É usual, quando se fala de avaliação de escolas (diga-se
agora “ou agrupamentos”), mencionar,
de imediato, a famosa Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro. Porém, este normativo tem ambição
mais abrangente: a avaliação do
“sistema de avaliação da educação e do
ensino não superior” (vd art.º 1.º). E este sistema de avaliação “abrange a educação pré-escolar, os ensinos
básico e secundário da educação escolar, incluindo as suas modalidades
especiais de educação, e a educação extraescolar” (art.º
2.º/1); e “aplica-se aos estabelecimentos de educação
pré-escolar e de ensino básico e secundário da rede pública, privada,
cooperativa e solidária” (art.º 2.º/2). É, pois, de questionar por
onde anda a avaliação das escolas privadas, que, pelos vistos, têm crescido em
equipamentos e número de alunos, com visível apoio do Estado, apesar de se
dizer a plenos pulmões que inflacionam escandalosamente as classificações
internas, preparam os alunos quase em exclusivo pelo figurino do exame nacional
e induzem as escolas públicas ao mesmo tipo de procedimento. E, por mais
indicações que surjam dos observatórios de qualidade ou do Conselho Nacional de
Educação, parece que as coisas pouco mudam.
Contrariando os que asseguram
que, em Portugal, não há tradição em avaliação de escolas e que foi na década
de 90, por influência doutros países, maxime
europeus, que surgiram programas e projetos com vista à avaliação externa e
à implementação da autoavaliação nas organizações escolares, é de esclarecer
que nunca a tutela deixou de proceder, através de diversas ações inspetivas a
avaliações de rotina ou a avaliação mais detalhada no sistema de auditoria.
Chegou mesmo a existir uma
bolsa de inspetores pedagógicos e outra de inspetores administrativos, de cujas
visitas e auditorias resultavam relatórios com indicação de aspetos merecedores
de aplauso, pontos necessitados de melhoria e até casos sujeitos a inquéritos
para apuramento de responsabilidades e respetiva sanção. Tal sucedia, fora dos
momentos rotineiros, sempre que havia alterações significativas no sistema, em
caso de suspeita fundada ou de forma aleatória.
Entretanto, em 1992, foi criado o
Observatório da Qualidade da Escolas
no âmbito do PEPT (Programa de Educação Para Todos), constituindo um dos primeiros
projetos de autoavaliação de escolas – que faltava – fazendo despertar o
interesse pela avaliação interna nos diversos serviços públicos e privados. O programa
foi positivamente contaminado pelo projeto INES (Indicadores dos
Sistemas Educativos)
da OCDE e do estudo sobre Monitorização e
Indicadores de Desempenho das Escolas. Terminado em 1999, o Observatório pautava-se pelos seguintes
princípios: qualidade das escolas; autonomia; reforma cultural na gestão; e produção
de informação sistemática sobre as escolas. Os seus objetivos eram: apoiar as escolas na organização da autoinformação;
estabelecer critérios comuns e estimular
o desenvolvimento do discurso de avaliação e de autoavaliação; tornar a informação útil; aumentar a capacidade de observação e de
interpretação dos diversos atores; e desenvolver
processos interativos de reflexão e comunicação dentro da escola e entre esta e
o sistema educativo e social.
Durante a vigência do Observatório a Comunidade Europeia
lançou o projeto-piloto Avaliação da
Qualidade na Educação Escolar (1997-1998), que estabeleceu as bases do
estabelecimento das práticas de autoavaliação. Portugal foi o único país que
lhe deu continuidade, através do projeto Qualidade
XXI (1999-2002), a iniciativa do INE (Instituto de Inovação
Educacional). O projeto
resultou da simplificação de procedimentos, introduziu a perspetiva sistémica e
reforçou o caráter participativo (Alaíz, Góis e
Gonçalves, 2003).
