terça-feira, 14 de outubro de 2014

Sobre o sobre modelo de colocação dos professores

O assunto mereceu ontem, dia 13 de outubro, o apelo do Presidente Cavaco a uma “reflexão séria”, porque “as coisas não correram bem” no arranque deste ano letivo. Proclamou-o alto e bom som em Vale de Cambra, no âmbito do “Roteiro para uma Economia Dinâmica”.
Decididamente, a organização do sistema educativo não é matéria que o Presidente domine, talvez por não integrar o quadro da economia, mas o da logística e da gestão. E o mal reside no economicismo que ataca desde há anos a educação e no descrédito (bem desejaria que não fosse provocado) dalgumas das boas práticas que o sistema ainda mantém. A isto acresce o gosto experimentalista que de vez em quando se introduz como inovação infalível, mas não suficientemente testada e cujos riscos não são previamente ponderados. Também sucede que as equipas de procedimentos – a que do lado do sistema administrativo da educação, interpretando a legislação, dá instruções e a dos informáticos, com o ónus de operacionalizar, a nível tecnológico, as opções político-administrativas – se comunicam com muitos ruídos e tropeções.
O eminente Chefe de Estado assegura que não é a primeira vez que tal ocorre, o que significa que algo “não está bem” no país: “As coisas não correram bem na colocação dos professores. Parece que está em vias de se resolver o problema, mas até este momento já houve atrasos nas aulas e, portanto, os alunos foram prejudicados. Por outro lado, alguns professores viveram tempos de angústia sem saberem onde é que iam trabalhar e isto não é positivo para um país que quer apostar na excelência da educação. Agora, eu penso que é preciso fazer uma reflexão séria sobre o modelo de colocação de professores” – declarou aos jornalistas ávidos de novidades.
Mas o Presidente até esquece os tempos em que foi Primeiro-Ministro (só foram 10 anos); e, se os seus Ministros da Educação tiveram que enfrentar sérios problemas, não o foi no âmbito da colocação dos professores. Quem não se lembra, neste aspeto, dos decretos-lei n.º 18/88, de 21 de janeiro, e n.º 35/88, de 4 de fevereiro. O primeiro reporta-se aos quadros e concursos dos professores do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário, ao passo que o segundo se reporta à mesma matéria no atinente aos educadores de infância e do 1.º ciclo.
Anos desastrosos na colocação de docentes foram; o ano letivo de 1975/76, a primeira vez que se recorreu ao computador, que ficou com todas as culpas sobre os erros cometidos (tanto assim foi que os professores colocados até 29 de fevereiro de 1976 viram a sua situação sanada para todos os efeitos como se tivessem sido colocados a 1 de outubro de 1975); o ano letivo de 2004/2005, quando quiseram incluir na mesma leva concursal os docentes de todos os níveis de ensino e de todas as situações e entregaram as operações informáticas a uma firma sem experiência no setor; e agora, nas condições que todos conhecem.
Recordo que o primeiro pico de erros ocorreu sob a égide do VI Governo Provisório, em que a estabilidade política ainda não tinha saído da precariedade e a experiência informática era incipiente. O serviço mais avançado na área era o então Centro Informático do Ministério da Justiça, pelo qual passavam assuntos tão importantes como os resultados dos diversos atos eleitorais (Quem havia de pensar que o Ministério da Justiça iria passar por uma tal vergonha informática, que a tanta gente prejudica, no 14.º ano do 3.º milénio DC!). Foi nesse quadro de competência informático-estatística que surge o desaparecido Carlos Cruz, com aquele alto furor televisivo de apresentador perito e polivalente, e o sociólogo Serras Gago, cujo tipo de projeções de resultados eleitorais veio para ficar. O segundo pico de erros, bastante mais largo que o primeiro, ocorreu sob a égide do governo de Durão Barroso (o XV Governo Constitucional) pela mão de Abílio Morgado, Secretário de Estado, e David Justino, Ministro da Educação (sem o ensino superior e a ciência). Em dado momento, alguém sugeriu, como condição básica de resolução do problema, a mudança de equipas de procedimentos (ME) e de informáticos. Mas, como se tratava de uma decisão alegadamente de altos custos políticos, o problema ficou a marinar. E, como o Zé Barroso se escapuliu para a eurocomissão, o Pedro Lopes ficou a presidir ao XVI Governo Constitucional. E foi a sua Ministra da Educação, Maria do Carmo Félix Seabra, quem resolveu o problema com a possível rapidez (quase uma hora?!) pelo processo que alguém sugerira anteriormente e os custos políticos nem foram tão altos. E ironicamente fica para a memória de alguns o problema como sendo de Santana Lopes! Em Portugal não há memória – dizia Jorge Coelho quando participava na “Quadratura do Círculo”.
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Agora, Cavaco Silva sublinha que “não é a primeira vez que acontecem estas coisas”. E objetivamente é verdade. Porém, não pode dizer-se que estes problemas sejam recorrentes, muito menos que haja “alguma coisa que não está bem em Portugal naquilo que diz respeito ao modelo de colocação de professores”, como inerente ao modelo. Marcelo Rebelo de Sousa, tendo sido mais contundente na sua intervenção dominical mais recente, explicitou que, numa operação com esta complexidade, tem havido vários problemas. Até – e bem – refere que os problemas do arranque do ano letivo não são tão extensos como foram noutros tempos. Mas o professor foi realisticamente severo, ao declarar que nunca como agora se pagaram tantos impostos em Portugal. Por isso, as pessoas estão cada vez mais atentas e não podem tolerar que não tenhamos, serviços públicos de qualidade, ao menos como contrapartida à pesadíssima carga fiscal.
