Em
maré de erros dos serviços do Ministério da Educação e Ciência (MEC) atinentes
à colocação de professores muita coisa tem acontecido, muito se tem falado e
nem sempre da melhor maneira. O Diretor-Geral da Administração Escolar
demitiu-se, logo outra pessoa foi designada para ocupar o cargo; um secretário
de Estado pôs o lugar à disposição e outro ascendeu ao cargo saindo do posto de
Diretor-Geral da Educação. Não sei mesmo se esta movimentação tem somente a ver
com erros dos serviços, plagiatos, cortes de financiamento ou com a situação
pandémica que se instalou no setor e que deixa a sociedade um pouco à nora.
Ouvi
hoje, 29 de outubro o programa “Opinião
Pública”, da SIC Notícias, e tenho a séria impressão de que Jorge Coelho
tinha completa razão ao referir, em tempos, à entrada para o “Quadratura do
Círculo”, que em Portugal não há memória.
Gostei
de ver Maria do Carmo Vieira, professora do ensino secundário aposentada, a
enaltecer o papel dos professores e a denunciar, alto e bom som, a
desconsideração que largos setores da população nutrem pela função docente
induzidos por gente do poder, que lançou a onda da mentira e do descrédito com
o objetivo claro de fomentar a privatização da educação. Mais: acusou
ousadamente o toque das ideias pedagógicas peregrinas que não levam a nenhum
termo e apenas servem para sobrecarregar o docente, funcionalizando o professor
e desviando-o da sua missão essencial: ensinar. E acompanhou as críticas
veementes de telespectadores interativos que se atiraram ao chorrilho de
critérios e subcritérios que ensarilham o procedimento concursal dos candidatos
à contratação de escola. Falou mesmo da tentativa de estupidificar a escola.
Fez
alguns reparos a algumas das estruturas sindicais, nomeadamente as mais
próximas dos partidos do arco do poder. Defendeu, com alguns participantes no
programa, o regresso a normas de maior simplificação como as existentes até não
há muito tempo. E respondeu com fulgor às afirmações de que os professores só
fazem barulho e que não querem ser avaliados nem têm feito nada para mudar o
ensino. Pormenorizou com o seu próprio exemplo e o de muitos outros, que têm
dado ao MEC informações, sugestões e propostas de melhoria, que são lançadas no
rol do esquecimento porque não interessa efetivamente a melhoria, mas a
desvalorização da escola pública e a sua entrega a privados.
Por
outro lado, diga-se que a avaliação que se desenha no panorama das políticas
públicas de educação – como a do ingresso na carreira, a avaliação do
desempenho ou a famigerada avaliação curricular, prevista nos decretos-lei que
regulam os concursos (DL n.º 132/2012, de 27 de junho, alterado pelo DL n.º
143/2013, de 22 de outubro, e pelo DL n.º 83-A/2014, de 23 de maio) – não são
totalmente revestidas de seriedade, não levam a lado nenhum (exceto quando se
estribam na observação de aulas e na análise de documentos e ações prévias e
posteriores à aula), a menos que se intervenha na formação inicial e se incuta a
formação contínua regular, obrigatória e gratuita. Por isso, os docentes não
rejeitam a avaliação, mas uma certa avaliação.
***
Porém,
o “Opinião Pública” apontava como
desejável que os currículos e programas das diversas disciplinas não andassem a
mudar tão frequentemente e que os concursos fossem lançados mais cedo, já que é
possível hoje, com os meios de informação disponíveis, haver uma estimativa
muito aproximada do número de alunos que vão frequentar a escola, no ano letivo
seguinte e do número de professores necessários. Isso já aconteceu e com
sucesso. O concurso para os professores dos quadros abria anualmente em
janeiro/fevereiro, eram publicadas as vagas existentes nas diversas escolas e
os docentes eram colocados com a devida antecedência. Depois, vinham os
concursos para os professores profissionalizados e para os provisórios. As
necessidades supervenientes eram objeto dos chamados miniconcursos, a nível de
escola ou a nível dos CAE (centros de área educativa), já não existentes.
Algumas
falhas havia naturalmente, mas não como agora. O sistema era mais aberto e os
resultados mais previsíveis e controláveis. Hoje, a abertura de vagas nos
quadros é residual; o concurso para os docentes dos quadros é plurianual; e,
anualmente, temos o concurso para destacamento de docentes do quadro por
ausência da componente letiva (DACL), para docentes do quadro a destacar por
condições específicas (DCE), para docentes profissionalizados para contratação
inicial e para docentes para bolsas de contratação a nível de escola (BCE).
Em
que sentido é que há, do meu ponto de vista, falta de memória? Em vários
aspetos, como é de explicar.
Em
primeiro lugar, não corresponde à verdade dizer-se que dantes as escolas tinham
um grande grupo de professores estável e, depois, eram colocados os outros a
tempo e horas. Não é verdade de todo. Nas décadas de 70 e 80, a maior parte das
escolas (a não ser algumas das dos grandes centros) dispunham de muito poucos
professores efetivos (algumas, nenhum), sendo a maior parte provisórios. O
número de efetivos cresceu com o lançamento, sucessivamente, da
profissionalização em exercício, formação em serviço e profissionalização em
serviço (neste último esquema, os docentes que no fim do 1.º ano de
profissionalização tivessem completado 6 anos de serviço eram dispensados do
2.º ano). Entretanto, vieram os docentes profissionalizados das licenciaturas
em ensino (das universidades novas e, mais tarde, também das outras), além dos
que já vinham do ramo educacional, nalgumas áreas. Eram professores que vinham
já profissionalizados das universidades, vindo mais tarde o mesmo a acontecer
com as escolas superiores de educação. Acresce que o DL n.º 18/88, de 21 de
janeiro, dispensou da profissionalização os docentes detentores de habilitação
própria que, ao tempo, estivessem ao serviço e tivessem lecionado durante 15
anos letivos completos.
