Está a decorrer, em Roma, de
23 a 26 de setembro, a
assembleia plenária do Conselho das Conferência Episcopais da Europa (CCEE), a refletir sobre “CCEE, 50 anos ao serviço da Europa, memória
e perspetiva no horizonte de Fratelli tutti”.
Esta assembleia conta com a
presença do presidente e secretário da Conferência Episcopal Portuguesa,
respetivamente, Dom José Ornelas Carvalho e Padre Manuel Joaquim Gomes Barbosa,
como realça uma nota enviada à agência Ecclesia.
O encontro teve início às 17 horas
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em de Portugal) do
dia 23 com a celebração eucarística presidida pelo Papa na Basílica de São
Pedro, a partir do Altar da Cátedra, tendo, a seguir, os presidentes das
Conferências Episcopais feito a profissão de fé junto ao túmulo de São Pedro e
rezado pela Europa junto ao túmulo de São João Paulo II, além de momentos de
oração pessoal junto aos túmulos de São Paulo VI e do Venerável João Paulo I.
Neste dia 24, após a celebração da Eucaristia
sob a presidência do Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da Congregação para os
Bispos, seguiram-se as sessões de trabalho com intervenções do Cardeal Pietro
Parolin, Secretário de Estado do Vaticano, e do Cardeal Angelo Bagnasco,
Presidente do CCEE, entre outras, com debates em sessões plenárias.
É de realçar a presença de Isabel
Capeloa Gil, reitora da Universidade Católica Portuguesa, que apresenta o tema:
“Que espera a Europa da Igreja: análise
cultural”.
No dia 25, Antonio Tajani, que
foi Presidente do Parlamento Europeu, fará uma análise sociopolítica
sobre o que a Europa espera da Igreja.
Estão previstas intervenções do
Cardeal Jean-Claude Hollerich, Presidente da COMECE, Monsenhor Aldo Giordano,
Núncio Apostólico junto da União Europeia, e de Monsenhor Marco Ganci,
Observador Permanente da Santa Sé junto do Conselho da Europa. Do programa
consta ainda a aprovação de relatórios internos do CCEE e um tempo para
informações e questões de atualidade. E é provável que haja alguma informação
sobre a JMJ Lisboa 2023. O dia termina com as eleições da nova Presidência do
CCEE”.
***
Na homilia da Concelebração
Eucarística com os participantes na Assembleia Plenária do CCEE, o Papa desenvolveu o seu discurso a partir de três
verbos que a Palavra de Deus ofereceu no dia e que interpelam os cristãos e
pastores na Europa: refletir, reconstruir e ver.
Na verdade, “refletir” é o que o Senhor insta reiteradamente
a fazer por meio do profeta Ageu (Ag 1,5.7), pois, regressado do exílio, o
povo preocupava-se com o arranjo e comodidade das suas casas, deixando que a
casa de Deus permanecesse em ruínas. Analogamente, Francisco quer que os Bispos
europeus se deixem interpelar sobre o facto de os templos na Europa se
esvaziarem e Jesus ficar cada vez mais esquecido, enquanto os cristãos se
acomodam nas suas estruturas, casas, igrejas, seguranças e propalados. De facto,
muitos deixaram de ter fome e sede de Deus por falta de quem lhes abra o
apetite da fé e reacenda a sede que há no coração do homem, sufocada pela
ditadura do consumismo. E o Santo Padre adverte para a facilidade e
esterilidade de “julgar quem não crê” ou “elencar os motivos da secularização,
do relativismo e de tantos outros ismos”, quando o importante é “refletir sobre nós mesmos” e se “sentimos
amizade e compaixão por quem não teve a alegria de encontrar Jesus ou a
perdeu”, bem como se estamos felizes e se, como diz o profeta, comemos sem nos
saciarmos, bebemos sem apagarmos a sede e nos vestimos sem nos aquecermos (cf
Ag 1,6). Faltar-nos-á
a caridade como ao povo a quem se dirigia o profeta? De facto, também Jesus faz
consistir a bitola do nosso julgamento final pelas obras da caridade fraterna:
“Tive fome e não me destes de comer, tive
sede e não me destes de beber, (…)
estava nu e não me vestistes”
(Mt 25,42-43). E o Pontífice é perentório ao
afirmar:
“A falta de caridade causa infelicidade,
porque só o amor sacia o coração. (…) Fechados no interesse pelas próprias
coisas, os habitantes de Jerusalém perderam o sabor da gratuitidade.
