É a expressão utilizada, no dia 5 de setembro,
pelo Papa Francisco para caraterizar a sua peregrinação de 12 a 15 de setembro,
a Budapeste (Hungria), para
a conclusão do LII Congresso Eucarístico Internacional e, depois, à Eslováquia,
terminando com a grande celebração popular de Nossa Senhora das Dores,
Padroeira deste país.
Pedindo a todos que o acompanhem com a oração,
disse confiar esta peregrinação “à intercessão de tantos heroicos confessores
da fé”, que ali “deram testemunho do Evangelho no meio da hostilidade e das
perseguições” e desejar que “ajudem a Europa a dar testemunho também hoje, não
tanto com palavras, mas sobretudo com ações, com obras de misericórdia e acolhimento
da boa nova do Senhor que nos ama e nos salva”.
***
Neste dia 12 de setembro, no encontro com os
Bispos, o Santo Padre agradeceu a dinamização deste Congresso que recorda a centralidade da
Eucaristia na vida da Igreja e partilhou algumas reflexões a partir do gesto
eucarístico em que no Pão e no Vinho vemos Cristo a oferecer o seu Corpo e
Sangue por nós. Recordou que a Igreja na Hungria tem uma longa história marcada
por uma fé inabalável, por perseguições e pelo sangue dos mártires em
associação ao sacrifício de Cristo – o que dá para nos encaminharmos para o
futuro com o mesmo anseio dos mártires: viver a caridade e testemunhar o
Evangelho, preservando o passado, sem nele ficar e olhando para o futuro para
encontrar novos caminhos de anúncio do Evangelho. E frisou que os Bispos (enquanto pastores) são chamados a recordar ao povo que a tradição cristã, como disse
Bento XVI, não é coleção de objetos e palavras, como caixa que contém coisas
mortas, mas “o rio da vida nova que vem das origens, de Cristo até nós” que
“nos envolve na história de Deus com a humanidade”, em consonância com o tema
do Congresso “Em Ti estão todas as minhas
fontes”.
A
seguir, deixou as seguintes indicações para eles realizarem esta missão de
pastores:
-
Serem anunciadores do Evangelho, visto que “no centro da vida da Igreja
está o encontro com Cristo”. Não podem ficar na administração burocrática das
estruturas, as quais, enquanto reveladoras da presença da Igreja na sociedade,
servem para despertar nas pessoas a sede de Deus e levar-lhes a água viva do
Evangelho. E Francisco lembrou as 4 proximidades do bispo: a proximidade com
Deus, rezando; a proximidade entre os bispos, ou fraternidade episcopal; a
proximidade com os padres e religiosos; e a proximidade com o santo povo fiel
de Deus.
-
Serem testemunhas de fraternidade. “A Hungria é um lugar onde há muito
convivem pessoas provenientes doutros povos”, de modo que “as variadas etnias,
minorias, confissões religiosas e migrantes transformaram este país num
ambiente multicultural”. Ora, se a diversidade “coloca em risco seguranças
adquiridas e compromete a estabilidade alcançada”, também constitui “uma grande
oportunidade para abrir o coração à mensagem do Evangelho”. E o Mestre mandou:
“Que vos ameis uns aos outros, como Eu
vos amei” (Jo 15,12). E, no quadro da
fraternidade, o Pontífice evoca a imponente “onte das Correntes que, passando
sobre o grande rio, liga as duas artes distintas da cidade, substituiu a antiga
frágil ponte de madeira que unia Buda e Pest. E diz:
“Se quisermos que o rio do Evangelho alcance a vida das pessoas, fazendo
germinar uma sociedade mais fraterna e solidária também aqui na Hungria,
precisamos que a Igreja construa novas pontes de diálogo”.
E
quer que os Bispos levem a Igreja húngara a ser construtora de pontes e
promotora de diálogo.