Como
o Ministério da Educação (ME) fazia depender a declaração de vaga da média de
lugares necessários nos últimos três anos, os quadros foram-se compondo. Mas é
de acrescentar que o DL n.º 342/78, de 16 de novembro, que – através de
contrato anual ou por menos tempo, “estabelece normas sobre a formalização das nomeações
do pessoal docente não profissionalizado dos ensinos preparatório, secundário e
médio” – prevê no n.º 2 do seu artigo 11.º, a possibilidade da
contratação plurianual de docentes não profissionalizados. Tal previsão ficou
estabelecida no DL n.º 519-T1/79, de
29 de dezembro, que instituiu o sistema de profissionalização em exercício, a
que se sucedeu o DL n.º 580/80, de 31 de dezembro, que, através algumas
alterações, procedeu à consolidação do sistema de contratação plurianual e ao
sistema de profissionalização em exercício. Depois, o DL n.º 150-A/85, de 8 de
maio, na redação dada pela Lei n.º 8/86, de 15 de abril, vem permitir o
ingresso nos quadros, embora a título não definitivo, de professores detentores
de habilitação própria, desde que observadas algumas condições, por exemplo
estarem colocados em contrato plurianual ou estarem em sistema de
profissionalização em exercício, que passou a ser o da formação em serviço.
Não
obstante, o ano de 2004 fica na história do sistema educativo português como o
ano da maior balbúrdia e do maior atraso da colocação de professores. O ME quis
no mesmo momento mobilizar a candidatura de todos os educadores de infância e
professores de todos os ciclos do ensino básico e do ensino secundário
(concurso interno, professores dos quadros; e concurso externo, profissionalizados
com vista a contrato – estes com vista a horários completos, horários de 18
horas e de 11 horas). A empresa informática, sem experiência no ramo e
perturbada pelas sucessivas indicações da equipa de procedimentos do ME, e o
volume de candidatos em ação deram azo à descredibilização do sistema central
de colocações. O sistema não saía do inêxito. Muito fora de tempo foi resolvido
o problema, mas com ministros do governo seguinte.
O
que se passa agora, por mais que se diga em contrário, não tem a dimensão de
2004. A maior parte dos professores estão a lecionar e a maior parte dos alunos
está com aulas. Todavia, a situação é extremamente grave, porque a experiência
acumulada não permitia admitir este género de erros. Coisas que já funcionaram
bem não podiam ter regredido. Não havia motivo para introduzir uma fórmula
matemática insuficientemente testada, de efeito perverso. Nunca se pagaram
tantos impostos como agora, o que exige melhores serviços e não a confusão
setorial.
É
imoral brincar com a sorte de cerca de 800 candidatos à docência, prejudicar e
fazer balançar de localidade para localidade perto de 200 docentes (um colocado
em 104 horários!). É antissocial, antipedagógico e imoral deixar 35 mil alunos
sem aulas durante quase dois meses. Isto, pelos critérios e subcritérios,
plataformas e aplicações informáticas. Reduziram os alunos, as escolas e os
alunos a uns bits, bytes e megabytes. Apetecia-me falar à Porto, mas quem ler
merece respeito.
***
Porém,
valerá a pena pensar em aulas suplementares, acabar com exames do ensino
básico, adiá-los ou suspendê-los? E os alunos do ensino secundário não têm
exames?
Primeiro,
o ano letivo e programado para a lecionação e seu reforço, sujeito a
imprevistos. Depois, nem os alunos devem ser formados “por atacado” nem o trabalho
de professor pode ser de escravo.
Não
sou um apóstolo dos exames (provas finais) nem um seu opositor. Em todo o caso,
considero que é vantajoso habituar desde cedo (4.º e 6.º ano) os alunos a ambiente
de exame (que a vida no futuro lhes exige de forma cruel). Contudo, as provas
finais deveriam ser no fim e não perto do fim e considerar as vicissitudes do ano.
Nem o peso que elas têm (30%) justifica o pânico instalado nem a obsessão preparatória
para elas. Se se puder investir na ação pedagógica segundo metas e programas e
respeitando o ritmo dos alunos (não os caprichos), não há medo de exame. Ter exame
final/prova final no fim de ciclo é opção meramente política, com vantagens (criar
habituação, à vontade e seriedade) e desvantagens (desvalorizar o sistema de aprendizagens,
fazendo-as gravitar em torno do exame, como alguns fazem em torno dos testes).
Demais, a criação de ambiente de exame pode ser feita de outra maneira. E a
aferição do sistema de ensino pode ser feita por amostragem (desde que as
amostras sejam significativas).
Por
tudo, há que exigir ao Governo que pare de cometer erros e de sobrecarregar a
população escolar e solicitar às vozes críticas que façam mais esforço de
memória e critiquem tudo, mas só o que é criticável. Enfim, que todos lutem por
uma escola pública de qualidade!
Sem comentários:
Enviar um comentário