domingo, 12 de setembro de 2021

Dias marcados pela adoração e oração no coração da Europa

 

É a expressão utilizada, no dia 5 de setembro, pelo Papa Francisco para caraterizar a sua peregrinação de 12 a 15 de setembro, a Budapeste (Hungria), para a conclusão do LII Congresso Eucarístico Internacional e, depois, à Eslováquia, terminando com a grande celebração popular de Nossa Senhora das Dores, Padroeira deste país.

Pedindo a todos que o acompanhem com a oração, disse confiar esta peregrinação “à intercessão de tantos heroicos confessores da fé”, que ali “deram testemunho do Evangelho no meio da hostilidade e das perseguições” e desejar que “ajudem a Europa a dar testemunho também hoje, não tanto com palavras, mas sobretudo com ações, com obras de misericórdia e acolhimento da boa nova do Senhor que nos ama e nos salva”.

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Neste dia 12 de setembro, no encontro com os Bispos, o Santo Padre agradeceu a dinamização deste Congresso que recorda a centralidade da Eucaristia na vida da Igreja e partilhou algumas reflexões a partir do gesto eucarístico em que no Pão e no Vinho vemos Cristo a oferecer o seu Corpo e Sangue por nós. Recordou que a Igreja na Hungria tem uma longa história marcada por uma fé inabalável, por perseguições e pelo sangue dos mártires em associação ao sacrifício de Cristo – o que dá para nos encaminharmos para o futuro com o mesmo anseio dos mártires: viver a caridade e testemunhar o Evangelho, preservando o passado, sem nele ficar e olhando para o futuro para encontrar novos caminhos de anúncio do Evangelho. E frisou que os Bispos (enquanto pastores) são chamados a recordar ao povo que a tradição cristã, como disse Bento XVI, não é coleção de objetos e palavras, como caixa que contém coisas mortas, mas “o rio da vida nova que vem das origens, de Cristo até nós” que “nos envolve na história de Deus com a humanidade”, em consonância com o tema do Congresso “Em Ti estão todas as minhas fontes”.

A seguir, deixou as seguintes indicações para eles realizarem esta missão de pastores:

- Serem anunciadores do Evangelho, visto que “no centro da vida da Igreja está o encontro com Cristo”. Não podem ficar na administração burocrática das estruturas, as quais, enquanto reveladoras da presença da Igreja na sociedade, servem para despertar nas pessoas a sede de Deus e levar-lhes a água viva do Evangelho. E Francisco lembrou as 4 proximidades do bispo: a proximidade com Deus, rezando; a proximidade entre os bispos, ou fraternidade episcopal; a proximidade com os padres e religiosos; e a proximidade com o santo povo fiel de Deus.

- Serem testemunhas de fraternidade. “A Hungria é um lugar onde há muito convivem pessoas provenientes doutros povos”, de modo que “as variadas etnias, minorias, confissões religiosas e migrantes transformaram este país num ambiente multicultural”. Ora, se a diversidade “coloca em risco seguranças adquiridas e compromete a estabilidade alcançada”, também constitui “uma grande oportunidade para abrir o coração à mensagem do Evangelho”. E o Mestre mandou: “Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei(Jo 15,12). E, no quadro da fraternidade, o Pontífice evoca a imponente “onte das Correntes que, passando sobre o grande rio, liga as duas artes distintas da cidade, substituiu a antiga frágil ponte de madeira que unia Buda e Pest. E diz:

Se quisermos que o rio do Evangelho alcance a vida das pessoas, fazendo germinar uma sociedade mais fraterna e solidária também aqui na Hungria, precisamos que a Igreja construa novas pontes de diálogo”.

E quer que os Bispos levem a Igreja húngara a ser construtora de pontes e promotora de diálogo.