-
E serem construtores de esperança. Com efeito, colocando no centro
o Evangelho e testemunhando-o com o amor fraterno, podemos “olhar para o futuro
com esperança, apesar das pequenas ou grandes tempestades que tivermos de
atravessar hoje”. E é a isto que a Igreja é chamada a difundir na vida das
pessoas: “a apaziguadora certeza de que Deus é misericórdia, nos ama em todos
os momentos da vida e está sempre pronto a perdoar-nos e levantar-nos de novo”.
Este é o estilo de Deus, “um estilo de proximidade, compaixão e ternura”, o
estilo que nós devemos seguir.
E
insistindo que, perante as crises, sociais ou eclesiais, os Bispos devem sempre
ser construtores de esperança e ter palavras de encorajamento, o Papa acentua
que o pastor deve estar dentro do rebanho: à frente para
indicar o caminho, no meio para lhe compreender o cheiro e atrás para ajudar
aqueles que atrasam e para deixar o rebanho ir à frente um pouco, porque tem o
dom especial de apontar onde estão os solos bons e nutritivos.
Por
fim, aponta que “também a Hungria precisa dum anúncio renovado do Evangelho,
uma nova fraternidade social e religiosa, uma esperança construída dia a dia,
para poder encarar o futuro com alegria” e que os Bispos são “os pastores
protagonistas deste processo histórico, desta bela aventura”.
***
No encontro com os representantes
do Conselho Ecuménico das Igrejas e de algumas comunidades judaicas, Francisco
destacou o “grande anseio de unidade”, passando por um “caminho por vezes
íngreme” que se enfrenta com coragem, boa vontade, apoio mútuo, “sob o olhar do
Altíssimo que abençoa os irmãos que vivem unidos”, e reflexão-oração em
conjunto.
Apreciou
o empenho em derrubar os muros de separação do passado por parte de judeus e
cristãos, que desejam “ver no outro, já não um estranho mas um amigo, já não um
adversário mas um irmão”. E formulou os melhores votos pelas festas solenes
de Rosh Hashanah e do Yom Kippur, que se realizam neste período e são
ocasião de graça para renovar a adesão a estes convites espirituais, pois o
Deus de nossos pais abre sempre novos caminhos: “tal como transformou o deserto
em caminho para a Terra Prometida, assim deseja conduzir-nos dos desertos
áridos da aversão e da indiferença para a suspirada pátria da comunhão”.
Também
aqui evocou a imagem da Ponte das Correntes, que liga as duas partes desta
cidade, não as fundindo numa só, mas mantendo-as unidas, pois, “quando houve a
tentação de absorver o outro, em vez de construir, destruiu-se; e o mesmo se
verificou quando se quis colocá-lo num gueto em vez de o integrar”. Para que
tal não volte a acontecer, o Bispo de Roma propôs o empenho conjunto em
promover uma educação para a fraternidade, “para que não prevaleçam
os surtos do ódio que a querem destruir”. E, focado na “ameaça do
antissemitismo, que ainda serpeja na Europa e não só”, disse que “a melhor
forma de o neutralizar é trabalhar positivamente juntos, é promover a
fraternidade”.
Outra
lição que recolheu da Ponte é que é sustentada por grandes correntes, formadas
por muitos elos. E frisou que nós somos os elos da ponte que intentamos
levantar e manter; e cada um é fundamental, pelo que não podemos viver na
suspeita e ignorância, distantes e discordes.
Se
uma ponte une duas partes, lembra-nos que “o Deus da aliança nos pede que não
cedamos às lógicas do isolamento e dos interesses de parte”, ou seja, não quer “alianças
feitas com alguém em detrimento dos outros, mas pessoas e comunidades que sejam
pontes de comunhão com todos”. Por isso, os representantes das religiões
maioritárias no país têm “o dever de fomentar as condições para que a liberdade
religiosa seja respeitada e promovida para todos”; e nunca dos lábios dos
homens de Deus podem sair “palavras que dividem, mas apenas mensagens de
abertura e de paz”.
