Se
falasse apenas de orçamento, poderia fixar-me na conversa das moscas. Uma pergunta
a outra se acaso sabe como se faz um orçamento, a qual responde que faz uma
ideia. E, a instâncias da primeira, explica: “fazem-se muitas contas e,
passados uns dias, tem que se fazer outro orçamento, um retificativo, porque as
contas estavam mal feitas”.
Ora,
para concretizar a anedota, o Estado dispõe, em regime de permanência, de um
Ministério das Finanças, pasta sobraçada pelo respetivo ministro, agora a ministra,
de uma Secretaria de Estado do Orçamento e da Direção-Geral do Orçamento (DGO).
E ordinariamente junto ao fim de cada ano económico (e também sempre que for
preciso para efeitos de retificação), tem o Conselho de Ministros e a Assembleia
da República para decidirem a aprovação da lei orçamental e legislação
concomitante (como as Opções do Plano) e/ou subsequente (como a lei de execução
orçamental). É claro que a polícia que delimita os parâmetros da execução por
parte dos diversos serviços públicos é a DGO, cabendo a fiscalização global e
setorial das contas ao, por vezes, contundente Tribunal de Contas.
Como
é óbvio, o Governo tem de apresentar ao Parlamento, que lhes há de conceder a
sua aprovação, o relatório do Plano e o Relatório das Contas. Mas aí, se não
aprovar, apenas ganha a perda de tempo.
Por
mim, também como as moscas, gostava de apresentar a minha definição empírica de
orçamento. E, apoiado na experiência dos últimos anos, que não em grandes
teorias económicas, asseguro que o orçamento é um documento em que se encontra
uma memória descritiva e justificativa das contas que se vão fazer nuns quadros,
juntos em muitos anexos, que indicam em termos previsionais as despesas que o
Estado e muitos à pala deste irão assumir, bem como a previsão de receitas que grosso modo a “fatura da sorte” vai
garantir.
Também
se verifica que algumas matérias atinentes à previsão de receitas e despesas ou
encargos do Estado não entram no orçamento. São tratadas à parte, porque o
Tribunal Constitucional pode vir a chumbá-las (vg: convergência do regime
pensões, manutenção da CES, criação da TS e manutenção dos cortes salariais na
Administração Pública) ou porque o Governo não tem o tempo suficiente para as
discutir a tempo. Nestes termos, o orçamento já não é a previsão de todas as receitas
e de todas as despesas, mas não deixa de ser um catálogo de alterações a quase
todas as leis e decretos-lei. É que as contas são o mais fácil de fazer. “É só
fazer as contas”, como defendia António Guterres (Tenho de citar os autores,
não vá alguém pedir a minha demissão de não sei qual dos cargos!).
Depois,
o orçamento é uma coisa que, por mais que o Tratado Orçamental ou o documento
de estratégia orçamental (DEO) tenham determinado que não pode ser e o Governo
diga que não acontece bem assim, acusa no fim de cada ano económico um défice
avultado. E, para que não seja tão escandaloso, obriga à consecução de receitas
extraordinárias, como a venda de património, privatizações e transferência de fundos
de pensões, e ao elenco de um conjunto de despesas que não contam para o défice
(porque só acontecem uma vez!), segundo a leitura de algumas entidades, como a
troika (mas não se sabe se o Eurostat concorda) e o Governo. Houve, porém, um
Governo que sofreu aumento do défice porque a UE obrigou a fazer a contabilidade
de outra maneira.
Portanto,
um orçamento é um instrumento que pode dar um défice de leituras várias, com
despesas que contam e despesas que não contam, com receitas que podem não ser incluídas
e despesas que têm de ser incorporadas. Mais: Um orçamento até pode ser elaborado
com base numa leitura inteligente do Tratado Orçamental, em tempo subscrito
pelos partidos do arco da governança, cujo teor tem de figurar na Constituição
ou numa lei de valor reforçado.
O
orçamento até pode ter um saldo nulo ou até um superavit. E tê-lo-á, se não incluirmos no défice orçamental o
serviço da dívida soberana, tal como uma família pode não considerar como
despesa os encargos com as suas dívidas por crédito à habitação ou créditos pessoais,
será?!
