem associados plenamente ao seu destino de sofrimento, mas não lhes garante os lugares de honra e visibilidade desejados. Devem segui-Lo pelo caminho do amor e do serviço, abjurando da tentação mundana de sobressair e mandar. Talvez seja oportuno lembrar aos discípulos que pretendam enveredar pelo carreirismo a advertência do Mestre:
“Sabeis como aqueles que são considerados governantes das nações fazem sentir a sua autoridade sobre elas, e como os grandes exercem o seu poder. Não deve ser assim entre vós. Quem quiser ser grande entre vós, faça-se vosso servo.” (Mc10,42-43).
E mesmo aqueles que detêm o poder político e dele se servem, em vez de servirem, bem podiam pensar na efemeridade do poder ena sua perda, muitas vezes, por causa da inveja e da intriga ou pela falta do sucesso esperado.
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De facto, Jesus, além de ser o modelo do discípulo, apresenta-se como ideal de referência. Na maneira de proceder do seu Mestre, “a comunidade encontrará o motivo da nova perspetiva de vida”, pois, “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por todos” (Mc10,45).
Francisco, a este respeito, verifica a “incompatibilidade entre uma forma de conceber o poder segundo critérios mundanos e o serviço humilde que deveria caraterizar a autoridade segundo o ensinamento e o exemplo de Jesus”: “incompatibilidade entre ambições e carreirismo e o seguimento de Cristo; incompatibilidade entre honras, sucesso, fama, triunfos terrenos e a lógica de Cristo crucificado”. Mas destaca a “compatibilidade entre Jesus que sabe o que é sofrer e o nosso sofrimento”, citando, a este propósito, a Carta aos Hebreus, a que “apresenta Cristo como o Sumo Sacerdote que compartilha a nossa condição humana em tudo, exceto no pecado”. Assim, o Papa recorda-nos, neste dia missionário de 2015, que Jesus “experimentou diretamente as nossas dificuldades, conhece a partir de dentro a nossa condição humana” e que “o facto de não ter experimentado o pecado não O impede de compreender os pecadores”.
Ora, o Pontífice, a esta luz, ensina que “cada um de nós, enquanto batizado, participa a seu modo no sacerdócio de Cristo: os fiéis leigos no sacerdócio comum, os sacerdotes no sacerdócio ministerial”. Por isso, “todos podemos receber a caridade que brota do seu Coração aberto, tanto para nós mesmos como para os outros, tornando-nos canais do seu amor, da sua compaixão, especialmente para aqueles que vivem no sofrimento, na angústia, no desânimo e na solidão”.
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É esta compaixão misericordiosa de que o cristão é chamado a dar testemunho onde quer que se encontre ou para onde quer que vá – testemunho conexo com o quérigma fundamental do Evangelho: Ele está entre nós redivivo e quer fazer-nos participantes do seu reino, não pelos nossos merecimentos, mas pelo dom da sua misericórdia e pela participação no seu desígnio salvador.

2015.10.18 – Louro de Carvalho

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