- E serem construtores de esperança. Com efeito, colocando no centro o Evangelho e testemunhando-o com o amor fraterno, podemos “olhar para o futuro com esperança, apesar das pequenas ou grandes tempestades que tivermos de atravessar hoje”. E é a isto que a Igreja é chamada a difundir na vida das pessoas: “a apaziguadora certeza de que Deus é misericórdia, nos ama em todos os momentos da vida e está sempre pronto a perdoar-nos e levantar-nos de novo”. Este é o estilo de Deus, “um estilo de proximidade, compaixão e ternura”, o estilo que nós devemos seguir.

E insistindo que, perante as crises, sociais ou eclesiais, os Bispos devem sempre ser construtores de esperança e ter palavras de encorajamento, o Papa acentua que o pastor deve estar dentro do rebanho: à frente para indicar o caminho, no meio para lhe compreender o cheiro e atrás para ajudar aqueles que atrasam e para deixar o rebanho ir à frente um pouco, porque tem o dom especial de apontar onde estão os solos bons e nutritivos.

Por fim, aponta que “também a Hungria precisa dum anúncio renovado do Evangelho, uma nova fraternidade social e religiosa, uma esperança construída dia a dia, para poder encarar o futuro com alegria” e que os Bispos são “os pastores protagonistas deste processo histórico, desta bela aventura”.

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No encontro com os representantes do Conselho Ecuménico das Igrejas e de algumas comunidades judaicas, Francisco destacou o “grande anseio de unidade”, passando por um “caminho por vezes íngreme” que se enfrenta com coragem, boa vontade, apoio mútuo, “sob o olhar do Altíssimo que abençoa os irmãos que vivem unidos”, e reflexão-oração em conjunto.

Apreciou o empenho em derrubar os muros de separação do passado por parte de judeus e cristãos, que desejam “ver no outro, já não um estranho mas um amigo, já não um adversário mas um irmão”. E formulou os melhores votos pelas festas solenes de Rosh Hashanah e do Yom Kippur, que se realizam neste período e são ocasião de graça para renovar a adesão a estes convites espirituais, pois o Deus de nossos pais abre sempre novos caminhos: “tal como transformou o deserto em caminho para a Terra Prometida, assim deseja conduzir-nos dos desertos áridos da aversão e da indiferença para a suspirada pátria da comunhão”.

Também aqui evocou a imagem da Ponte das Correntes, que liga as duas partes desta cidade, não as fundindo numa só, mas mantendo-as unidas, pois, “quando houve a tentação de absorver o outro, em vez de construir, destruiu-se; e o mesmo se verificou quando se quis colocá-lo num gueto em vez de o integrar”. Para que tal não volte a acontecer, o Bispo de Roma propôs o empenho conjunto em promover uma educação para a fraternidade, “para que não prevaleçam os surtos do ódio que a querem destruir”. E, focado na “ameaça do antissemitismo, que ainda serpeja na Europa e não só”, disse que “a melhor forma de o neutralizar é trabalhar positivamente juntos, é promover a fraternidade”.

Outra lição que recolheu da Ponte é que é sustentada por grandes correntes, formadas por muitos elos. E frisou que nós somos os elos da ponte que intentamos levantar e manter; e cada um é fundamental, pelo que não podemos viver na suspeita e ignorância, distantes e discordes.

Se uma ponte une duas partes, lembra-nos que “o Deus da aliança nos pede que não cedamos às lógicas do isolamento e dos interesses de parte”, ou seja, não quer “alianças feitas com alguém em detrimento dos outros, mas pessoas e comunidades que sejam pontes de comunhão com todos”. Por isso, os representantes das religiões maioritárias no país têm “o dever de fomentar as condições para que a liberdade religiosa seja respeitada e promovida para todos”; e nunca dos lábios dos homens de Deus podem sair “palavras que dividem, mas apenas mensagens de abertura e de paz”.