Também este pode ser o nosso problema: concentrar-se sobre as várias posições
da Igreja, os debates, as agendas e estratégias, e perder de vista o verdadeiro
programa que é o do Evangelho: o zelo da caridade, o ardor da gratuidade. O
caminho de saída dos problemas e fechamentos é sempre o do dom gratuito;
não há outro.”.
Depois do refletir, vem o “reconstruir”. À ordem de Deus “Reedificai a
[minha] casa” (Ag 1,8), o povo reconstrói o templo (com
uma mão nas pedras para construir, e a outra na espada para defender o processo
de reconstrução),
deixa de contentar-se com o presente tranquilo e trabalha para o futuro. E o
Papa sustenta que a construção da casa comum europeia precisa de “deixar as
conveniências do imediato e voltar à visão clarividente dos pais fundadores”, visão profética
e de conjunto, porque não procurava os consensos do momento, mas o futuro
de todos. E, segundo o Pontífice, “o mesmo vale para a Igreja”: para a tornar
“bela e acolhedora”, é preciso olhar juntos para o futuro, não restaurar o
passado. Devemos “partir dos alicerces, das raízes”, porque daí se reconstrói,
sem o restauracionismo da moda, “partir da tradição viva da Igreja, que nos alicerça
sobre o essencial, isto é, o anúncio feliz, a proximidade e
o testemunho”. E o Papa explana:
“Daqui se reconstrói: a partir dos alicerces
da Igreja dos primórdios e de sempre, da adoração de Deus e do amor ao próximo,
não a partir dos próprios gostos de cada um, nem dos pactos e negociações que
se possam fazer agora – digamos – para defender a Igreja e defender a
cristandade”.
Agradecendo à
COMECE o “trabalho não fácil” de reconstrução que vem realizando nestes 50 anos
ao serviço da Igreja e da Europa, o Santo Padre apela ao encorajamento mútuo,
pois “somos chamados pelo Senhor a uma obra esplêndida, a trabalhar para que a
sua casa seja cada vez mais acolhedora, para que cada um possa entrar e viver
nela, para que a Igreja tenha as portas abertas a todos e ninguém se sinta
tentado a concentrar-se apenas em olhar e trocar as fechaduras”. E, se a
mudança vem das raízes, a reconstrução vem das próprias mãos. Na verdade, tal
como Israel reconstruiu o templo com as próprias mãos, assim o fizeram os
grandes reconstrutores da fé do continente europeu: “puseram em jogo a sua
pequenez, confiando em Deus”. Foram assim os santos Martinho, Francisco,
Domingos, Pio Pietrelcina; e os patronos Bento, Cirilo e Metódio, Brígida,
Catarina de Sena, Teresa Benedita da Cruz. Todos começaram por si acolhendo a
graça de Deus e sem preocupação com os tempos sombrios, as adversidades e
divisões. Viveram o Evangelho sem se importarem com a relevância e a política. De
facto, “com a força suave do amor de Deus, encarnaram o seu estilo de
proximidade, de compaixão e de ternura – o estilo de Deus: proximidade,
compaixão e ternura – e construíram mosteiros, bonificaram terras, deram alma a
pessoas e países”.
E o Papa
chama a atenção para o plural do verbo “reedificar” no imperativo ditado por
Deus “Reedificai a minha casa”.
