quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Em maré de tal confusão, nem sei bem o que dizer: por isso digo!

Em maré de erros dos serviços do Ministério da Educação e Ciência (MEC) atinentes à colocação de professores muita coisa tem acontecido, muito se tem falado e nem sempre da melhor maneira. O Diretor-Geral da Administração Escolar demitiu-se, logo outra pessoa foi designada para ocupar o cargo; um secretário de Estado pôs o lugar à disposição e outro ascendeu ao cargo saindo do posto de Diretor-Geral da Educação. Não sei mesmo se esta movimentação tem somente a ver com erros dos serviços, plagiatos, cortes de financiamento ou com a situação pandémica que se instalou no setor e que deixa a sociedade um pouco à nora.
Ouvi hoje, 29 de outubro o programa “Opinião Pública”, da SIC Notícias, e tenho a séria impressão de que Jorge Coelho tinha completa razão ao referir, em tempos, à entrada para o “Quadratura do Círculo”, que em Portugal não há memória.
Gostei de ver Maria do Carmo Vieira, professora do ensino secundário aposentada, a enaltecer o papel dos professores e a denunciar, alto e bom som, a desconsideração que largos setores da população nutrem pela função docente induzidos por gente do poder, que lançou a onda da mentira e do descrédito com o objetivo claro de fomentar a privatização da educação. Mais: acusou ousadamente o toque das ideias pedagógicas peregrinas que não levam a nenhum termo e apenas servem para sobrecarregar o docente, funcionalizando o professor e desviando-o da sua missão essencial: ensinar. E acompanhou as críticas veementes de telespectadores interativos que se atiraram ao chorrilho de critérios e subcritérios que ensarilham o procedimento concursal dos candidatos à contratação de escola. Falou mesmo da tentativa de estupidificar a escola.
Fez alguns reparos a algumas das estruturas sindicais, nomeadamente as mais próximas dos partidos do arco do poder. Defendeu, com alguns participantes no programa, o regresso a normas de maior simplificação como as existentes até não há muito tempo. E respondeu com fulgor às afirmações de que os professores só fazem barulho e que não querem ser avaliados nem têm feito nada para mudar o ensino. Pormenorizou com o seu próprio exemplo e o de muitos outros, que têm dado ao MEC informações, sugestões e propostas de melhoria, que são lançadas no rol do esquecimento porque não interessa efetivamente a melhoria, mas a desvalorização da escola pública e a sua entrega a privados.
Por outro lado, diga-se que a avaliação que se desenha no panorama das políticas públicas de educação – como a do ingresso na carreira, a avaliação do desempenho ou a famigerada avaliação curricular, prevista nos decretos-lei que regulam os concursos (DL n.º 132/2012, de 27 de junho, alterado pelo DL n.º 143/2013, de 22 de outubro, e pelo DL n.º 83-A/2014, de 23 de maio) – não são totalmente revestidas de seriedade, não levam a lado nenhum (exceto quando se estribam na observação de aulas e na análise de documentos e ações prévias e posteriores à aula), a menos que se intervenha na formação inicial e se incuta a formação contínua regular, obrigatória e gratuita. Por isso, os docentes não rejeitam a avaliação, mas uma certa avaliação.
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Porém, o “Opinião Pública” apontava como desejável que os currículos e programas das diversas disciplinas não andassem a mudar tão frequentemente e que os concursos fossem lançados mais cedo, já que é possível hoje, com os meios de informação disponíveis, haver uma estimativa muito aproximada do número de alunos que vão frequentar a escola, no ano letivo seguinte e do número de professores necessários. Isso já aconteceu e com sucesso. O concurso para os professores dos quadros abria anualmente em janeiro/fevereiro, eram publicadas as vagas existentes nas diversas escolas e os docentes eram colocados com a devida antecedência. Depois, vinham os concursos para os professores profissionalizados e para os provisórios. As necessidades supervenientes eram objeto dos chamados miniconcursos, a nível de escola ou a nível dos CAE (centros de área educativa), já não existentes.
Algumas falhas havia naturalmente, mas não como agora. O sistema era mais aberto e os resultados mais previsíveis e controláveis. Hoje, a abertura de vagas nos quadros é residual; o concurso para os docentes dos quadros é plurianual; e, anualmente, temos o concurso para destacamento de docentes do quadro por ausência da componente letiva (DACL), para docentes do quadro a destacar por condições específicas (DCE), para docentes profissionalizados para contratação inicial e para docentes para bolsas de contratação a nível de escola (BCE).
Em que sentido é que há, do meu ponto de vista, falta de memória? Em vários aspetos, como é de explicar.
Em primeiro lugar, não corresponde à verdade dizer-se que dantes as escolas tinham um grande grupo de professores estável e, depois, eram colocados os outros a tempo e horas. Não é verdade de todo. Nas décadas de 70 e 80, a maior parte das escolas (a não ser algumas das dos grandes centros) dispunham de muito poucos professores efetivos (algumas, nenhum), sendo a maior parte provisórios. O número de efetivos cresceu com o lançamento, sucessivamente, da profissionalização em exercício, formação em serviço e profissionalização em serviço (neste último esquema, os docentes que no fim do 1.º ano de profissionalização tivessem completado 6 anos de serviço eram dispensados do 2.º ano). Entretanto, vieram os docentes profissionalizados das licenciaturas em ensino (das universidades novas e, mais tarde, também das outras), além dos que já vinham do ramo educacional, nalgumas áreas. Eram professores que vinham já profissionalizados das universidades, vindo mais tarde o mesmo a acontecer com as escolas superiores de educação. Acresce que o DL n.º 18/88, de 21 de janeiro, dispensou da profissionalização os docentes detentores de habilitação própria que, ao tempo, estivessem ao serviço e tivessem lecionado durante 15 anos letivos completos.