O argumento experiencial de Cavaco Silva não é significativo nem é extrapolável. Ter vivido alguns anos em Inglaterra, ter tido filhos “numa escola” não configura visão holística do problema nem visão territorial significativa. Por outro lado, partir tão aligeiradamente para a raiz do problema – “porque penso que havia uma descentralização na colocação de professores e não era tudo resolvido no Ministério da Educação” – não é sustentável e a experiência assegura o contrário. Os seus governos bem poderiam servir de testemunhas abonatórias da sanidade do sistema de concurso nacional e subsequente colocação nacional de professores, com a manutenção da lista graduada de professores não colocados a que as escolas recorreriam obrigatoriamente para a colmatação das necessidades temporárias de funcionamento. O próprio Professor David Justino parece agora defender a colocação dos professores a nível local, ele que – enquanto Ministro da Educação, honra lhe seja feita neste aspeto – justificava que os professores da escola pública deveriam continuar a concorrer em concurso nacional e ser colocados na sequência de tal processo concursal. Estribava a sua argumentação na convicção de que o serviço educativo é um bem público ao qual todos devem aceder de forma equitativa. O mal sucede quando se pretendem introduzir inovações sem ponderação dos riscos, sem aumento da capacidade e da qualidade das respetivas plataformas e da testagem suficiente. Cabe, a jeito, asseverar que estas experiências educacionais e de justiça não se fazem em laboratório com os ratos, mas sempre com as pessoas. Por isso, o cuidado e o tento têm de ser redobrados.
Infelizmente, o Senhor Presidente da República já nos habituou a determinados mimos de estadista um pouco distraído, por vezes. Lembro-me apenas da “anedota” das reformas do núcleo da família presidencial, que podiam não chegar para pagar as contas!
Tem naturalmente de concordar-se com o professor Filinto Lima, da Associação Nacional dos Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas, quando diz que não há um levantamento dos alunos com “furos” nos horários, mas que, por outro lado, insiste que “grave” é ainda haver, “nesta altura”, estudantes sem aulas: “independentemente do número, é grave”.
Ter havido professores colocados longe de casa e, passados dias, virarem a não colocados ou a colocados noutro sítio; colocar dois ou mais professores no mesmo horário ou um professor em duas ou mais escolas (e um deputado achar normal); retirar da plataforma professores que concorreram a destacamento por ausência de componente letiva, por supostamente lhes ter sido atribuída componente letiva, à revelia de diretores de Agrupamento, presumivelmente para reduzir ao mínimo os horários-zero; não assumir que os professores colocados erradamente não podem ser prejudicados em nome de lei alguma (Que lei? A lei, para ser lei, tem de ser justa, universal e equitativa!) ou entregar a solução a comissão arbitral presidida por um magistrado – isto não é sério, nunca aconteceu e não é imputando ao modelo. Demita-se o Ministro, os Secretários de Estado e os diretores-gerais. Mas salvem o serviço público de educação!
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Em alternativa, digam ao que vêm. Querem privatizar a educação e a escola? Declarem-no expressamente e sujeitem-se ao debate político e à crítica ideológica e pragmática. Não tentem iludir o povo com transferência de competências educativas para os municípios ou entrega da escola pública a professores independentes ou neutros. Os neutros não têm ideias, não conseguem ensinar nada. Só com modelos teóricos se investiga, ensina e governa.
Já se fala que as câmaras municipais podem ser chamadas a colocar os professores. Mesmo não tendo sido prejudicado em termos de trabalho por nenhuma autarquia, devo declarar que não acredito na imparcialidade dos seus concursos. São todos concursos públicos, os de colocação de pessoal (não falo do pessoal requisitado), mas só entram os candidatos que interessem ao poder instituído e, muitas vezes, para compensar serviços e promessas pré-eleitorais.

Se, como assegura a generalidade dos constitucionalistas, o serviço público de educação não tem de ser necessariamente gerido pelo Estado, então os governantes façam o jogo limpo: além da permissão de criação de escolas, abram concurso para concessão de escolas a autarquias, a empresas, a associações, a sindicatos – e vejam quem se candidata, mantendo a obrigação escrupulosa da prestação do serviço de educação nos termos da lei de bases do sistema educativo e nos termos do art.º 35.º do ECD, sobretudo no atinente ao cumprimento de todas as opções do currículo nacional (não só do exame!) e com o desempenho profissional das funções docentes no regime responsabilidade e autonomia técnica e científica de cada professor. E garantam uma rede fundamental de escolas públicas com docentes de carreira apetecível e motivante que desenvolvam projetos educativos de excelência. E logo se vê que tipo escola é mais viável e útil, a pública ou equiparada ou a economicista. Aceitem o desafio, vá! 

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