sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Olhar a política pelo lado do milagre rápido

Não plagiarei O Diabo do passado dia 21 se recordar que ao ver em Fátima, a 13 de maio de 1967, a Irmã Lúcia, o chefe de segurança temeu pela sorte da vidente, alegadamente porque a enorme multidão poderia tentar-se a cercá-la, ainda que por bem. E a polícia não tinha previsto qualquer medida respeitante à segurança da antiga pastorinha.
Consultado o então bispo de Leiria a pronunciar-se sobre se Lúcia não correria perigo, terá respondido Sua Excelência Reverendíssima que Nossa Senhora cuidaria dela. Então Sua Eternidade o Presidente o Conselho Doutor Oliveira Salazar argumentou que sim, mas que não sabia se Nossa Senhora estaria disposta a fazer o que nós devíamos fazer.
Vale este facto anedótico-político para assegurar que em Política não deve esperar-se por milagres. Devem abrir-se os olhos e os ouvidos, pôr a cabeça a pensar, fazer trabalhar a imaginação, planear a ação, lançar mão dos recursos, avaliar as situações e o impacto das medidas tomadas e a tomar e preparar por antecipação a resposta a eventos imprevistos e aos grandes desafios que a complexidade da marcha da civilização coloca a quem governa porque os coloca primeiro a quem trabalha e sofre.
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A maioria PSD/CDS aceita efetivamente debater a dívida portuguesa, mas quer que o debate seja rápido. Trata-se da discussão da petição “Preparar a reestruturação da dívida para crescer sustentadamente, cujo primeiro peticionário é o antigo Provedor de Justiça, Alfredo José de Sousa, e que deriva do Manifesto dos 74.
A próxima conferência de líderes parlamentares vai discutir o agendamento e os termos da discussão. O debate terá de ser rápido, decorrer depois da discussão do orçamento e cada partido deve dizer com clareza o que pensa sobre o tema – exigem os partidos da maioria. Mas o PS também não escapou às muitas críticas da direita à esquerda, já que é considerado corresponsável pelo nível atingido pela dívida
O milagre da parte do PS resulta do facto de querer a discussão da dívida não explanando o que os seus deputados devem dizer, porque não sabem, não podem ou não querem. É verdade que o PS ganhou a cartada – leva a dívida ao debate parlamentar – mas mete-se em copas, já que o próprio líder parlamentar, que assinou a petição, tal como João Galamba, diz que “é preciso reestruturar a dívida, porque o país não tem capacidade para a pagar na totalidade, mas enquanto deputados ficam-se pelo pedido de discussão” (vd Público, de 23 de outubro), o que é bem pouco. Já do lado da maioria, o milagre provirá da discussão rápida, mas todos dizendo o que pensam da dívida.
Ora, num debate deste jaez, é necessário debelar e erradicar as causas que levaram à contração da dívida, ou seu aumento, e o volume dos encargos que o serviço da dívida comporta. Depois ou em simultâneo, é preciso estudar e clarificar soluções alternativas e viáveis. E isso requer tempo, embora não o tempo que ela levou a contrair e a engordar, bem como o tempo que demorará a pagar.
Porém, o milagre político com resultados antiausteritários, de crescimento económico e de realização social tornou-se, nestes dias, em desígnio europeu, deixando assim de ser uma prerrogativa exclusivamente portuguesa.
Jean-Claude Juncker, ao ver aprovada, no Parlamento Europeu, a Comissão a que preside, prometeu o fim da dicotomia austeridade-investimento e acenou com um “triplo A social”. Porém, ficou-se nos termos vagos quanto ao pacote de investimento de 300 mil milhões de euros que o executivo comunitário se comprometeu a apresentar até ao Natal.
Referindo-se à equipa que lidera, disse, segundo o Público, que “é muito mais do que um bando de tecnocratas” – é uma comissão política, como Juncker disse que queria, com “quatro antigos primeiros-ministros, 19 antigos ministros, vários antigos ministros das Finanças, vários antigos comissários e oito comissários cessantes”. Ora tudo depende do que eles valeram no exercício dos seus cargos anteriores!
Uma das vertentes do milagre consiste na pentagonia do círculo das mudanças: uma comissão mais política; uma comissão mais eficaz; uma política de crescimento; uma política de flexibilidade no pacto de estabilidade; e um plano de luta contra o desemprego. Eu preferiria um plano de luta pela promoção do emprego e/ou do trabalho. Mesmo assim, é muita coisa para o próximo lustro!
