quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Sobre as razões de uma não candidatura presidencial

Não, não vou apresentar as razões por que não me candidato à Presidência da República: primeiro, porque não sou obrigado a ser candidato a nada; segundo, porque não se apresentam motivos para um não acontecimento. Foi esta a principal conclusão a que cheguei a partir da leitura que fiz do artigo de opinião de um até hoje putativo candidato ao distinto cargo de Presidente da República, publicado no JN desta manhã.
Nenhuma das razões apresentadas pelo autoprotagonista da referida peça jornalística é convincente e até entram em contradição ou com a Constituição ou com a realidade política atual ou umas com as outras.
A grande razão que o ex-futuro candidato pode aduzir é a falta de vontade própria para o efeito ou, em alternativa, o receio de perder. No entanto, deveria lembrar-se de que a sorte protege os audazes e de que, no caso próprio, ganhou a presidência da segunda câmara municipal do país contra o que rezavam as sondagens prévias.
Não posso concordar com a declaração proferida quase no final da sua intervenção escrita e que serve de subtítulo da manchete do JN de hoje, dia 15 de outubro:
Num país profundamente centralizado como Portugal, lançar uma candidatura presidencial vencedora e nacionalmente reconhecida a partir de uma cidade que não a capital do país, é uma tarefa muito próxima do impossível.

A isto há que responder que o Professor Cavaco Silva anunciou uma das suas candidaturas presidenciais a partir de Sernancelhe, terra perdida no país profundo, embora bem acarinhada por quantos por lá passam e a única capitalidade de que goza é a da castanha, e onde o Professor ainda Presidente não tem raízes familiares. Também o seu companheiro de partido lançou a sua candidatura presidencial lá do alto de Celorico de Basto, terra de uma das avós e onde o ilustre académico foi presidente da Assembleia Municipal. E o não candidato tornou-se conhecido, notório, criticado e elogiado exatamente em relação à cidade e município do Porto!
Depois, gostaria de perguntar qual foi efetivamente a força política que fez perigar o projeto de regionalização do país. Não foi o PSD, cujo presidente era o ora candidato presidencial de Celorico e cujo secretário-geral era o atual não candidato, que forçou o referendo, com a consequente campanha pelo “não”?
Ademais, o Porto era até há relativamente pouco tempo a referência comercial e industrial do país, a antonomásia da ambição, do trabalho e da organização. Ora, eu não creio que a nortenha descapitalização empresarial, organizativa e laboral, que sói apontar-se, tenha ocorrido por provocação ou permissão do autarca-mor portuense em funções desde os fins de 2013, em sucessão de quem geriu os destinos da cidade e concelho durante 12 anos consecutivos.
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As razões apresentadas para a não candidatura parecem esquecer a natureza das eleições e a índole das funções presidenciais. O exercício de agregar a candidatura presidencial às eleições legislativas ou aos seus resultados, bem como desagregá-la dessa problemática faz passar a ideia de que umas eleições dependem das outras assim como os órgãos que delas resultam.
Ora às eleições presidenciais candidatam-se cidadãos eleitores propostos pelos partidos políticos na qualidade de militantes e, em alguns casos, na qualidade de independentes, mas sempre propostos por partidos (cf CRP, art.º 150.º e art.º 151.º/1). Trata-se de candidaturas partidárias.
Porém, à Presidência da República candidatam-se “cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35 anos” (vd CRP, art.º 122.º) e cada candidatura é proposta “por um mínimo de 7500 e um máximo de15 000 cidadãos eleitores” (vd CRP, art.º 124.º/1). É uma candidatura pessoal e de cidadania, aliás como afirmou Maria de Belém na apresentação da sua alegada perturbadora candidatura ao palácio das promulgações e dos vetos.
Tanto assim é que a Constituição estabelece para as eleições presidenciais que, “em caso de morte de qualquer candidato ou de qualquer outro facto que o incapacite para o exercício da função presidencial, será reaberto o processo eleitoral, nos termos a definir por lei” (vd CRP, art.º 124.º/3) – o que não estabelece para outras eleições, em que o candidato eventualmente falecido, impedido ou desistente é substituído nos termos da lei.
Quanto à natureza dos órgãos de soberania em causa, enquanto à Assembleia da República cabem largas competências de caráter político e legislativo, competências de fiscalização e competências relativas a outros órgãos (Presidente da República, Governo, etc.), ao Presidente da República incumbe representar a República Portuguesa, garantir a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e exercer, por inerência, o cargo de Comandante Supremo das Forças Armadas (vd CRP, art.os 161.º, 162.º e 163.º; art.º 120.º).
Assim, extrapola as funções presidenciais acreditar “que tinha condições para contribuir decisivamente para um alargado conjunto de reformas”, que considera “fundamentais para o futuro do país” e que tem vindo a defender.
Por outro lado, para provocar “reformas que visem revitalizar o sistema político para que o cidadão nele se volte a rever, que procurem devolver a credibilidade ao nosso desacreditado sistema de justiça, que pugnem por uma Comunicação Social livre, mas responsável, ou que influenciem as relações de poder no sentido de uma real democratização da vida nacional”, as ações mais adequadas seriam, por exemplo: arvorar-se em cabeça de lista por um círculo eleitoral, proposto por um partido; negociar um lugar de ministro da Justiça; ou mesmo candidatar-se à liderança do seu partido.
Assim, fazer depender a candidatura presidencial do “resultado das recentes eleições legislativas” revela alguma confusão, receio ou ambição não encaixável nos desígnios presidenciais.
Não cabe ao Presidente da República nem dirigir um quadro parlamentar instável nem remar contra ele, muito menos “impulsionar a Assembleia da República a debater, por exemplo, uma revisão constitucional”, mesmo que a estabilidade fosse de tal monta que, por si só, facilitasse “o entendimento em matérias bem mais fáceis de o conseguir”.
Devo esclarecer que, ao escrever há dias que as sugestões de emenda constitucional sugeridas por Cavaco Silva na abertura do ano judicial deveriam ser tidas em conta, não quis dizer que ele tivesse legitimidade para o fazer – antes pelo contrário –, mas que elas teriam de valer, sim, independentemente da personalidade que as formule ou do tempo e lugar em que o faça.
É certo que o cidadão desistente é livre de afirmar que “o resultado eleitoral de outubro ditou um quadro parlamentar instável, em que não só a sua futura sobrevivência, como até, a própria formação do Governo, é motivo de justificada preocupação do país”. Todavia, não é plausível que daí tire conclusões sobre a facilidade ou dificuldade ou sobre a legitimidade para o exercício da função presidencial. Nem fica, por esse facto, diminuída nem aumentada “a margem de manobra para um Presidente da República conseguir, através da sua magistratura de influência, unir os partidos e a sociedade em torno de reformas estruturais”.
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Ora, se o próprio ex-autarca e muitos outros consideravam que ele tinha “vantagens comparadas sobre os demais candidatos”, naquilo que considera “mais relevante para o próximo mandato presidencial, ou seja, assumir efetivamente um projeto de renovação e modernização do regime”, deveria ter ousado avançar com a sua candidatura e tratar de criar todas as condições para ela vencer ou, pelo menos, para dispor de um púlpito público para a difusão das suas ideias. Nunca deveria largar para outrem a superior gestão da coisa pública, ou seja, “para outros portugueses”, provavelmente “com aptidões mais adequadas” do que as suas “para o exercício da função, em registo ou registos diferentes” do seu, no “enquadramento que as circunstâncias políticas nos ditaram”. Há aqui uma certa contradição na definição de competências, julgando-se competente para a função, mas menos competente que outros para ela aqui e agora.
Ou não será, antes, que o ex-autarca tem receio de não ser capaz de exercer o cargo nestas condições? A questão levanta-se-me partir do que leio:
Sendo o novo quadro parlamentar um elemento potenciador de instabilidade política, é, para mim, evidente que o Palácio de Belém terá de ser, mais do que nunca, um sólido referencial de estabilidade. Se assim não for, se a Presidência for, também ela própria, um foco de perturbação e de permanente agitação, então poderemos estar a colocar seriamente em causa o futuro próximo de Portugal.