Tinha como suporte 4 áreas fundamentais de política e estratégia educativa: resultados da aprendizagem; processos internos ao nível da sala de aula;
processos internos ao nível da escola;
e interações com o contexto. Eram
diversos os seus objetivos: fomentar o
uso sistemático de dispositivos de autoavaliação por parte das escolas; fomentar e enriquecer a reflexão sobre as
questões atinentes à avaliação e construção da qualidade educacional; permitir a fundamentação de decisões sobre
esta matéria, a diversos níveis; e criar
condições para, no longo prazo, se proceder à generalização progressiva de
estratégias de autoavaliação nas escolas.
Depois, entre 1999 e 2002, a
então IGE (Inspeção Geral de Educação) desenvolveu o programa Avaliação Integrada das Escolas – uma atividade
de avaliação externa orientada por três princípios: intervenção estratégica e integrada (envolvendo meios,
processos, resultados e atores);
convergência de interesses (interna
e externa); e intervenção intencional e com consequências.
Os seus objetivos eram: valorizar as
aprendizagens e a qualidade da experiência escolar dos alunos; devolver informação de regulação às escolas;
induzir processos de autoavaliação como a
melhor estratégia para garantir a qualidade educativa, consolidar a autonomia
das escolas e responsabilizar os atores; criar níveis elevados de exigência no desempenho global de cada escola;
desempenhar uma das funções de regulação
do funcionamento do sistema educativo; e disponibilizar informação e caraterizar o desempenho do sistema escolar
através de um relatório nacional” (vd IGE, 2002). O modelo, evidenciando os
pontos fortes e fracos da escola, permitia a prestação de contas do seu desempenho,
encorajava a autoavaliação, tinha em conta o contexto social e familiar e contemplava
4 dimensões estratégicas: a avaliação de
resultados; a organização e gestão;
educação, ensino e aprendizagens; e o
clima e ambiente educativos.
***
Foi só depois de toda esta experiência que surgiu a
predita Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro, que aprova o sistema de avaliação
da educação e do ensino não superior, estabelece que o controlo de qualidade se
deve aplicar a todo o sistema educativo com vista à promoção da melhoria,
eficiência e eficácia, da responsabilização e da prestação de contas, da participação
e da exigência, e duma informação qualificada de apoio à tomada de decisão. Nos
termos da lei, a avaliação estrutura-se com base na autoavaliação, a realizar
em cada escola não agrupada ou agrupamento de escolas, e na avaliação externa.
Nestes termos, a IGEC (Inspeção Geral
de Educação e Ciência)
desenvolveu, ainda como IGE, o 1.º ciclo de avaliação externa de escolas, com
equipas integradas por inspetores e professores do Ensino Superior na área das
Ciências da Educação. Esse 1.º ciclo abrangeu os anos letivos de 2006/2007 a
2010/2011. Note-se que se iniciou passados mais de 3 anos sobre a publicação da
lei, que, apesar de ambiciosa, não foi regulamentada. E a IGEC começou com um
projeto-piloto de avaliação de apenas 100 escolas, a que se seguiu um relatório
e a 1.ª intervenção nas demais.
Está agora em decurso o 2.º ciclo de avaliação externa,
iniciado no ano letivo de 2011/2012 e que se supõe terminar no de 2015/2016,
até porque, de momento, há menos unidades orgânicas a avaliar, graças à
constituição de agrupamentos e à agregação de agrupamentos.
A IGEC considera que os processos de avaliação devem
ser orientados por princípios de continuidade e estabilidade, numa atitude de
permanente reflexão acerca da sua eficácia e dos modos de aperfeiçoamento. Assim,
tendo em conta o relatório do 1.º ciclo, afirma procurar apoiar a capacitação
das escolas, as práticas de autoavaliação e a participação da comunidade
educativa e da sociedade local. Persegue, neste sentido, os seguintes
objetivos: promover o progresso das
aprendizagens e dos resultados dos alunos, identificando pontos fortes e áreas
prioritárias para a melhoria do trabalho das escolas; incrementar, a todos os níveis, a responsabilização, validando (e
complementando) as práticas de autoavaliação das escolas;
fomentar a participação na escola da
comunidade educativa e da sociedade local, oferecendo um melhor conhecimento
público do trabalho das escolas; e contribuir
para a regulação da educação, dotando os responsáveis pelas políticas
educativas e pela administração das escolas de informação pertinente (cf IGEC,
2015).
