segunda-feira, 20 de setembro de 2021

O Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização

 

É uma estrutura da Cúria Romana vocacionada para o anúncio da fé, missionária nas suas raízes por desejo dos Papas, que nasceu com Bento XVI e foi ampliada, nas suas responsabilidades, por Francisco. Num decénio de vida e ação, percorreu vários caminhos para levar o Evangelho aos centros e periferias da humanidade. O Ano da Fé, o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, o Dia Mundial dos Pobres e o Domingo da Palavra de Deus, são a ponta dum icebergue apostólico, que dispõe de um reduzido grupo de trabalho e apresenta um balanço de missão que, em termos materiais e segundo os dados oficiais da Santa Sé, em 2021, faz parte do orçamento de 21 milhões destinados a trinta Dicastérios e instituições do Vaticano.

Por tudo isto, o “Vatican News” entrevistou Dom Rino Fisichella, que dirige o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização desde a sua instituição, explicando como funciona e quais as suas realizações – do que se da conta, ora resumindo, ora ampliando.

Fundado por Bento XVI, a 21 de setembro de 2010, pelo motu proprio “Ubicumque et sempre”, é um dos Dicastérios mais jovens da Cúria Romana e as suas prioridades concentram-se no apoio à reflexão sobre os temas da nova evangelização, sobretudo individuando e promovendo as formas e os instrumentos para o seu cumprimento. E a eleição do Papa Francisco levou este Dicastério a assumir e a enfrentar os novos desafios anunciados na sua Exortação Apostólica “Evangelii gaudium”.

No seu primeiro decénio de atuação, este Pontifício Conselho recebeu várias competências adicionais, que especificaram a sua ação. Em particular, em 2013, o motu proprio “Fides per doctrinam”, de 16 de janeiro, modificando a Constituição “Pastor bonus”, transferiu a competência sobre a Catequese da Congregação para o Clero para o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização; e, em 2017, o motu proprio “Sanctuarium in ecclesia”, de 11 de fevereiro, sobre os santuários, transferiu para este Pontifício Conselho as competências sobre os santuários, designadamente: a ereção dos santuários internacionais e a aprovação dos respetivos estatutos; o estudo e a atuação de medidas que favoreçam o seu papel evangelizador e incentivo da religiosidade popular; a promoção da sua pastoral orgânica enquanto centros propulsores da nova evangelização; a promoção de encontros nacionais e internacionais para favorecer uma obra comum de renovação da pastoral da piedade popular e da peregrinação rumo a lugares de devoção; a promoção da formação específica dos agentes dos santuários e dos lugares de piedade e devoção; a vigilância para que seja oferecida aos peregrinos, nos lugares de passagem, assistência espiritual e eclesial concreta que permita o maior fruto pessoal destas experiências; e a sua valorização cultural e artística segundo a via pulchritudinis enquanto modalidade peculiar da evangelização da Igreja.

De igual modo, foram confiadas a este Pontifício Conselho iniciativas que se tornaram habituais na Igreja universal, como as “24 horas para o Senhor, o “Dia Mundial dos Pobres e o “Domingo da Palavra de Deus. E, no âmbito das iniciativas de cariz extraordinário, foi-lhe confiada a organização do “Ano da Fé (2012-2013) e a do “Jubileu Extraordinário da Misericórdia (2015-2016).

A par das susoditas competências e dos referidos eventos, ressaltaram os desafios e as atenções da Igreja em relação à nova evangelização e, também do próprio Dicastério, que, assiduamente, tenta animar mais a comunidade cristã para que tome consciência da obra de evangelização, sem deixar de levar em conta o contexto cultural, em particular, do Ocidente, que passa por uma mudança significativa, com consequências para a fé. 

Também as limitações impostas pela pandemia implicaram uma certa mudança nas formas de anunciar a mensagem do Evangelho. A este respeito, o presidente do Dicastério refere que se pôde verificar a vontade de tornar ainda mais eficaz o anúncio do Evangelho e o Dicastério testemunhou as muitas iniciativas da nova evangelização compatíveis com as normas de saúde. Com efeito, as redes sociais e as várias plataformas desempenharam grande papel ao permitirem a realização de encontros e conferências on-line. Embora cientes de que não pode e não deve o anúncio do Evangelho “prescindir do encontro pessoal”, nem por isso podemos “deixar de reconhecer que o desafio digital é, hoje, um dos maiores da nova evangelização, cujos desenvolvimentos inevitáveis foram acelerados por este período”. Pessoalmente, Fisichella pôde intervir em muitas conferências on-line, organizadas em todo o mundo, com a participação de muitas pessoas, que possibilitaram, depois, muitíssimas visualizações, o que não teria acontecido com ações similares em presença.