Não. O ora ex-futuro candidato passa a bola para outrem, a quem não deixa de apontar, apesar de tudo, como fator de instabilidade. Por outro lado, a candidatura até era aconselhável dado o seu “perfil pessoal” e o seu “percurso de vida”; ela “poderia ser a que melhores condições tinha de, no quadro do espaço ideológico moderado, conseguir garantir a indispensável estabilidade e sobriedade na política nacional”. Porém, esta mesma “convicção não é partilhada pelos que, em primeira linha, também têm de fazer esta mesma avaliação”. Com efeito, “ao decidirem dar liberdade de voto nas próximas eleições presidenciais, as direções dos dois partidos que compõem a coligação vencedora das últimas legislativas não partilham desta minha opinião”.
Esclareça-se que os partidos não têm que dar ou não liberdade de voto (o voto é secreto, não há disciplina de voto, quanto ele é secreto); e o que deram foi a liberdade de apoio público, o que, sendo discutível, é perfeitamente legítimo. E cada um tirará as consequências que entender da liberdade reconhecida e exercida!
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Há, no entanto duas coisas que o atual não candidato faz de bem: agradecer aos que apostavam na sua candidatura e por ela se interessaram; e não querer constituir-se em foco de divisão ou perturbação partidária. Nisto, talvez o principal partido da oposição deva pôr o solhos.

2015.10.15 – Louro de Carvalho

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