Comovido, o Pontífice pensou em tantas figuras de amigos de Deus que irradiaram a sua luz nas noites do mundo. E citou Miklós Radnóti, cuja brilhante carreira foi truncada pelo ódio cego de quem, só por ele ser de origem judaica, o impediu de lecionar e, depois, o arrebatou à família. Porém, apesar de encerrado num campo de concentração, continuou a escrever poesia até à morte, sendo a sua obra “Notas de Bor a única coleção poética que sobreviveu à Shoah, a testemunhar “a força de acreditar no calor do amor no meio do gélido campo de concentração e iluminar as trevas do ódio com a luz da fé”. Sufocado pelas correntes que lhe comprimiam a alma, fez uma pergunta, válida para nós ainda hoje: “E tu, como vives? A tua voz encontra eco nestes tempos?”. “O eco das nossas vozes”, disse o Papa, “só pode ser o daquela Palavra que o Céu nos deu: eco de esperança e de paz.

E, na desolada solidão do campo de concentração, ao perceber que a vida estava definhando, Radnóti escreveu: “Agora também eu sou uma raiz... Era flor, tornei-me raiz”. E o Papa vincou:

Também nós somos chamados a tornar-nos raízes. Com frequência, buscamos os frutos, os resultados, a afirmação. Mas Aquele que faz a sua Palavra frutificar na terra, com a mesma mansidão com que a chuva faz germinar o campo (cf Is 55,10), lembra-nos que os nossos caminhos de fé são sementes: sementes que se transformam em raízes subterrâneas, raízes que alimentam a memória e fazem germinar o futuro.”.

E concluiu, citando R. M. Rilke, em “Vladimir, o pintor de nuvens”, que “Deus espera noutro lugar, espera mesmo no fundo de tudo. Lá em baixo; onde estão as raízes”. Por conseguinte, “só radicados em profundidade é que se chega alto”; e, só “enraizados na escuta do Altíssimo e dos outros, ajudaremos os nossos contemporâneos a acolher-se e amar-se”. Enfim, “só se formos raízes de paz e rebentos de unidade é que seremos críveis aos olhos do mundo, que nos olha com a nostalgia de ver desabrochar a esperança”.

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Na Missa de encerramento do Congresso, o Santo Padre partiu da pergunta de Jesus em Cesareia de Filipe “E vós quem dizeis que Eu sou?(Mc 8,29), que põe os discípulos em dificuldade e marca a mudança no percurso em busca do Mestre. Conheciam-no, mas ainda não pensavam como Ele. Tinham de passar da admiração por Jesus à imitação de Jesus. Da resposta àquela pergunta que Ele continua a fazer a cada um de nós nasce a renovação do discipulado. E esta renovação segue em três passos: o anúncio de Jesus; o discernimento com Jesus; e o caminho após Jesus.

- O anúncio de Jesus.  Pedro respondeu à pergunta como representante de todo o grupo: “Tu és o Messias!” A resposta é exata, mas, após esse reconhecimento, Jesus manda “que não falem a ninguém sobre ele”. E o motivo, segundo Francisco, é que “dizer que Jesus é o Cristo é correto, mas incompleto, pois há o risco de anunciar um falso messianismo, o messianismo segundo os homens, não segundo Deus. Por isso, Jesus começa a revelar a sua identidade pascal, a que encontramos na Eucaristia, a da entrega em alimento para a promoção da vida. De facto, a sua missão culminaria na glória da ressurreição, mas tinha de passar pela humilhação da cruz. Por esta razão, Jesus impõe silêncio à sua identidade messiânica, mas não à cruz que O espera. E, como observa o evangelista, Jesus começa a ensinar “com absoluta clareza” que “o Filho do homem muito teria que sofrer, que seria rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos mestres da lei, que Eles O matariam, mas que Ele Se levantaria novamente depois de três dias”.

A Eucaristia, diz o Santo Padre, está diante de nós para nos lembrar quem é Deus: Ele não o faz com palavras, mas de forma concreta, mostrando-nos Deus como Pão partido, como Amor crucificado e doado, a tornar-se o servo e o alimento para nos salvar, para nos dar vida.