Com efeito, “a reconstrução realiza-se em conjunto, sob o signo da unidade”; e,
“se guardarmos a graça do todo, o Senhor edificará mesmo lá onde nós não
conseguimos”. E, sendo a vocação dos cristãos “ser Igreja, formar um só Corpo
entre nós”, são os Pastores chamados a “reunir o rebanho, não a dispersa-lo nem
mesmo a preservar em belos recintos fechados”, pois isso seria “matá-lo”. Assim,
“reconstruir significa fazerem-se artesãos de comunhão, tecedores de unidade a
todos os níveis: não por estratégia, mas pelo Evangelho”.
Diz o Papa
que, edificando desta forma, daremos aos irmãos a oportunidade de “ver”,
verbo que surge na conclusão da perícopa evangélica daquela missa, referindo
que Herodes procurava “ver Jesus” (cf Lc 9,9). E, assentindo que também hoje se
fala muito de Jesus, aponta que muitos não compreendem a sua novidade e se
encerram em esquemas do que se ouve dizer, do que já se viu. Por outro lado,
muitos pensam que a fé “pertence ao passado”, “porque não viram Jesus em ação
nas suas vidas”, o que tantas vezes sucede “porque nós não O mostramos
suficientemente com as nossas vidas”. De facto, Deus vê-Se nos rostos e gestos
de pessoas transformadas pela sua presença. Ora, “se os cristãos, em vez de
irradiarem a alegria contagiante do Evangelho, repropuseram esquemas religiosos
gastos, intelectualistas e moralistas, as pessoas não veem o Bom Pastor”. E o
Pontífice conclui que “o amor divino, misericordioso e impressionante é a
novidade perene do Evangelho”, que nos pede “opções sábias e ousadas, feitas em
nome daquela ternura louca com que Cristo nos salvou”, que nos pede que
mostremos Deus, “como fizeram os Santos: não por palavras, mas com a vida”, que
nos pede oração e pobreza, criatividade e gratuitidade. Por isso, há que ajudar
“a Europa de hoje, doente de cansaço (esta é a doença da Europa atual) a reencontrar o rosto sempre jovem
de Jesus e da sua esposa”, a Igreja. Para tanto, devemos dar-nos completamente “para
que se veja esta beleza sem ocaso”.
***
Por sua vez, o
Cardeal Parolin, Secretário de Estado da Santa Sé, abordou, na sua intervenção
na assembleia plenária da COMECE, temas centrais como a família e a vida
humana, o cuidado da casa comum e o compromisso com a paz – tudo isso em torno
da interrogação “Que caminho podemos
tomar hoje para dar um novo impulso à ação pastoral, na perspetiva de ser uma
Igreja missionária, como sugeriu o Santo Padre?”. E o eminentíssimo purpurado
indicou uma possível perspetiva em “repensar com seriedade e compromisso na
educação e especialmente na formação de formadores”, assentando em que hoje há
“um forte risco de autoeducação e tudo o que circula na internet e nas redes
sociais é aceite como verdadeiro, sem nenhum critério objetivo de discernimento
e, pior ainda, sem o contacto necessário com a comunidade eclesial, o lugar da
verdadeira formação”.
Depois, o Secretário de Estado
acrescentou que a pandemia “acelerou um pouco esta dinâmica”, sentindo-se ainda
hoje os fiéis tentados “a permanecer confortavelmente em suas casas para se
conectarem e se unirem ao Senhor através das abundantes tecnologias de
comunicação, deixando de fora o encontro físico e pessoal com a comunidade eclesial
que celebra a Eucaristia”. Por isso, o constante convite do Santo Padre a sermos
“Igreja em saída” devia estimular-nos à missão e à evangelização do nosso
continente, que esquece cada vez mais a sua história e suas raízes, e “a uma caridade
fraterna mais viva”.