Comovido,
o Pontífice pensou em tantas figuras de amigos de Deus que irradiaram a sua luz
nas noites do mundo. E citou Miklós Radnóti, cuja brilhante carreira foi
truncada pelo ódio cego de quem, só por ele ser de origem judaica, o impediu de
lecionar e, depois, o arrebatou à família. Porém, apesar de encerrado num campo
de concentração, continuou a escrever poesia até à morte, sendo a sua
obra “Notas de Bor”
a única coleção poética que sobreviveu à Shoah, a testemunhar “a força de
acreditar no calor do amor no meio do gélido campo de concentração e iluminar
as trevas do ódio com a luz da fé”. Sufocado pelas correntes que lhe comprimiam
a alma, fez uma pergunta, válida para nós ainda hoje: “E tu, como vives? A tua voz encontra eco nestes tempos?”. “O eco das
nossas vozes”, disse o Papa, “só pode ser o daquela Palavra que o Céu nos
deu: eco de esperança e de paz”.
E,
na desolada solidão do campo de concentração, ao perceber que a vida estava
definhando, Radnóti escreveu: “Agora
também eu sou uma raiz... Era flor, tornei-me raiz”. E o Papa vincou:
“Também nós somos chamados a tornar-nos raízes. Com frequência, buscamos
os frutos, os resultados, a afirmação. Mas Aquele que faz a sua Palavra
frutificar na terra, com a mesma mansidão com que a chuva faz germinar o campo
(cf Is 55,10),
lembra-nos que os nossos caminhos de fé são sementes: sementes que se
transformam em raízes subterrâneas, raízes que alimentam a memória e fazem
germinar o futuro.”.
E
concluiu, citando R. M. Rilke, em “Vladimir, o pintor de nuvens”, que “Deus espera noutro lugar,
espera mesmo no fundo de tudo. Lá em baixo; onde estão as raízes”. Por
conseguinte, “só radicados em profundidade é que se chega alto”; e, só “enraizados
na escuta do Altíssimo e dos outros, ajudaremos os nossos contemporâneos a
acolher-se e amar-se”. Enfim, “só se formos raízes de paz e rebentos de unidade
é que seremos críveis aos olhos do mundo, que nos olha com a nostalgia de ver
desabrochar a esperança”.
***
Na
Missa de encerramento do Congresso, o Santo Padre partiu da pergunta de Jesus em
Cesareia de Filipe “E vós quem dizeis que
Eu sou?” (Mc
8,29), que
põe os discípulos em dificuldade e marca a mudança no percurso em busca do
Mestre. Conheciam-no, mas ainda não pensavam como Ele. Tinham de passar da
admiração por Jesus à imitação de Jesus. Da resposta
àquela pergunta que Ele continua a fazer a cada um de nós nasce a renovação do
discipulado. E esta renovação segue em três passos: o anúncio de Jesus; o discernimento
com Jesus; e o caminho após Jesus.
-
O anúncio de Jesus. Pedro respondeu à pergunta como representante
de todo o grupo: “Tu és o Messias!” A
resposta é exata, mas, após esse reconhecimento, Jesus manda “que não falem a
ninguém sobre ele”. E o motivo, segundo Francisco, é que “dizer que Jesus é o
Cristo é correto, mas incompleto, pois há o risco de anunciar um falso
messianismo, o messianismo segundo os homens, não segundo Deus. Por isso,
Jesus começa a revelar a sua identidade pascal, a que encontramos na Eucaristia,
a da entrega em alimento para a promoção da vida. De facto, a sua missão
culminaria na glória da ressurreição, mas tinha de passar pela humilhação da
cruz. Por esta razão, Jesus impõe silêncio à sua identidade messiânica,
mas não à cruz que O espera. E, como observa o evangelista, Jesus começa a
ensinar “com absoluta clareza” que “o Filho do homem muito teria que sofrer,
que seria rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos mestres da
lei, que Eles O matariam, mas que Ele Se levantaria novamente depois de três
dias”.
A
Eucaristia, diz o Santo Padre, está diante de nós para nos lembrar quem é Deus: Ele
não o faz com palavras, mas de forma concreta, mostrando-nos Deus como Pão
partido, como Amor crucificado e doado, a tornar-se o servo e o alimento para
nos salvar, para nos dar vida.
