Passou,
a 7 de outubro, a memória litúrgica de Nossa Senhora do Rosário. Esta festividade foi instituída pelo Papa S.
Pio V em comemoração da vitória obtida pelos cristãos na batalha naval de
Lepanto e atribuída ao auxílio da Santa Mãe de Deus, invocada com a oração do
rosário (1571). A celebração daquele dia é um convite a todos os fiéis para que
meditem os mistérios de Cristo, na companhia da Virgem Maria, que foi associada
de modo muito especial à encarnação, à paixão e à ressurreição de Jesus Cristo,
o Filho de Deus.
O termo “rosário” já existia no latim, rosarium, que, por seu turno, derivava de rosa. Em Português, temos também a palavra “rosa”, um tipo de flor (a
rainha das flores) cuja corola pode assumir uma das várias cores e cujo
pedúnculo é habitualmente cravejado de espinhos. Dela derivaram palavras, como rosal (conjunto de rosas), roseira (planta que dá as rosas) e roseiral (plantação de roseiras). E o rosarium, do latim, evoluiu para a
palavra rosário portuguesa.
Rosário
distingue-se de rosal, porque,
enquanto rosal se refere a um
conjunto de rosas e, por alargamento, a roseiras, independentemente da sua boa
ordenação ou não, o rosário refere-se a uma coroa (evolução de corona, “coroa”, ou corolla, “corola”, pequena coroa) ou arranjo de rosas. Tal arranjo
costuma oferecer-se a personalidades a quem pretendemos homenagear por
respeito, estima e amor. E é comum considerar metaforicamente “rosa” a pessoa a
quem homenageamos.
Nestes termos, é comum chamar a Nossa Senhora a “Rosa” por
excelência ou a “Rosa das Rosas”, não esquecendo a sua beleza enquanto “cheia
de graça”, com os espinhos associados à espada de dor que Simeão profetizava
lhe atravessaria a alma (cf
Lc 2,35). Assim, o hino de Laudes
da memória litúrgica referenciada canta os louvores da Virgem nos termos
seguintes: Senhora, Rosa das rosas, / Do
jardim do Rei dos Céus: / Entre as virgens gloriosas / Sois a Virgem, Mãe de
Deus.
Porém,
rosa em termos orantes cedo passou a
designar a oração que mais propriamente se refere aos predicados da Virgem
Maria, segundo o texto evangélico, a Ave-Maria: “Avé, ó Cheia de Graça, o
Senhor está contigo” (cf Lc 1,28). “Bendita, és tu entre as mulheres e bendito é o
fruto do teu ventre” (cf Lc 1,42). E a coroa dessas rosas, estruturada de um determinado
modo, passou à História da Igreja e à prática cristão orante com a designação
de rosário.
***
A recitação
do rosário surge pelo ano 800 sob a égide dos mosteiros, como o “saltério” de
leigos. Como os monges (que, afinal, se não têm ordens, também são leigos) rezavam ou cantavam os 150 salmos bíblicos
(saltério), os leigos, que em sua maioria não sabiam ler, aprenderam a
rezar ou a cantar 150 Pai-nossos, a repetição da oração que Jesus ensinou aos
discípulos (cf Mt 6,9-13). Com o
passar do tempo, se formara outro saltério com 150 Ave-marias, em honra da Mãe
de Jesus. Mais tarde, vem a síntese: grupos de 10 Ave-marias, antecedido cada
um da oração do Pai-nosso e seguido do Glória. É o louvor explícito ao “Pai”
(Pai-nosso), à Mãe e ao Filho (Ave-Maria – o fruto do seu ventre é Jesus) e à
SS.ma Trindade (Pai, Filho e Espírito Santo). Quinze grupos de 10
Ave-marias (louvor a Maria e a Jesus e petição, Santa Maria…), dá as 150. Cada grupo é precedido de um marco, a
oração de louvor ao Pai (com as petições), e seguido do marco trinitário (só
louvor). Com mais umas orações da piedade popular, temos o rosário no sentido
técnico. Cada terça parte deu lugar ao terço
do rosário ou simplesmente terço.
