segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Novidades da III assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos

Como é que uma assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos, um órgão de simples consulta do Sumo Pontífice, criou tantas expectativas?
A resposta à questão tem a ver com pelo menos três ordens de razões: a magnitude do tema e os desafios que se levantam hodiernamente; o carisma de que é portador este Papa e como tal reconhecido por todos; e a metodologia adotada e assumida.
Quanto à magnitude do tema, a novidade não seria considerável se o mundo não se encontrasse perante uma problemática de família altamente controversa, mas cuja realidade existencial tem de ser encarada sem eufemismos nem catastrofismos. Desde a plurivocidade da noção, da plurissignificação e da concretização do conceito de família até aos inúmeros desafios que se lhe vêm levantando, muito há que refletir, doutrinar, rezar, reperspetivar e acompanhar.
A família biparental, constituída à face da Igreja e mantida estavelmente sob a sua égide, tornada igreja doméstica, escola de vida e virtudes e testemunho da entrega de Cristo pela Sua Igreja, é cada vez mais um tesouro precioso, mas nada fácil de encontrar. As contrafações da família resultam de vários fatores: a negligente preparação para o matrimónio, tantas vezes celebrado sem a noção das responsabilidades, por conveniência, impulso primário ou fenómeno circunstancial; a falta de proteção da sociedade à instituição matrimonial e de apreço pela mesma; a perceção de uma rigidez doutrinal e pragmática por parte da Igreja Católica sobre a vida matrimonial e da dificuldade em resolver os casos de presumível nulidade dos matrimónios; o mercantilismo agregado ao matrimónio e à geração e manutenção da prole; o medo do compromisso; a tentação supina do experimentalismo da vida a dois; a escalada da violência doméstica e paradoméstica; a facilidade com que a sociedade e o ordenamento jurídico dos povos facultam a partida de um matrimónio para outro, o casamento de pessoas do mesmo sexo ou a união de facto (hétero e monossexual); os casos de adoção de crianças nem sempre pelo superior interesse das mesmas; a proliferação de famílias desestruturaras e monoparentais.
É por tudo isto que o propósito de a Santa Sé provocar o aninhamento de uma assembleia sinodal para “debater os desafios pastorais da família, no quadro da evangelização e analisar a doutrina da Igreja Católica no contexto atual” criou fundadas expectativas. Tal é a crise, tais são os problemas, como tantos e tais são os germes de bem que a família, mesmo desfigurada e cheia de problemas, pode oferecer à sociedade e à humanidade, como a temática da família pode ser campo privilegiado da ação pastoral da Igreja para a promoção dos valores familiares de amor, vida, serviço, doação, solidariedade.
Terão resposta de sucesso todas estas expectativas? É o que veremos provavelmente só em 2016, segundo os prognósticos, o que me parece tempo demasiado. Mas também se me afigura terem-se colocado demasiadas esperanças nalgumas modalidades de solução. Não creio que o Sínodo aconselhe o Papa a distribuir algumas facilidades que alguns esperam. Refiro-me, por exemplo, ao casamento de pessoas do mesmo sexo, às praticas abortivas ou que de algum modo se mostrem clara e diretamente equivalentes, bem como à concessão de nulidade ou ao menos declaração de nulidade de matrimónios com a mesma simplicidade que os departamentos dos Estados. O que se pede e exige é a atitude de respeito, acompanhamento, tolerância, aceitação das pessoas em situação. Mais: não se vê por que motivo não possa aceitar-se e suscitar-se maior colaboração em atividade doutrinal e eclesial da parte das pessoas e grupos hoje considerados em situação irregular e o seu ganho de fé (sem que se dê lugar a pretensiosismos ou tom reivindicativo), seja pelo lado da exigência doutrinal seja pelo lado do gradualismo. Não é verdade que todos apregoam que “o ótimo é inimigo do bom”? E fácil de obter será o abandono de uma linguagem rotulante com laivos de anatematização, do tipo “pecador público”, “vida em pecado permanente”, “indignidade de aproximação dos sacramentos”, etc. – abandono aliás já em perspetiva na aula sinodal.