- O discernimento com Jesus.  A reação de Pedro é tipicamente humana. Depois de confessar o messianismo de Jesus, escandaliza-se com as palavras do Mestre e tenta dissuadi-lo de continuar o seu caminho, pois “a cruz nunca está na moda”. No entanto, ela “cura por dentro” e “é diante do Crucificado que experimentamos uma luta interior benéfica”, o conflito entre ‘pensar como Deus pensa’ e ‘pensar como os homens pensam’. 

Deslumbrado com perspetiva humana, Pedro chamou Jesus de lado e começou a repreendê-lo, ao invés do que fizera antes – coisa que pode acontecer hoje connosco. Podemos continuar a sentir-nos religiosos, mas sem ser conquistados pela lógica de Jesus. Porém, Ele acompanha-nos nessa luta interior, porque quer que nós, como os apóstolos, escolhamos estar com o seu papel. A diferença crucial é entre o Deus verdadeiro e o deus de nós mesmos. Como está longe Aquele que reina em silêncio na cruz, do falso deus com quem gostaríamos de reinar com força e reduzir os inimigos ao silêncio! Ora, como diz Francisco, Jesus não se contenta com declarações de fé, mas pede-nos que purifiquemos a nossa religiosidade antes da cruz e da Eucaristia. É bom estar em adoração face à Eucaristia para contemplar a fragilidade de Deus. 

- O caminho depois de Jesus é também o caminho com Jesus. “Para trás de mim, Satanás!” (Mc 8,33). Jesus atrai Pedro de volta com esta ordem dolorosa e severa, mas com prontidão para ajudar e conceder a graça. E Pedro acolhe a graça de dar um “passo atrás”. Na verdade, o caminho cristão não é a busca do sucesso, mas começa com um passo para trás, com um descentramento libertador, com o afastamento do centro da vida. E então Pedro “reconhece que o centro não é ‘o seu Jesus’, mas o verdadeiro Jesus”. Há de cair novamente, mas de perdão em perdão, reconhecerá cada vez melhor o rosto de Jesus e “passará da admiração estéril por Cristo à imitação concreta de Cristo”.

Pressupõe o Sumo Pontífice que aquele “vade retro” não é uma expulsão ou repulsa, mas uma colocação de Pedro no seu lugar, não à frente de Jesus a comandar (o que os homens querem, inspirados pelo diabo), mas atrás, a segui-Lo. Ora, andar após Jesus é “avançar pela vida com a sua própria confiança, a de ser filhos amados de Deus. É percorrer o mesmo caminho do Mestre, que veio para servir e não para ser servido. É a isso que Ele nos convida: a segui-Lo. E é aí que nos leva a Eucaristia, a sentirmo-nos como um só Corpo, começando pelos outros. 

Por isso, o Papa exorta:

Deixemos que o encontro com Jesus Eucarístico nos transforme, como transformou os grandes e valentes santos que venerais. Penso em Santo Estêvão e em Santa Isabel. Como eles, não nos contentemos com o pouco, não nos resignemos a uma fé que vive de ritos e repetições, abramo-nos à novidade escandalosa de Deus crucificado e ressuscitado, Pão partido para dar vida ao mundo. Então, viveremos com alegria; e vamos trazer alegria.”. 

E concluiu dizendo que o Congresso é ponto de partida para um caminho, o caminho da procura de Jesus que nos convida a olhar para a frente, acolher a novidade da graça e fazer reavivar em nós a cada dia a pergunta que o Senhor, como em Cesareia de Filipe, dirige a cada um de nós, seus discípulos: E tu quem dizes que eu sou?

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Face à Eucaristia, impõe-se-nos a adoração, a comunhão, a oração e a adesão ao projeto salvador de Jesus em comunidade de vida, em partilha, em solidariedade, em caridade.

2021.09.12 – Louro de Carvalho

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