O
Expresso do dia 25 de outubro insere
um artigo de Rui Gustavo sob o título interrogativo “Quando a Justiça condena políticos, isso é perseguição?”
O articulista cita, como é óbvio, os casos de
Armando Vara e José Penedos, do caso mediático “face oculta”, que foram
condenados a pena de prisão efetiva, e Maria de Lurdes Rodrigues, que foi
condenada a pena de prisão, mas com o cumprimento de pena suspenso (e só não será presa se devolver
30 mil euros ao Estado), pelo crime de
prevaricação, ou seja, por ter entregue mais de 200 mil euros ao advogado
João Pedroso para fazer um estudo que, segundo o tribunal, era inútil.
Armando
Vara (ex-secretário de Estado e ex-Ministro), José Penedos (ex-secretário de Estado)
e Maria de Lurdes Rodrigues (ex-Ministra) apresentam a situação comum de terem
sido ministros de governos da mesma área política, o PS. E esta última é
condenada por atos praticados no estrito exercício das suas funções
governativas e não por atos extra governamentais, embora eventualmente
valendo-se do cargo.
É
óbvio que os arguidos vão interpor recurso para os tribunais superiores, pelo
que as preditas decisões judiciais ainda não transitaram em julgado, devendo,
por isso, aguardarem-se as decisões definitivas.
Rui Gustavo tem razão ao questionar se estes
políticos são ou não objeto de perseguição como se pode perguntar se
efetivamente eles estão a ser discriminados ou se haverá uma má vontade da
Justiça contra a Política.
É certo que Leonor Beleza, quando Ministra da Saúde,
esteve quase à beira da barra do tribunal por causa do caso dos hemofílicos,
mas, embora, não tenha chegado a ser julgada, não evitou o labéu que a
Comunicação Social contra ela ostentou aos quatro ventos; e Costa Freire,
Secretário de Estado da Saúde, foi condenado a pena de prisão efetiva, por
burla ao Estado. O caso deste acabou por prescrever, graças aos sucessivos
recursos até ao Supremo Tribunal de Justiça e ao Tribunal Constitucional.
Alguns detentores de cargos políticos de nível menos
elevado – presidentes de câmara municipal e de junta de freguesia – lá se viram
também condenados ou, pelo menos, presos preventivamente por atos cometidos no
exercício das suas funções (recordo os casos de Castro Daire, Nazaré –
condenação efetiva – e Guarda). Nesta perspetiva, não sei é mesmo verdade dizer-se
que “nunca houve tantos políticos condenados em tribunal”.
Por trás disto estarão somente os atos praticados? Alguns
dos envolvidos – diz Rui Gustavo – queixam-se de estarem a ser discriminados.
Armando Vara, do seu ângulo de vista, desabafou dizendo “estar em choque” e com
a sensação de que “a
sentença não é sobre as acusações, não é sobre o que estava em causa”, mas
antes “tem muito que ver com a minha circunstância”. E o seu advogado Tiago Bastos Rodrigues opina que “o
tribunal, ao invés de ter julgado as condutas dos arguidos, está a julgar as
personalidades dos arguidos, o que entende ser o seu perfil”.
Pode
não ser essa a intenção dos tribunais. Mas os sintomas de discriminação parecem
existir. Muitas falhas são apontadas na governação da República e das
autarquias. Pelo que transvaza para a comunicação Social, muitos atos
configuram abuso de poder, discricionariedade grave, negligência grosseira,
atropelo de regras, etc. Uns poucos vão a tribunal, um número diminuto sofre
condenação no âmbito administrativo, no âmbito civil e pouquíssimos no âmbito
criminal. Que é dos outros? Falta a eficácia das inspeções, do Ministério
Público, dos tribunais? São atropelados os formalismos judiciários? Será que
alguns são objeto de “discriminação” positiva ou os seus atos serão descriminalizados
ou objeto de “descriminação”?
Conta-se
que Luís Filipe Menezes, ao debater-se com a Justiça no caso das viagens
fantasmas de deputados, questionava a ausência dos outros, quando se tratava de
prática comum (o deputado requisitava títulos de autorização de viagem por
avião de classe executiva e viajava em classe turística: dava para mais viagens
ou para levar acompanhante). Pergunta similar terá feito Oliveira e Costa
quando se via só enquanto arguido no caso BPN.
Os
arguidos da autarquia lisbonense foram todos absolvidos no caso da permuta de
terrenos Feira Popular-Parque Mayer.
Que
não se queira fazer discriminação, acredito; que ela existe, existe. Só Maria
de Lurdes é que merece condenação? David Justino ocasionou o maior caos de
colocação de professores no período dos governos constitucionais. Nem foi condenado,
nem pediu desculpas públicas. Nuno Crato impôs uma fórmula matemática errada
num setor da colocação dos professores e Paula Teixeira da Cruz criou a
derrocada da reforma judiciária. Pediram desculpas públicas – atitude dita
inédita e histórica. Paula, suplementarmente, participou à PGR por suspeita de
crime de sabotagem no caso do CITIUS.