Mas o novel sucessor de Barroso (que se autoparabenizou com a sua folha de serviços – grande Português! – que deixa a Europa preparada para todo o tipo de crises) tem outra ambição, a de ungir a minhoca com a laca, como fizeram os miúdos da anedota: uma comissão que funcione com “uma nova arquitetura” (sem mexer na estrutura, como pretendia o mais novel ex-secretário de Estado português), de comissários e vice-presidentes, que pela primeira vez articulam pastas de diversos comissários. Mas afirma a garantia da igualdade, pois, não vão ser os chefes (Que estranho! Mas supervisionam e controlam). Ora de duas, uma: ou são supervisores só de nome ou são iguais só de adjetivo! Ou uma terceira hipótese: Será que, ao manifestar a vontade de querer “acabar com o funcionamento de 28 comissários a trabalhar, sozinhos, cada um na sua quinta, de modo provinciano”, queria dizer que supervisionar é trabalhar ao lado de alguém? Que é que o “rapaz” europeu tem contra as quintas ou contra as províncias?!. Isto faz-me lembrar os casos em que chefe novo, homem ou mulher, quando, ao chegar a um serviço, lhe dão tratamento de chefe, emenda: “Não, não! Simples colega, simples colega!”. Passados curtos dias, é ver o seu máximo esplendor de “sempre chefe”: “O(a) diretor(a) sou eu; e pronto!
Conheço o caso de um senhor coronel capelão, Chefe do Serviço da Assistência Religiosa das Forças Armadas (CSARFA), numa sessão em que os capelães mais novos discutiam determinadas soluções de organização da Cúria Castrense e, não gostando do que ouvia, rematou: os senhores, como cidadãos, votam, como militares, obedecem e, como sacerdotes, colaboram. A partir daí, um alferes capelão nunca mais lhe apareceu a não ser devidamente uniformizado, nunca mais lhe estendeu a mão. Porém, dirigia-se-lhe pedindo licença, fazendo a respetiva continência, apresentava-se, dizia ao que ia e pedia licença para se retirar fazendo novamente a respetiva continência. Tratava-o por “Meu Coronel” e nunca mais por “senhor padre”, “senhor vigário geral” ou “colega mais antigo”. Quanto à obediência a sério, tinha mais a quem obedecer; quanto à colaboração, tinha as suas formas de colaborar; e, quanto a voto, lá haviam de vir as eleições.
Resta esclarecer que aquele “triplo A social” do agora Senhor Europa tem a ver com a política social. Juncker disse querer um “triplo A”, “a avaliação positiva das agências de rating em relação às dívidas dos países (classificação que, neste momento, só a Alemanha e o Luxemburgo mantêm entre os países da UE), também para o social, e eleger como prioridade o crescimento”. Mas eu não sei se as agências de rating se preocupam tanto com o social ou se o social se vai mercantilizar. Temos de esperar, mas criticamente!
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 É certo que os portugueses sempre foram providencialistas. Desde o tempo de Dom João III sempre estiveram à espera do Desejado. Foi Sidónio Pais, foi Salazar, foi Sá Carneiro, foi Aníbal, foi Sócrates. E agora é Costa.
Tivemos e temos ilustres portugueses em meio mundo. Nem tivemos mais santos (e Saraiva Martins esteve na Congregação respetiva); nem tivemos mais desafogo (e Guterres está entre os refugiados); nem tivemos melhor lugar na Europa (e tivemos lá Barroso); nem temos maior respeito pelos direitos humanos (e tivemos Freitas do Amaral a presidente da Assembleia Geral da ONU); nem temos FMI mais amigo de Portugal (e tivemos lá Borges e temos lá Gaspar).
Mas temos agora lugar no Conselho dos Direitos Humanos da ONU, os peregrinos da Penha tiveram indulgência plenária da parte do cardeal Monteiro de Castro, quando era Presidente do Tribunal da Penitenciaria Romana.
E não esqueçamos que nós podemos não beneficiar, mas podem outros. Lembro-me de Maria de Lourdes Pintasilgo, paladina dos direitos humanos, da condição da mulher e da intervenção social e política de um cristianismo ativo: os portugueses não a apreciaram o suficiente, outros a acolheram e a ouviram.
Não basta esperarmos por Dom Sebastião. Importa fazer por nós e pela coletividade tudo o que está ao nosso alcance, a olhar em frente e com os pés na terra, rezando e trabalhando, pensando e fazendo, falando e ouvindo.

Efetivamente, Nossa Senhora bem pode guardar-nos, mas pode não estar disposta a fazer aquilo que nos cabe fazer a nós. A fraqueza humana e a insuficiência são colmatadas pelo Alto; a preguiça, não!

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