terça-feira, 7 de outubro de 2014

O Dia Mundial do Professor

Ocorreu a 5 de outubro a celebração do Dia Mundial do Professor. Em muitos dos países este é um dia feriado, que pode ser aproveitado para descanso, reflexão e reivindicação.
Foi a UNESCO que, no ano de 1994, proclamou o dia 5 de Outubro como o “Dia Mundial do Professor” e, desde então, o dia é comemorado um pouco por todo o mundo. Em Portugal, estas celebrações ficaram sempre eclipsadas talvez devido a este dia ser o da comemoração da Implantação da República em 1910. É possível que agora – que a Implantação da República deixou de constituir pretexto para a observância do feriado nacional – se venha a encontrar espaço e meios para comemorar condignamente este Dia Mundial do Professor.
A figura do professor bem o necessita e merece. Faz-nos falta, em Portugal, atentar na valia da função docente, relembrar e celebrar a profissão de professor e refletir na crucial importância que os professores têm nesta eminente e decisiva área social, que é a educação e o ensino, por mais que os discursos públicos a vilipendiem, esqueçam e subestimem.
Enaltecer a dignidade e a importância do professor (sem descambar em “didascalolatria” tão untuosa quanto nefasta) é particularmente relevante nos dias que correm por várias razões, de que se especificam algumas.
Antes de mais, esta profissão tem agora, como tinha há anos, uma índole de imprescindibilidade na tarefa educativa. Pode idealizar-se uma educação diferente da atual, com uma escola nova ou uma nova escola. Pode imaginar-se uma educação sem o livro e o caderno, o quadro e o flanelógrafo, os materiais de reprografia que nos habituáramos a utilizar ou sem os audiovisuais que foram passando de moda. Pode almejar-se uma educação sem escola e sem Ministério da Educação (que, por vezes, se intromete em demasia na vida das escolas, dos professores e das famílias). É, apesar de tudo, incompreensível uma educação que não inclua um mediador (que não um mero intermediário ou um incitador) para o conhecimento e desenvolvimento de capacidades e competências, sem uma presença humana inspiradora de superação e de ética, sem um tutor que dê sentido ao que se sabe, ao que se faz e ao que se é, sem um garante da orientação pelos valores, da observância dos princípios, do cumprimento das normas justas e instigador dos bons comportamentos. O professor não é, pois, descartável (que se empurre para aposentação antecipada, rescisão amigável, requalificação ou emprateleiramento) nem negligenciável (deixado à sua sorte) em processo sério, rigoroso e exigente de educação. Um professor nunca será um elemento opcional; sempre será essencial na gestão do ensino-aprendizagem.
Não obstante o seu papel ser reconhecido por todos os que já passaram por processos de educação e de aprendizagem, a imagem social do professor tem vindo a ser crescentemente degradada. Este desgaste apresenta contornos múltiplos. Assim, o professor tem sido colocado em posição de subalterno face a outros atores sociais, como gestores, autarcas, arquitetos, engenheiros e até outros profissionais que atuam no campo da educação. Pessoas oriundas de várias outras áreas, como médicos, paramédicos, psicólogos entre outros, sentem-se com autoridade para dar instruções aos professores sobre como agir. Muitos profissionais, mesmo que tenham estado na escola apenas na condição de alunos, sentem-se legitimados para dar orientação (que não mera sugestão) aos professores. É certo que a delicadeza e a complexidade da docência postula a prática de uma interdisciplinaridade alargada em que entra a colaboração e articulação de muitos profissionais. Porém, a colaboração tem uma inimiga, a submissão.
Mas os professores são uma classe profissional que muitas vezes se autofragiliza e divide. E tem dificuldade em conseguir criar e manter ambientes de escola que sejam de colaboração, que suscitem uma boa relação com as famílias e a comunidade e que originem na escola genuínas “comunidades de aprendizagem”.  Por outro lado, muitos dos que hoje estão colocados em posição social, política ou económica de relevo querem recordar-nos que têm um conhecimento da realidade escolar, pois, a serviram dando aulas em tempo em que não se lhes tinha aberto uma carreira profissional. Só que não se lembram de que muitos pouco mais faziam do que lecionar (e alguns com dedicação e empenho). Todavia, esquecem que outros os substituíam na sua pouca autossuficiência e que a sociedade cada vez mais solicita que a escola faça tudo o que a sociedade não sabe ou não quer fazer. Depois, os governantes convenceram-se de que os professores eram um peso para o erário público, que alegadamente tinham vencimentos confortáveis em comparação com um horário aligeirado. E vá de sobrecarregá-los com tarefas burocráticas, a maior parte sem real interesse e utilidade, mas é preciso mostrar merecer o vencimento, cada vez mais emagrecido! E pouco a pouco se lhes esmigalha a carreira…
Também, em nome da crise de responsabilidade a vários níveis (familiar, financeiro, social, económico, cultural e político) se sobrecarrega em excesso a escola, que suporta todo o tipo de comportamentos: indisciplina, grosseria, insolência – da parte de alunos, com a mãozinha de alguns encarregados de educação – reivindicação sobre conteúdos e metodologias, calendarização e resultados (reclamação e pedidos de revisão de classificações).