***
Uma
certeza poderemos ter: as leis que versam matéria orçamental têm sido
instrumento de empobrecimento geral, pelo aumento brutal dos impostos diretos e
indiretos e dos encargos com a segurança social, pelos cortes nas pensões e nos
salários, pelo agravamento das taxas e sobretaxas, pelo desinvestimento na
maior parte dos serviços públicos (educação, investigação, saúde, ação social,
estruturas e infraestruturas públicas), pelo “autoesbulho” quase consentido de
grandes grupos empresariais, pela degradação dos serviços, pela desmotivação e
cansaço do pessoal e pela precariedade e perda do emprego.
E
a matéria orçamental versada nos últimos dias é o anedótico poço das
contradições. As medidas orçamentais são amigas do ambiente, das famílias e dos
cidadãos. Eu duvido de tudo isso e justifico.
A
favor da natalidade, os rendimentos do agregado familiar é divisível por todos os
membros do agregado familiar (ambos os cônjuges, nos casos que a lei vem
definindo, os filhos e os avós). Porém, os dependentes (filhos e ascendentes) só
têm um peso de 0,3. Por outro lado, há os tetos de dedução e o regime normal de
declaração é o da declaração dos sujeitos passivos em separado. Caso os
sujeitos passivos casados ou em união de facto pretendam a declaração conjunta,
terão de avisar previamente a Administração Tributária. E andaram a permitir o
casamento de pessoas do mesmo sexo e a atribuir as regalias de casados aos
unidos de facto… E que é feito de outras medidas de incentivo à família e à
criação de emprego?
Depois,
o orçamento não aumenta os impostos por opção do Governo, mas os contribuintes vão
pagar mais impostos por força dos impostos verdes (aumento do imposto dos combustíveis,
das bebidas brancas, do cigarro eletrónico e tabacos de não cigarro e dos
plásticos…). Basta termos carro ou andarmos de autocarro!
Cortam-se
despesas cujo resultado de corte não vem sustentadamente especificado no documento
orçamental e aumentam-se despesas em gabinetes ministeriais, consultorias
externas e material de software.
Prevê-se
aumento de receitas com base em variáveis difíceis de verificar: aumento da
carga fiscal pela via do IRS e do IVA, pela via do combate à corrupção e à
economia paralela, pela via do aumento do consumo, pelo aumento das exportações
– o que não é de todo sustentado (Será que a fatura da sorte não acabará por
cansar?). Assim, se a economia crescer e as receitas aumentarem (e se votarmos
no PSD!) teremos em 2016 a restituição de 1% da sobretaxa do IRS. Se todos os fornecedores
de bens e prestadores de serviços passarem faturas com n.º de contribuinte (NIF)
do consumidor, os sujeitos passivos de IRS e se estes tiverem despesas com a
saúde podem ter deduções à coleta com limite, como é óbvio. Não esqueçamos que
foram anuladas as deduções fixas. Portanto, teremos de confiar nas nossas
despesas e apresentar o NIF. O crescimento económico, que é condição de baixa
do IRS, não permite a baixa deste imposto. Todavia, o IRC, cuja descida estava
condicionada à mesma variável, continua o seu processo de desagravamento. Explique
quem entenda!
De
resto, apesar de terem sido proibidas pelo Tribunal Constitucional as CES e a TS,
este orçamento, que dizem de benéfico para os contribuintes, quer-me parecer
que, feitas as contas do “deve” e do “haver”, produzirá um saldo que virá a
correr em desfavor para o sujeito passivo, sobretudo se este for solteiro, sem
filhos e trabalhar a recibo verde. Este é o principal alvo de perseguição
orçamental, que os pensionistas e trabalhadores públicos já estão depauperados.
Que
Governo, que anedotas orçamentais, que país!
Venha
daí o sobressalto democrático. Fale novamente, senhor Presidente da República,
como em 9 de março de 2011, dê voz aos descontentes!
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