- O discernimento com Jesus. A reação de Pedro
é tipicamente humana. Depois de confessar o messianismo de Jesus,
escandaliza-se com as palavras do Mestre e tenta dissuadi-lo de continuar o seu
caminho, pois “a cruz nunca está na moda”. No entanto, ela “cura por
dentro” e “é diante do Crucificado que experimentamos uma luta interior benéfica”,
o conflito entre ‘pensar como Deus pensa’ e ‘pensar como os homens pensam’.
Deslumbrado
com perspetiva humana, Pedro chamou Jesus de lado e começou a repreendê-lo, ao
invés do que fizera antes – coisa que pode acontecer hoje connosco. Podemos
continuar a sentir-nos religiosos, mas sem ser conquistados pela lógica de
Jesus. Porém, Ele acompanha-nos nessa luta interior, porque quer que nós, como
os apóstolos, escolhamos estar com o seu papel. A diferença crucial é entre o Deus verdadeiro e
o deus de nós mesmos. Como está longe Aquele que reina em silêncio na
cruz, do falso deus com quem gostaríamos de reinar com força e reduzir os
inimigos ao silêncio! Ora, como diz Francisco, Jesus não se contenta com
declarações de fé, mas pede-nos que purifiquemos a nossa religiosidade antes da
cruz e da Eucaristia. É bom estar em adoração face à Eucaristia para
contemplar a fragilidade de Deus.
-
O caminho depois de Jesus é também o caminho com Jesus. “Para trás de mim, Satanás!” (Mc 8,33). Jesus atrai Pedro
de volta com esta ordem dolorosa e severa, mas com prontidão para ajudar e
conceder a graça. E Pedro acolhe a graça de dar um “passo atrás”. Na
verdade, o caminho cristão não é a busca do sucesso, mas começa com um passo
para trás, com um descentramento libertador, com o afastamento do centro da
vida. E então Pedro “reconhece que o centro não é ‘o seu Jesus’, mas o verdadeiro Jesus”. Há de cair
novamente, mas de perdão em perdão, reconhecerá cada vez melhor o rosto de
Jesus e “passará da admiração estéril por Cristo à imitação concreta de Cristo”.
Pressupõe
o Sumo Pontífice que aquele “vade retro”
não é uma expulsão ou repulsa, mas uma colocação de Pedro no seu lugar, não à
frente de Jesus a comandar (o que os homens querem, inspirados pelo diabo), mas atrás, a segui-Lo.
Ora, andar após Jesus é “avançar pela vida com a sua própria confiança, a de
ser filhos amados de Deus. É percorrer o mesmo caminho do Mestre, que veio
para servir e não para ser servido. É a isso que Ele nos convida: a segui-Lo. E
é aí que nos leva a Eucaristia, a sentirmo-nos como um só Corpo, começando
pelos outros.
Por
isso, o Papa exorta:
“Deixemos que o encontro com Jesus Eucarístico nos transforme, como
transformou os grandes e valentes santos que venerais. Penso em Santo Estêvão e
em Santa Isabel. Como eles, não nos contentemos com o pouco, não nos
resignemos a uma fé que vive de ritos e repetições, abramo-nos à novidade
escandalosa de Deus crucificado e ressuscitado, Pão partido para dar vida ao
mundo. Então, viveremos com alegria; e vamos trazer alegria.”.
E
concluiu dizendo que o Congresso é ponto de partida para um caminho, o caminho
da procura de Jesus que nos convida a olhar para a frente, acolher a novidade da graça e fazer reavivar
em nós a cada dia a pergunta que o Senhor, como em Cesareia de Filipe, dirige a
cada um de nós, seus discípulos: E tu quem dizes que eu sou?
***
Face à Eucaristia, impõe-se-nos a adoração, a
comunhão, a oração e a adesão ao projeto salvador de Jesus em comunidade de
vida, em partilha, em solidariedade, em caridade.
2021.09.12 – Louro de Carvalho
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