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Convocada pelo papa Francisco, a assembleia extraordinária – a primeira em 20 anos – foi apresentada no passado dia 4 de outubro pelo secretário-geral do Sínodo, o cardeal Lorenzo Baldisseri, que explicou que o encontro, que decorre de 5 a 19 de outubro, apostará numa metodologia nova e na mediatização, com o uso das redes sociais, produzindo-se informação diária sobre os temas abordados.
Cá está a novidade metodológica. Além do que para as outras assembleias sinodais se fez, esta foi precedida de um questionário extensivo a quem pretendesse responder; e, só depois de conhecidas as respostas, que algumas conferências episcopais optaram por não publicar, é que foi elaborado o instrumentum laboris. Depois, além dos peritos do sínodo, as congregações gerais (sessões) contam com a presença de 13 casais de diversas partes do mundo; e as sessões começam pela preleção de um ou mais dos 13 casais, que expõem abertamente o seu pensamento e testemunho, e só depois é que os padres sinodais se debruçam sobre as respetivas matérias do instrumentum laboris. Por outro lado, diariamente são fornecidas abundantes informações, não só do secretariado do sínodo, mas de cardeais, bispos, sacerdotes, teólogos, observadores e casais – e por várias formas, incluindo a entrevista e a conferência de imprensa.
O processo já começou antes, como se disse, com o envio de um questionário às dioceses, sacerdotes e leigos, que será agora reanalisado e cujo conteúdo pode ser incorporado num documento comum para a próxima assembleia ordinária do Sínodo, prevista para outubro do próximo ano.
Participam neste encontro, precedido de uma vigília de oração presidida pelo Papa Francisco, 114 presidentes de Conferências Episcopais, incluindo o da Portuguesa, Dom Manuel Clemente, 13 chefes de Igrejas Católicas Orientais, 25 chefes de Dicastérios da Cúria Romana, 9 membros do Conselho Ordinário de Secretaria e o secretário-geral e subsecretário e os 13 casais já referidos – num total de mais de 250 participantes nos debates à porta fechada, a que assistirá o papa Francisco e a quem dirigiu uma saudação especial.
Depois de uma semana de debate será preparado um relatório de síntese que será trabalhado para servir de base ao relatório final.
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Quanto ao perfil e carisma do Papa, é de registar a presença assídua nas sessões, mas sobretudo a ousadia de solicitar que cada um dos intervenientes fale claro, sem receio do que outrem possa pensar. É óbvio que falar claro só por falar não resulta, mas é preciso falar claro ouvindo o Espírito para que Ele conduza o encontro e ouvindo o mundo para que ele nos ouça. Nesse sentido, Baldisseri explicou que haverá liberdade de expressão nos debates que querem olhar para “os desafios globais” procurando sempre pontos de “convergência”, procurando “falar da família, não do divórcio”.
Por isso, não escandalizará ninguém a divergência emergente, de que fala alguma comunicação social, entre o prefeito da Congregação da Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard Müller, contra o teólogo Bruno Forte, arcebispo de Chieti, protagonistas na tarde do passado dia 7 de uma sessão de perguntas e respostas de dureza inusitada.
Se é certo que o Sínodo é uma assembleia consultiva (não deliberativa) dos responsáveis católicos de todo mundo, para apoio ao Sumo Pontífice na sua gestão da Igreja, não é crível que este Papa, que tanto encareceu a essência e o espírito da sinodalidade, enquanto caminhada em comum (nem sempre em caminho aplanado), não siga ao máximo as indicações que, em conclusão, os padres sinodais lhe vierem a fornecer. De resto, o Papa nunca propôs o colapso da doutrina, mas um novo olhar sobre o mundo, um novo estilo de apostolado, uma nova atitude pastoral.

Demais, embora se afigure uma espera longa pela chegada das conclusões em 2016, não se pode passar em silêncio que, em outubro de 2015, haverá outra assembleia sinodal de temática afim, com reiteração da doutrina e perspetivação da ação pastoral. Aguardemos, por isso, sem impaciências!

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