Parolin disse também que a COMECE
podia promover “novos gestos concretos de solidariedade” na ajuda às populações
da Europa que passam por situações difíceis agravadas pela pandemia. Entre as
áreas nas quais a cooperação dentro da CCEE é particularmente valiosa, a
primeira é “o apoio à família e às políticas familiares”. E, estando
estreitamente ligada à família “a defesa da vida humana”, é hoje “mais
fundamental do que nunca que as Igrejas na Europa se apoiem mutuamente na
afirmação do Evangelho da vida contra os muitos, demasiados anúncios de morte
que ecoam em todo o continente”. Na verdade, como disse o Cardeal, a Europa
está a experimentar uma opulência nunca experimentada no passado e “sofre a
tentação de descartar o que parece supérfluo”, incluindo-se nesses bens
supérfluos, não raro, seres humanos. Portanto, “é de fundamental importância”,
vincou o purpurado, “que as Igrejas se apoiem mutuamente também na ação
pastoral em defesa da vida e na formação de pessoas, especialmente as que têm
responsabilidades políticas, para que uma certa ‘cultura de morte’ não acabe por
dominar completamente o panorama legislativo da Europa”.
A seguir, o Secretário de Estado
recordou que “a Igreja não pode de forma alguma abdicar da educação das gerações mais jovens”,
uma vez que, “para crescer, a pessoa humana precisa de mestres, que sejam acima
de tudo testemunhas, especialmente neste nosso tempo de tão resistentes a
qualquer forma de autoridade. E os bispos são chamados “a ser em primeira
pessoa testemunhas e mestres, para solicitar a resposta pessoal dos jovens”.
Outro foco de atenção é as realidades
sociais mais frágeis, “outros descartados, a saber, os pobres e os migrantes”,
junto de quem “a caridade, vivida como amor e serviço aos outros, é uma
oportunidade preciosa de evangelização e testemunho de fé”. Ora, se a pandemia,
sobretudo nos primeiros meses em que atingiu a Europa, “tornou mais evidente a
tendência dos governos de agirem sozinhos”, os cristãos, e especialmente os
bispos, frisou Parolin, são chamados a “mostrar que ‘a unidade é maior que o
conflito’, como o Papa Francisco recorda na Evangelii Gaudium”.
E outra área importante que o cardeal mencionou e que pertence aos propósitos
do CCEE, é a “cooperação ecuménica na Europa para a unidade dos cristãos”.
Em seu discurso, o Secretário de
Estado destacou também que “cuidar dos outros também significa cuidar
do meio ambiente ao nosso redor”. Efetivamente, “salvaguardar a criação
é um desafio que, juntamente com a pandemia da covid-19, está entre os desafios
mais urgentes que a humanidade enfrenta” – o que, no dizer do Cardeal, pode
ajudar a ampliar o nosso pensamento e encorajar-nos a realizar atividades
concretas, devendo cada um pensar no mandamento específico de Deus dado a Adão
e Eva e, portanto, a cada pessoa: “cuidar da criação e fazê-la frutificar, não
dominá-la e devastá-la”.
Finalmente, Parolin sublinhou outra
necessidade da Europa, a paz, que requer um compromisso
comum e um diálogo sincero com os líderes de outras religiões. Já por ocasião
da recente viagem papal à Eslováquia, o Cardeal disse que “o Santo Padre
convidou o país a ser uma mensagem de paz no coração da Europa” e que “cada
nação, cada comunidade grande ou pequena deste Continente pode fazer seu este convite
para ser um pacificador”. De facto, como lembra a encíclica “Fratelli
Tutti”, “a paz não é apenas
a ausência de guerra, mas o incansável compromisso – especialmente para os que
ocupam um cargo de maior responsabilidade – de reconhecer, garantir e
reconstruir concretamente a dignidade, muitas vezes esquecida ou ignorada, de
nossos irmãos”.
***
Seja!
2021.09.24 – Louro de Carvalho
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