quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Purismo laicista ou fundamentalismo na proteção de dados

Há dias, alguma comunicação social destacou, até de forma elogiosa, o facto de a Comissão Nacional de Proteção de Dados ter chumbado, passe a expressão de que não gosto, a plataforma de registo dos imigrantes e refugiados, que incluía um campo sobre a opção religiosa.

De direito e de facto, o Estado Português é não confessional, ou seja, não perfilha oficialmente uma religião, mas nem por isso deixa de respeitar as opções dos seus cidadãos. Mais dizem alguns – e bem – que o nosso Estado é laico.

Neste sentido, é que se criam confusões. O verdadeiro Estado laico não persegue, não hostiliza, não ridiculariza qualquer religião. Tanta importância dá a quem se afirma agnóstico ou mesmo ateu como a quem diz convictamente que profere esta ou aquela religião. Faz, porém, finca-pé em dar oportunidades reais à liberdade de pensamento, crença, formação, manifestação e culto, tanto em privado como em público. E deixa ao cuidado dos respetivos educadores e formadores o múnus da formação religiosa, podendo garantir-lhes espaço e tempo para tanto.

Todavia, não inquirir, não favorecer ou prejudicar alguém por motivos religiosos não obsta a que o Estado saiba que o que pensam e creem os cidadãos. Por isso, não estranhei que o formulário dos censos 2021 tenha incluído uma informação sobre que religião professa o residente ou se não professa nenhuma.

Por isso, não percebo por que motivo uma plataforma de refugiados ou imigrantes a acolher em Portugal não poderá incluir uma informação sobre religião, até para se lhes dar oportunidade de encontrarem quem eventualmente lhes possa responder a esse nível. Ademais, sabe-se que muitos deles provêm de países em que política e religião se entrosam. E não são como alguns de nós (muitos até), que utilizam a religião e a fé quando dá jeito e invocam a liberdade para se esquivarem ao cumprimento dos deveres a que a fé obriga. Liberdade sem compromisso costuma dar bota sem atacador. É o crente descalço de tudo, menos do que lhe pesa…   

Ainda não há muitos anos, os tribunais aceitavam o ajuramento por Deus ou pela própria honra. E não vinha mal ao mundo por isso. Agora, bane-se Deus do ajuramento, mas, quando dá jeito, os tribunais citam a Bíblia e a moral a que dão pouca relevância. Até eufemisticamente preferem a ética.

Ora bem. Temos a Constituição das liberdades, direitos e garantias. Não obstante, não podemos pautar os procedimentos do exercício ou limitação desses direitos usando o papel milimétrico em que só cabem letras ou números bem diminutos. Mais do que a letra que aprisiona e mata, deve imperar o espírito que liberta e humaniza.

Não queria que a Comissão Nacional de Proteção de Dados fosse mais uma entidade policial, tal como não o quero para a Comissão Nacional de Eleições (que se entretém na guerra de cartazes e exercício do poder autárquico). Preferia que fossem provedores, pois de polícias sem eficácia ou eficácia indevida estamos saturados.

2021.09.08 – Louro de Carvalho


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