Segundo a
tradição eclesiástica o povo cristão recebeu o rosário com aquela estrutura em
1206 quando a Virgem Maria apareceu a S. Domingos de Gusmão e lho entregou como
arma poderosa para a conversão dos hereges e outros pecadores. Daí se propagou
esta devoção se a todo o mundo, corroborada de inúmeros prodígios.
No ano de
1500, ficou aderente a cada dezena a meditação de um episódio da vida
de Jesus ou de Maria, aproximando-se ainda mais esta prática oracional do
conteúdo neotestamentário.
***
O rosário é,
pois, uma prática religiosa de devoção mariana e cristológica muito
difundida entre os católicos, que o rezam tanto pública quanto individualmente.
Consiste na recitação seriada, como se referiu, de orações com o
auxílio de uma corrente (fechada) com contas ou nós, que recebe o mesmo nome de
rosário ou terço. Os referidos episódios marianos e cristológicos aderentes às
dezenas, porque, segundo a doutrina católica, são de especial relevância para a
história da salvação, recebem a denominação de “mistérios”, recebendo o
conjunto de cada cinco episódios aplicado ao respetivo terço uma designação
específica: os gozosos, os dolorosos e os gloriosos. O rosário era
tradicionalmente dividido em três partes iguais, com cinquenta contas cada e
que, por corresponderem à terça parte, foram chamadas terço.
João Paulo
II, pela carta apostólica Rosarium
Virginis Mariae, de 16 de outubro de 2002, acrescentou uma nova série de
mistérios, os chamados mistérios luminosos. Essa nova série de mistérios
disponíveis para contemplação não alterou o formato de cada terço, mas originou
uma nova distribuição pelos diferentes dias da semana, para quem não tenha
disponibilidade de rezar tudo num só dia. Hoje, o rosário é uma fração
imprópria, ou seja, 4/3 (quatro terços).
Em quase
todas as Suas Aparições, Maria Santíssima exibiu e estimulou a devoção do
Rosário. Basta recordar as aparições de Lourdes em que a Virgem, que se
apresentou como a Imaculada Conceição,
diante de Bernardette desfiava o rosário e rezava com ela o Pai-nosso e o
Glória ao Pai, mas acompanhava em silêncio sem mexer os lábios a recitação da
Ave-Maria. E, em Fátima, além de recomendar insistentemente a oração do terço
todos os dias, intitulou-se de Senhora do Rosário.
***
A meditação de cada mistério radica-se na
Escritura: é opcional a leitura do trecho que narre o que será contemplado, ou
a divisão de um ou mais trechos em dez pedacinhos, de forma que seja lida parte
a parte antes de cada Ave-Maria. Em sua maioria, as leituras são dos
Evangelhos, mas também há trechos do Antigo Testamento que ajudam à
compreensão do mistério, ou comentários doutrinários sobre ele, contidos nos
outros escritos neotestamentários. Os dois últimos mistérios (Assunção e
coroação) não são estritamente do Evangelho, mas profetizados, por exemplo: no
Livro de Judite, a mulher que salva o povo; nos Salmos, com elogios recorrentes a uma figura feminina, presentes
também no Cântico dos Cânticos; e,
sobretudo, no Apocalipse, um grande sinal
que nos céus apresenta uma mulher como Rainha, que a Tradição Apostólica,
desde os primeiros tempos, afirma tratar-se de Maria, protótipo da Igreja.
Os Mistérios
do Rosário vêm, a seguir, enunciados e distribuídos pelos diferentes dias da
semana e com as devidas citações bíblicas:
MISTÉRIOS
DA ALEGRIA ou gozosos (segundas-feiras e sábados): 1.º
Mistério – A Anunciação do Anjo a Nossa Senhora (Lc
1,26-38); 2.º
Mistério – A Visitação de Nossa Senhora a Santa Isabel (Lc
1,39-56); 3.º
Mistério – O Nascimento de Jesus no presépio de Belém (Lc
2,1-20); 4.º
Mistério – A Apresentação do Menino Jesus no Templo (Lc
2,22-40); 5.º
Mistério – O Encontro do Menino Jesus no Templo entre os Doutores (Lc
2,41-52).