O
Diretor-Geral da Administração Escolar deixou o cargo na sequência do pedido de
desculpas apresentado pelo Ministro da Educação e Ciência, que sublinhou o erro
dos serviços do MEC, que não dos diretores das escolas. Sucedeu-lhe no cargo a
mestre Maria Luísa Gaspar
do Pranto.
Se
as situações não fossem sérias, seria caso para concluir: sobre os erros dos
políticos o pranto, a desculpa, a discriminação e, eventualmente, uma
condenaçãozinha (a justiça pequena)!
É
certo que há vários tipos de condenação – a civil, a administrativa, a criminal
e a política – consoante o tipo de erros. Alguns nem a condenação política
sofrem. A confiança do Chefe mantém-se e muitos conseguem a reeleição, a
condecoração ou um lugar melhor.
***
Passo
ao lado da situação de Duarte Lima, que está a braços com a justiça por motivos
que só remotamente terão a ver com a política, por ter sido há bastantes anos
líder do seu grupo parlamentar, mas o certo é que efetivamente eles decorrem
mais do prestígio que deriva da sua prestação na advocacia.
Não
devo, porém, deixar de colocar a hipótese da perseguição.
O advogado de José Penedos refuta
a tese da perseguição. Não quer mesmo crer numa perseguição judicial aos
políticos:
“Isso seria equivalente
ao último garante da igualdade tratar uns como cidadãos de segunda e ir atrás
do populismo que tem ganho campo na sociedade e nalguns meios de comunicação
social. Passaríamos da alegada impunidade ao seu oposto, ou seja, uma presunção
de culpabilidade ou de especial exigência à partida, já para não falar em
tentações de punir os políticos por outras coisas que não as que estão em causa
nos processos.” (vd Expresso, pg 21).
Já
a ex-ministra da Educação, que vai recorrer da sentença, garante que foi
“condenada sem provas”. Mais: confessa que, durante o julgamento, sentiu
“preconceito contra os políticos”. E aduz um caso concreto que relata ao Expresso: “Depois de ter pedido para
falar e de ter prestado declarações, ouvi o procurador a dizer, num aparte, que
não havia pureza na política”.
Já
nos esquecemos do caso de Paulo Pedroso, do PS, que foi objeto da
justiça-espetáculo. O Juiz de instrução criminal foi pessoalmente à AR
solicitar o levantamento da imunidade parlamentar daquele deputado, que sofreu
a prisão preventiva como medida de coação. Depois, o PS festejou mediaticamente
o regresso do deputado ao plenário da AR. Porém, apesar de profissionalmente
bem colocado, ele confessou, há tempos, que a praça pública o julgou e
condenou. Por isso, para não atrapalhar o percurso do seu partido, ter-se-á
retirado de cena, embora tenha feito uma última tentativa quando se candidatou,
sem êxito, à presidência de uma autarquia. E Ferro Rodrigues, também do PS,
defendeu a tese da “cabala”, ao ser interceptado, embora sem sucesso judiciário,
nas malhas do processo “Casa Pia”, processo de que, aliás, resultou um número
residual de condenados e num contexto de contradições, em que a justiça se terá
feito mais em nome das vítimas que em nome do direito.
Em
termos factuais, se excetuarmos o tempo do consulado governativo de Cavaco
Silva, os poucos políticos condenados por atos ligados à ação política
pertencem a um determinado quadrante político.
Não
creio que a mudança resida apenas no facto de antigamente os crimes
prescreverem com o tempo passado nos sucessivos recursos, quando atualmente os
prazos de prescrição ficam suspensos na pendência de recurso para os tribunais
superiores.
Alguns dos próprios operadores da
justiça vão dizendo eufemisticamente: “Talvez
seja o subconsciente dos juízes que se manifesta quando têm à frente um
político ou um empresário acusado de fuga ao fisco. É outro efeito da crise”,
infere Germano Marques da Silva (vd artigo citado).
“Dantes, os tribunais não condenavam os
políticos e dizia-se que os defendiam. Agora que os condenam, já se diz que os perseguem”,
raciocina Sá Fernandes (id et ib).
Será
de acolher a sugestão da ex-governante na área da educação, em termos da
necessidade de um debate público sobre esta matéria, não venha acontecer que
uma pessoa seja condenada só por ter exercido um cargo público? Haverá mesmo um
movimento da Justiça contra a Política? Ou vamos aceitando que sobre os erros
dos políticos nos reste a resignação circunscrita ao pranto e ao pedido de
desculpas?
A
política e a justiça só lucrariam com a clarificação, já que muitas vezes “o
que parece é”.
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