Sento presentemente um dos desafios mais urgentes para a Igreja o saber falar de Deus aos homens na era digital e questionado sobre as indicações dadas, a este respeito, pelo Diretório para a Catequese, publicado a 23 de março do ano passado pelo Dicastério, o seu presidente sustenta que o Diretório para a Catequese dedica vários números à relação da catequese com a cultura digital (359-372), com os seguintes tópicos: caraterísticas gerais (ressaltando que o digital não se cinge à sua presença nas culturas existentes, mas está a impor-se como uma nova cultura); transformação antropológica; cultura digital como fenómeno religioso; cultura digital e questões educativas; e anúncio e catequese na era digital. 

E o entrevistado adverte que não se trata da “mera presença da Igreja na internet”, pelo que sentir-se atualizado só porque a diocese ou paróquia tem página na web é uma ilusão a evitar. A presença no mundo da internet é um facto positivo, mas a cultura digital vai mais além, pois toca na raiz, ou seja, na questão antropológica, decisiva em todo o contexto formativo, tal como o da verdade e da liberdade. Por isso, a questão que o Diretório coloca não é como usar as novas tecnologias para evangelizar, mas como se tornar presença evangelizadora no continente digital. Para tanto, a catequese precisa de conhecer o poder deste instrumento e de usar todas as suas potencialidades e positividades, mas com a consciência de que não pode apenas lançar mão do uso de instrumentos digitais, tendo, antes, de oferecer “espaços efetivos de experiências de fé”. Neste contexto, a tarefa da catequese é “favorecer o acompanhamento e a experiência de Deus para dar sentido à existência”, uma vez que “a transmissão da fé se baseia em experiências autênticas que se transformam em testemunho para dar sentido à vida”.

Sobre a estrutura do Pontifício Conselho, articulação do seu serviço, custos e correspondência do orçamento económico ao “balanço” da missão, o presidente refere que o Conselho é dirigido pelo Presidente e coadjuvado pelo Secretário. Depois, há o Subsecretário, o Chefe de escritório e os Funcionários, aos quais são confiados os âmbitos do Dicastério, divididos em línguas e competências. A secção da Catequese tem um Delegado especial e a secretaria técnica está entregue a outra pessoa. O orçamento do Dicastério providencia às necessidades mais imediatas, sendo que é a grande generosidade dos benfeitores que permite realizar várias iniciativas, sobretudo, as orientadas para a semana da celebração do “Dia Mundial dos Pobres.

No atinente ao motu proprio “Aperuit illis”, de 30 de setembro de 2019, pelo qual Francisco, ancorado no ditame de São Jerónimo “ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”, instituiu o “Domingo da Palavra de Deus, a celebrar no III Domingo do Tempo Comum, para que a comunidade cristã se concentre no grande valor que a Palavra de Deus tem na sua existência diária, favorecendo assim uma familiaridade maior do Povo de Deus com os textos sagrados, Rino Fisichella precisa que o Papa, com esta iniciativa, quis responder aos muitos pedidos do povo de Deus, para que, em toda a Igreja, este “Domingo da Palavra de Deus seja celebrado com certo impacto, em analogia com a festa do Corpus Christi, dedicada à Eucaristia.

Portanto, o “Domingo da Palavra de Deus é uma iniciativa pastoral da nova evangelização com o escopo de reavivar a responsabilidade que os fiéis têm de conhecer a Sagrada Escritura e mantê-la viva através duma obra de transmissão e compreensão permanentes, capaz de dar sentido à vida da Igreja nas várias situações. E pode ser uma boa ocasião para refletir e encarnar a Bíblia na vida diária. Cada comunidade cristã encontra os meios mais adequados para fazer isso através de iniciativas específicas, entre as quais, se deve dar atenção particular à liturgia, à lectio e a outros momentos de aprofundamento da Sagrada Escritura. E o Dicastério tem o compromisso concreto de apoiar as Conferências Episcopais para que a inovação desejada pelo Papa sobre o ministério do Leitorado encontre maior resposta e atenção (cf motu proprio “Spiritus Domini”, de 10 de janeiro de 2021).

Convidando o “Dia Mundial dos Pobres” todos os anos, desde 2017, a partir o pão da Palavra e da caridade, sobretudo, com as vítimas da “cultura do descarte”, Rino Fisichella foi confrontado com a questão “quanto falta ainda para chegar àquela ‘Igreja pobre para os pobres’, almejada por Francisco logo após a sua eleição”. E o insigne entrevistado remeteu a reflexão para a Carta Apostólica “Misericordia et misera”, de 20 de novembro de 2016, no termo do “Jubileu Extraordinário da Misericórdia, em que Papa afirmava:

Intuí que, como sinal concreto deste Ano Santo extraordinário, devemos celebrar, em toda a Igreja, no XXXIII Domingo no Tempo Comum, o Dia Mundial dos Pobres. Esta poderia ser uma preparação digna para a solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo, que se identificou com os pequeninos e os pobres e nos julgará pelas nossas obras de misericórdia. (…) Este Dia poderia ajudar as comunidades e todos os batizados a um maior compromisso, porque, até quando Lázaro bater à porta das nossas casas, não poderá haver justiça e paz social. Este Dia poderá ser também um meio genuíno de nova evangelização, que renova o rosto da Igreja, em sua perene obra de conversão pastoral, para ser testemunha da misericórdia.”.