MISTÉRIOS DA DOR ou dolorosos (terças-feiras e sextas-feiras): 1.º Mistério – A Oração
e Agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras (Mt 26,36-46); 2.º Mistério – A Flagelação de Nosso Senhor Jesus
Cristo (Mt 27,24-26); 3.º Mistério – A
Coroação de espinhos (Mt
27,27-31); 4.º
Mistério – Jesus a caminho do Calvário e o encontro com Sua Mãe (Lc 23,26-32); 5.º Mistério – A
Crucifixão e Morte de Jesus (Jo 19,17-30).
MISTÉRIOS DA GLÓRIA ou gloriosos (quartas-feiras e domingos): 1.º Mistério – A
Ressurreição de Jesus Cristo (Mt 28,1-10); 2.º
Mistério – A Ascensão de Jesus ao Céu (At 1,6-11); 3.º Mistério – A descida do Espírito
Santo sobre Nossa Senhora e os Apóstolos, reunidos no Cenáculo (At 1,12-14 e 2,1-4); 4.º Mistério – A
Assunção de Nossa Senhora ao Céu em corpo e alma (1Co 15,12-23); 5º Mistério – A
Coroação de Nossa Senhora, como Rainha do Céu e da Terra (Ap 12,1-17).
MISTÉRIOS DA LUZ ou
luminosos
(quintas-feiras): 1.º Mistério – O Baptismo de Jesus no Rio
Jordão (Mt 3,13-17); 2.º Mistério – A
Revelação de Jesus nas Bodas de Caná (Jo 2,1-11); 3.º Mistério – O Anúncio do Reino de Deus, um convite
à conversão (Mt
4,12-23); 4.º
Mistério – A Transfiguração de Jesus no Monte Tabor (Lc 9,28-36); 5.º Mistério – A Última
Ceia de Jesus com os Apóstolos e a Instituição da Eucaristia (Lc 22,14-20).
Em todos os
tempos os Papas aconselharam a devoção do Rosário. Nos últimos três séculos,
foram publicados, entre outros, os seguintes documentos sobre esta devoção: a
carta encíclica Supremi Apostolatus
Officio, de Leão XIII, a 1 de setembro de 1883; a carta encíclica Superiore Anno, de Leão XIII, a 30 de
agosto de 1884; a carta encíclica Magnae
Dei Matris, de Leão XIII, a 8 de setembro de 1892; a carta encíclica Ingruentium Malorum, de Pio XII, a 15 de
setembro de 1951; a carta encíclica Grata
Recordatio, de João XXIII, 16 de setembro de 1959; a carta encíclica Christi Mater, de Paulo VI, a 15 de
setembro de 1966; a exortação apostólica Marialis
Cultus, de Paulo VI, a 2 de fevereiro de 1972; e a carta apostólica Rosarium Virginis Mariae, de João Paulo
II, a 16 de outubro de 2002.
Quanto ao
rosário ou ao terço, convém ainda referir que, além de ser oração bela, poderosa
e de bons frutos, também tem grande eficácia o seu uso ainda que seja
material. João Paulo II
considera-o como um comentário simples e orante ao cap. VIII da Lumen
Gentium (Constituição Dogmática
sobre a Igreja). Todavia, há que advertir que o poder das
contas não se carateriza como amuleto, muito menos como gesto antibíblico: “Deus
realizava milagres extraordinários pelas mãos de Paulo, a tal ponto que pegavam
em lenços e aventais usados por Paulo para colocá-los sobre os
doentes, e estes eram libertados de suas doenças e os espíritos maus eram
afastados” (At 19,11-12). No
rosário, tanto as orações como o terço que se utiliza são ações sacramentais.
Porém, o terço material só passa a sacramental depois de benzido por um
sacerdote. A intenção do terço
não é “adorar” Maria (a não ser no sentido de
“amar”), o que de forma nenhuma a Igreja Católica pratica, mas glorificar a
Deus através da mais excelsa das criaturas, prestando a Ela um culto de hiperdulia (veneração especial), reservando para Deus o culto de latria (adoração).
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