No 1.º ciclo, o
programa operava com base num referencial composto por 5 domínios-chave, um dos
quais se refere justamente à “capacidade de autorregulação e progresso da escola”
que questionava a “autoavaliação da escola”. Os 5 domínios, operacionalizados
em 19 fatores de avaliação, facilitavam a recolha de informação sobre a
estrutura e funcionamento da escola com identificação de pontos fortes e
fracos, constrangimentos e oportunidades de melhoria.
O domínio dos Resultados
operacionalizava-se pelos seguintes fatores: sucesso académico; participação e desenvolvimento cívico; comportamento
e disciplina; e valorização e impacto
das aprendizagens. O da Prestação do serviço educativo operacionalizava-se
pelos seguintes fatores: articulação e
sequencialidade; acompanhamento da prática letiva em sala de aula;
diferenciação e apoios; e abrangência
do currículo e valorização de saberes e da aprendizagem. O da Organização
e gestão escolar operacionalizava-se pelos seguintes fatores: conceção, planeamento e desenvolvimento da
atividade; gestão dos recursos humanos; gestão dos recursos materiais e
financeiros; participação dos pais e outros elementos da comunidade educativa; e
equidade e justiça. O da Liderança
operacionalizava-se pelos seguintes fatores: visão
e estratégia; motivação e empenho; abertura à inovação; e parcerias, protocolos e projetos. E o da Capacidade de autorregulação e
melhoria da escola operacionalizava-se pelos seguintes fatores:
autoavaliação;
e sustentabilidade do progresso.
Em torno destes 19 fatores,
a IGEC formulava mais de uma centena de questões a que os diversos painéis de
entrevistados (representantes dos diversos setores da
escola e da comunidade educativa)
respondiam aquando da vista à escola/agrupamento, depois da sessão pública de
apresentação da escola. Passado um tempo de análise das respostas e da
observação in loco, bem como o do
cotejamento dos documentos previamente fornecidos pelo órgão de administração e
gestão, era elaborado o conveniente relatório, suscetível de contraditório, que
atribuía uma menção por domínio – de insuficiente,
suficiente, bom e muito bom.
O relatório (e,
se fosse o caso, também o contraditório)
era publicado na página web da IGEC
e, com base nos pontos fortes e pontos fracos (da
escola/agrupamento)
e nas oportunidades e constrangimentos (da envolvente), a unidade orgânica elaborava o
seu plano de melhoria, que era um dos elementos a ter em conta no processo de
autoavaliação.
***
O 2.º ciclo de avaliação externa,
atualmente em marcha, mantém basicamente os mesmos objetivos. Porém, reduz para
3 os domínios
da avaliação – Resultados, Prestação do serviço educativo e Liderança e gestão – abrangendo um total de 9 campos de análise. Os
campos de análise são explicitados por um conjunto de referentes, que
constituem elementos de harmonização das matérias a analisar pelas equipas de
avaliação. Em cada domínio, é atribuída uma menção – de insuficiente, suficiente,
bom, muito bom e excelente (a
última é nova).
Também se mantém a
metodologia: análise dos documentos e informações previamente remetidos pelo órgão
de administração gestão, visita ao agrupamento (ou escola) – de tempo variável consoante a
natureza e a dimensão do agrupamento/escola –, sessão de apresentação da
unidade orgânica, entrevistas aos painéis de representantes dos diversos órgãos
e setores da escola/agrupamento e da comunidade educativa, relatório (suscetível
de contraditório), publicação
e plano de melhoria, de acordo com os aspetos a melhorar apontados pela equipa.