Como o Ministério da Educação (ME) fazia depender a declaração de vaga da média de lugares necessários nos últimos três anos, os quadros foram-se compondo. Mas é de acrescentar que o DL n.º 342/78, de 16 de novembro, que – através de contrato anual ou por menos tempo, “estabelece normas sobre a formalização das nomeações do pessoal docente não profissionalizado dos ensinos preparatório, secundário e médio” – prevê no n.º 2 do seu artigo 11.º, a possibilidade da contratação plurianual de docentes não profissionalizados. Tal previsão ficou estabelecida no DL n.º 519-T1/79, de 29 de dezembro, que instituiu o sistema de profissionalização em exercício, a que se sucedeu o DL n.º 580/80, de 31 de dezembro, que, através algumas alterações, procedeu à consolidação do sistema de contratação plurianual e ao sistema de profissionalização em exercício. Depois, o DL n.º 150-A/85, de 8 de maio, na redação dada pela Lei n.º 8/86, de 15 de abril, vem permitir o ingresso nos quadros, embora a título não definitivo, de professores detentores de habilitação própria, desde que observadas algumas condições, por exemplo estarem colocados em contrato plurianual ou estarem em sistema de profissionalização em exercício, que passou a ser o da formação em serviço.
Não obstante, o ano de 2004 fica na história do sistema educativo português como o ano da maior balbúrdia e do maior atraso da colocação de professores. O ME quis no mesmo momento mobilizar a candidatura de todos os educadores de infância e professores de todos os ciclos do ensino básico e do ensino secundário (concurso interno, professores dos quadros; e concurso externo, profissionalizados com vista a contrato – estes com vista a horários completos, horários de 18 horas e de 11 horas). A empresa informática, sem experiência no ramo e perturbada pelas sucessivas indicações da equipa de procedimentos do ME, e o volume de candidatos em ação deram azo à descredibilização do sistema central de colocações. O sistema não saía do inêxito. Muito fora de tempo foi resolvido o problema, mas com ministros do governo seguinte.
O que se passa agora, por mais que se diga em contrário, não tem a dimensão de 2004. A maior parte dos professores estão a lecionar e a maior parte dos alunos está com aulas. Todavia, a situação é extremamente grave, porque a experiência acumulada não permitia admitir este género de erros. Coisas que já funcionaram bem não podiam ter regredido. Não havia motivo para introduzir uma fórmula matemática insuficientemente testada, de efeito perverso. Nunca se pagaram tantos impostos como agora, o que exige melhores serviços e não a confusão setorial.
É imoral brincar com a sorte de cerca de 800 candidatos à docência, prejudicar e fazer balançar de localidade para localidade perto de 200 docentes (um colocado em 104 horários!). É antissocial, antipedagógico e imoral deixar 35 mil alunos sem aulas durante quase dois meses. Isto, pelos critérios e subcritérios, plataformas e aplicações informáticas. Reduziram os alunos, as escolas e os alunos a uns bits, bytes e megabytes. Apetecia-me falar à Porto, mas quem ler merece respeito.
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Porém, valerá a pena pensar em aulas suplementares, acabar com exames do ensino básico, adiá-los ou suspendê-los? E os alunos do ensino secundário não têm exames?
Primeiro, o ano letivo e programado para a lecionação e seu reforço, sujeito a imprevistos. Depois, nem os alunos devem ser formados “por atacado” nem o trabalho de professor pode ser de escravo.
Não sou um apóstolo dos exames (provas finais) nem um seu opositor. Em todo o caso, considero que é vantajoso habituar desde cedo (4.º e 6.º ano) os alunos a ambiente de exame (que a vida no futuro lhes exige de forma cruel). Contudo, as provas finais deveriam ser no fim e não perto do fim e considerar as vicissitudes do ano. Nem o peso que elas têm (30%) justifica o pânico instalado nem a obsessão preparatória para elas. Se se puder investir na ação pedagógica segundo metas e programas e respeitando o ritmo dos alunos (não os caprichos), não há medo de exame. Ter exame final/prova final no fim de ciclo é opção meramente política, com vantagens (criar habituação, à vontade e seriedade) e desvantagens (desvalorizar o sistema de aprendizagens, fazendo-as gravitar em torno do exame, como alguns fazem em torno dos testes). Demais, a criação de ambiente de exame pode ser feita de outra maneira. E a aferição do sistema de ensino pode ser feita por amostragem (desde que as amostras sejam significativas).

Por tudo, há que exigir ao Governo que pare de cometer erros e de sobrecarregar a população escolar e solicitar às vozes críticas que façam mais esforço de memória e critiquem tudo, mas só o que é criticável. Enfim, que todos lutem por uma escola pública de qualidade!

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