E Fisichella aponta que o próximo “Dia Mundial dos Pobres(o 5.º) será celebrado com muitas iniciativas, em todo o mundo, mas, acima de tudo, com a renovada consciência de dar mais atenção a estas pessoas, que, tantas vezes, são vítimas da cultura do descarte, além da consciência de que os pobres nos evangelizam. E a dimensão de reciprocidade está representada no logótipo daquele dia: uma porta aberta e duas pessoas na soleira; ambas estendem a mão: uma a pedir ajuda e a outra a dar a sua ajuda – sendo difícil saber qual das duas representa o verdadeiro pobre ou até se ambas são pobres. Com efeito, a que estende a mão para entrar pede partilha; e a que estende a mão para ajudar é convidada a sair para partilhar. Cada uma das mãos estendidas oferece alguma coisa; os dois braços expressam solidariedade e convidam a não ficar na soleira, mas ir ao encontro do outro. O caminho a percorrer é muito longo, mas o “Dia Mundial dos Pobres está a ajudar a Igreja a caminhar nesta direção.

Por fim, convidado a pronunciar-se o papel e tarefas atuais dos “missionários da misericórdia”, figura instituída aquando da proclamação do “Jubileu Extraordinário da Misericórdia pela bula Misericordiae vultus”, de 11 de abril de 2015, o presidente do Dicastério em referência clarificou que os “missionários da misericórdia” são os sacerdotes a quem o Santo Padre deu autoridade para perdoar os pecados reservados ao Sumo Pontífice, para valorizar a amplidão do seu mandato. São, por isso, “sinais vivos de como o Pai acolhe os que buscam perdão”. Depois, o seu mandato foi estendido para lá do Jubileu. E Fisichella sublinha que o Papa quis dizer que a ação pastoral destes missionários “torna visível que Deus não impõe nenhum limite aos que o buscam com o coração arrependido, porque vai ao encontro de todos como Pai, sobretudo, no sacramento da Reconciliação”. Assim, hoje, esses missionários são cerca de mil: sacerdotes e religiosos que, em todo o mundo e em seus respetivos contextos, – através do ministério da confissão, de encontros espirituais e da pregação – promovem e levam a experimentar a grande misericórdia de Deus. E chegam muitas cartas que eles enviam ao Pontifício Conselho a falar da sua ação e de tantas pessoas que precisam de experimentar o perdão de Deus em suas vidas.

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De acordo com o perfil do Dicastério, exposto na página web da Santa Sé, o Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização responde à necessidade da renovação do anúncio do Evangelho após as profundas transformações sociais verificadas no nosso tempo e de que dão conta: o Concílio Vaticano II, com a Constituição Pastoral “Gaudium et Spes” e o Decreto “Ad Gentes”; e o subsequente magistério papal, particularmente pelas exortações apostólicas “Evangelii nuntiandi” (8 de dezembro de 1974) e “Christifideles laici” (30 de dezembro de 1988). E São João Paulo II criou a expressão “nova evangelização” (cf Homilia em Mogila, a 9 de junho de 1979) e a indicou repetidamente como missão da Igreja para o III Milénio da sua história (Carta Apostólica “Novo millennio ineunte”, 6 de janeiro de 2001). A instituição do Conselho responde às inquietações repetidamente expressas pelo Magistério e pretende oferecer respostas adequadas para que a Igreja, no seu zelo missionário, promova e implemente a nova evangelização. O seu serviço é prestado de modo particular às Igrejas de fundação antiga e às presentes nos territórios de tradição cristã, que estão mais sujeitos ao fenómeno da secularização.

É, pois, dever do Conselho “aprofundar o sentido teológico e pastoral da nova evangelização, promovendo o estudo, a difusão e a implementação do Magistério papal nas Conferências Episcopais”. De modo particular, “é chamado a favorecer o uso das formas modernas de comunicação para verificar como podem ser instrumentos válidos de evangelização”, bem como “a identificar as formas mais coerentes de promoção do Catecismo da Igreja Católica, como um ensino eficaz para a transmissão da fé”.

2021.09.20 – Louro de Carvalho

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