Além do referido,
registam-se algumas inovações: a equipa de avaliação externa, antes da visita,
aplica e trata inquéritos de satisfação aos diversos setores da comunidade,
sistematiza os dados recebidos e informa sobre a posição da unidade orgânica
relativa às do mesmo cluster.
Assim, pode organizar-se
o seguinte quadro de referência da avaliação externa (vd
IGEC, 2015):
Domínios
|
Campos de análise
|
Referentes
|
RESULTADOS
|
Resultados
académicos
|
Evolução
dos resultados internos contextualizados; evolução dos resultados externos
contextualizados; qualidade do sucesso; abandono e desistência.
|
Resultados
sociais
|
Participação
na vida da escola e assunção de responsabilidades; cumprimento das regras e
disciplina; formas de solidariedade; impacto da escolaridade no percurso dos
alunos.
|
|
Reconhecimento
da comunidade
|
Grau
de satisfação da comunidade educativa; formas de valorização dos sucessos dos
alunos; contributo da escola para o desenvolvimento da comunidade envolvente.
|
|
PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO EDUCATIVO
|
Planeamento e articulação
|
Gestão
articulada do currículo; contextualização do currículo e abertura ao meio; utilização
da informação sobre o percurso escolar dos alunos; coerência entre ensino e
avaliação; trabalho cooperativo entre docentes.
|
Práticas de
ensino
|
Adequação
das atividades educativas e do ensino às capacidades e aos ritmos de aprendizagem
das crianças e dos alunos; adequação das respostas educativas às crianças e
aos alunos com necessidades educativas especiais; exigência e incentivo à
melhoria de desempenhos; metodologias ativas e experimentais no ensino e nas
aprendizagens; valorização da dimensão artística; rendibilização dos recursos
educativos e do tempo dedicado às aprendizagens; acompanhamento e supervisão
da prática letiva.
|
|
Monitorização e
avaliação do ensino e das aprendizagens
|
Diversificação
das formas de avaliação; aferição dos critérios e dos instrumentos de
avaliação; monitorização interna do desenvolvimento do currículo; eficácia
das medidas de promoção do sucesso escolar; prevenção da desistência e do
abandono.
|
|
LIDERANÇA
E GESTÃO
|
Liderança
|
Visão
estratégica e fomento do sentido de pertença e de identificação com a escola;
valorização das lideranças intermédias; desenvolvimento de projetos,
parcerias e soluções inovadoras; motivação das pessoas e gestão de conflitos;
mobilização dos recursos da comunidade educativa.
|
Gestão
|
Critérios
e práticas de organização e afetação dos recursos; critérios de constituição
dos grupos e das turmas, de elaboração de horários e de distribuição de
serviço; avaliação do desempenho e gestão das competências dos trabalhadores;
promoção do desenvolvimento profissional; eficácia dos circuitos de
informação e comunicação interna e externa.
|
|
Autoavaliação e
melhoria Gestão
|
Coerência entre
a autoavaliação e a ação para a melhoria; utilização dos resultados da
avaliação externa na elaboração dos planos de melhoria; envolvimento e
participação da comunidade educativa na autoavaliação; continuidade e abrangência
da autoavaliação; impacto da autoavaliação no planeamento, na organização e
nas práticas profissionais.
|
***
Ora,
se a avaliação serve para o autoconhecimento, a autorregulação e a melhoria,
porque é que a escola não está melhor, até estará pouco respirável? Será porque
a avaliação externa é ensaiada pelos diversos atores, não se dirige eficazmente
aos setores-chave, fica à porta da sala de aula e não é complementada
eficazmente com ações de auditoria e apoio? Será porque não há prática de supervisão
interna e autoavaliação? Será porque o relatório agora só é publicado no fim do
ano letivo (não tem efeito)
por carecer de visto do inspetor-geral e homologação do secretário de Estado? Pesa
mais a burocracia e a governamentalização! Assim não vamos lá…
2015.10.17 –
Louro de Carvalho
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