A todas estas razões se deve adicionar a confusão entre as teorias sérias da psicologia da aprendizagem e da pedagogia com opiniões peregrinas, circunscritas e tendenciosas, que tendem a tudo ensacar a esmo com a rotulagem da cientificidade. Essas opiniões, que invadiram a sociedade no âmbito do fenómeno que se expressa no tão propalado “eduquês”, levam a que quem ousar infringir os ditames do eduquês e se deixar enredar nas circunstâncias adversas da imagem social do professor, ficará com a moldura da posição escolástica, conservadora, irrealista e afastado do que alegadamente interessa à sociedade, à família e ao aluno.
Este desgaste da imagem social do professor tem sido peculiarmente evidente em Portugal e mesmo encorajado por declarações e emoldurado por decisões tomadas por governantes que deveriam ser os maiores defensores da missão e da profissão do docente. Sob a capa da autonomia, aumenta a restrição de condições para que possa realizar-se trabalho de qualidade, a diminuição drástica de professores nas escolas, o corte de apoios aos alunos com dificuldades, a crescente normatividade do currículo. Vem a invenção das metas curriculares a ofuscar os programas, o aumento do número de alunos por turma, a exigência do modelo de administração e gestão escolar com base nos agrupamentos de escolas e na agregação de agrupamentos, o empobrecimento das escolas, a desvalorização da formação inicial e contínua dos professores – dados que constituem o complexo de algumas das muitas razões com que somos confrontados no quotidiano e que tendem a decapitar o prestígio, a independência e a qualidade do trabalho dos docentes.
No 5 de outubro de 2014, a sociedade portuguesa foi chamada a comemorar o Dia Mundial do Professor. É o dia de personalidades que, de formas tão diferentes, foram decisivas para a definição de rumos de vida, de caminhos vocacionais, de encarrilamento profissional e de acesso a cargos públicos. Este dia dos professores evidencia que, apesar deste presente meio sombrio e quase desencorajador, eles continuam a ser os lídimos artesãos do futuro, as pessoas que nunca se conformam com o que os seus alunos são, mas sempre procuram acompanhá-los para eles se transcenderem, para eles serem melhores e dos melhores.
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Há, todavia, um apelo aos professores: que efetivamente desenvolvam “a sua atividade profissional de acordo com as exigências de política educativa e observando as exigências do currículo nacional”; porém, não deixem de exercer as suas funções “com responsabilidade profissional e autonomia técnica e científica” (cf ECD, art.º 35.º). Não devem prescindir da prerrogativa constitucional da “liberdade de aprender e ensinar” (vd CRP, art.º 43.º/1).
É certo que a escola gravita em torno do aluno, mas este não fica envolvido por qualquer roda dentada. As peças fundamentais de gravitação em torno do educando são, na escola, os professores e, em casa os pais. Por isso, em vez da colisão de perspetivas, tem de construir-se a sintonia possível e o estilo de cooperação e informação recíproca. E, tal como o professor não interfere na vida e gestão da família, também os pais não devem interferir no método de cada ciência e/ou disciplina nem nos métodos e técnicas selecionados pelos professores, que têm na escola quem deva praticar a boa supervisão. Ora, se deixei perceber que a didascalolatria seria abjeta por untuosa e nefasta, também se deve perceber que a matetolatria (o culto exacerbado do aluno) será fonte de capricho e hedonismo, como a paterolatria e a meterolatria (o endeusamento do pai e da mãe) serão más conselheiras na escola – não progredirá a ciência, a técnica, a autonomia a responsabilidade…
Depois, o professor não será o tribuno que fala ou o lente que lê, nem o juiz que julga, mas também não será o simples dinamizador das ações e atividades que geram aprendizagens ou o facilitador destas. Não, o professor é um docente. Tem de ensinar, através da informação teórica, mais abundante à medida que se avança no percurso escolar e académico; dinamizar ações e atividades, mas sem deixar de orientar e iluminar com o saber esta prática; e formar, levando a um posicionamento crítico que confronte a prática em desenvolvimento com a teoria adquirida e logrando novas conclusões. A aprendizagem será divertida, mas não será diversão sistemática. Se o ensino pode ser lúdico, não poderá deixar de ser sério e despertar exigência.
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Por isso, o Estado tem de cuidar da formação inicial dos professores, sem as oscilações do costume, não podendo aceitar qualquer candidato para a formação docente. Não deve confiar esta formação a qualquer instituição e, depois, logo ver, através de um exame, se o diplomado serve. Mas a formação deve ser abrangente tanto quanto necessário e especializada quanto baste. Deve ainda possuir um equilíbrio entre a componente teórica e a componente prática e crítica. E deve prolongar-se na necessária, periódica e possível formação contínua (ao longo da profissão e da vida)! Talvez assim começassem a chegar ao fim as reivindicações quase diárias, sem peso perante os poderes. Mas talvez eles fossem mais capazes de recusar diariamente a canga da subserviência e da asfixia pedagógica e profissional.

E ao MEC a experiência que já acumulou não lhe permite continuar a errar tanto!

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