Segundo o que refere o Expresso, na
edição online deste dia 9 de setembro, um grupo de dez autarcas, que inclui
Carlos Carreiras e Isaltino de Morais, considera que a CNE (Comissão
Nacional de Eleições) vai muito “além
das suas competências” ao dar razão a queixas anónimas que procuram “silenciar”
os ‘recandidatos’ às próximas eleições autárquicas.
Ora, no entender daqueles autarcas, “o recandidato não deve ser impedido de
publicitar os seus méritos no exercício da governação, da mesma forma que os
opositores não estão impedidos de invocar os seus defeitos” e erros.
Nesse sentido, o grupo interpôs uma ação administrativa com vista à “abstenção
de comportamentos” da CNE, traduzidos na emissão de recomendações, que prejudicam
os eleitos locais em funções que se recandidatam nas eleições do próximo dia
26.
O grupo abrange autarcas de vários quadrantes políticos dos municípios de
Oeiras (independente), Cascais (PSD), Odivelas (PS), Braga (PSD), no território continental, e ainda seis autarcas da
Região Autónoma da Madeira: Calheta (PSD), Funchal (PS), Machico (PS), Ponta do Sol (PS), Santana (CDS) e Santa Cruz (JPP –
Juntos pelo Povo), que estão
impedidos de publicitar a obra feita desde 8 de julho. A ação – que foi
submetida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal – alega que as
recomendações da CNE estão “viciadas” e extravasam o escopo legal, beneficiando
os rivais dos autarcas em funções.
Do respetivo documento, o Expresso
extrai o seguinte passo:
“O recandidato
não deve ser impedido de publicitar os seus méritos no exercício da governação,
da mesma forma que os opositores não estão impedidos de invocar os seus
deméritos nessa tarefa. Dir-se-á mais: é intrínseco ao conceito de democracia
que quem se recandidata a um cargo público deve poder enaltecer as suas
virtudes, da mesma forma que se sujeita (não se pode opor) a que os opositores
realcem os seus defeitos. Não se lhe pode exigir que revele os seus defeitos
porque melhor o farão os seus opositores.”.
Para os queixosos, a visão da CNE plasmada nas deliberações e recomendações
tomadas, “viola, de forma grosseira, o princípio da igualdade”, restringindo a “liberdade
de expressão” dos recandidatos. Por isso, aduzem:
“Atendendo a
que a entidade demandada tem adotado uma linha que vai muito para além das suas
competências, coarctando inclusive os mandatos legítimos dos autarcas, como já
tivemos oportunidade de demonstrar, tal significa que a mesma se encontra a
prosseguir interesses alheios à finalidade normativa do poder exercido, pelo
que, tal conduta é ilegal e está viciada de desvio de poder, o que determina a
sua invalidade”.
No processo, são apontadas como testemunhas as três mais altas figuras do
Estado: o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da
Assembleia da República, Ferro Rodrigues, o Primeiro-Ministro, António Costa,
bem como o Presidente do Governo Regional dos Açores, José Manuel
Bolieiro, e o Presidente
da Associação Nacional de Municípios (ANMP), Manuel Machado.
O próprio Chefe de Estado esteve envolvido num caso que levou Carreiras a
ser alvo de um processo, quando, em 2017, foi elogiado por Marcelo no âmbito da
inauguração de uma escola em ano de eleições autárquicas. A este respeito, Carlos Carreiras confessa:
“É ridículo. O que Presidente da República fez na
altura um conjunto de declarações sobre o ano escolar, incluindo algumas
considerações positivas a meu respeito. E, após queixas anónimas, foi-me aberto
um processo, que ainda não foi fechado porque naturalmente há dificuldade por
parte do Ministério Público em encontrar fundamentos.”.
Segundo o autarca, tem havido, a nível geral, uma atuação “exagerada” da
CNE face aos presidentes de câmara em funções, que condiciona a sua atividade
já em período pré-eleitoral e põe em causa os direitos constitucionais, numa
tentativa de os “silenciar”, o que “não faz sentido”. Com efeito, a oposição
propõe fazer tudo o que está feito e o candidato que está em exercício não pode
responder “mostrando todo o trabalho que já foi realizado”.
Por sua vez, Isaltino Morais diz
que a queixa contra a CNE é de um conjunto de municípios que entendem que o
órgão superior da administração eleitoral tem tido um “comportamento abusivo e
restritivo” da lei, “confundindo informação com propaganda política”, pois
“os titulares de cargos políticos não deixam de ter a responsabilidade do dever
de informar os cidadãos”. Ademais, como insiste, “a democracia não se suspende
com as eleições”. E eu digo que as autarquias não encerraram para balanço nem o
país está de férias.
Miguel Gouveia, autarca do Funchal, considerando não fazer sentido haver um
“entendimento restritivo” da lei que impede os recandidatos de trabalhar desde
julho, sublinha:
“São três meses em que praticamente um autarca fica
impedido de mostrar o seu trabalho. Num contexto pré-eleitoral, as regras devem
ser iguais para todos. Se outros candidatos não têm que limitar a sua esfera
profissional, porque é que os autarcas, sim?”.
Garantindo que tem procurado sempre respeitar as recomendações da CNE,
Miguel Gouveia admite que a ação servirá sobretudo para “marcar uma posição”
para os autarcas no futuro, que pelo exercício das suas funções não devem ser
prejudicados na sua ação.
Márcio Dinarte Fernandes, presidente da câmara de Santana, lamenta que o
princípio pelo qual se orienta a CNE esteja “invertido”, afirmando que, em vez
de detetar ilegalidades de autarcas, enquanto órgão fiscalizador, “aceita
queixas anónimas que têm sempre uma motivação política ou partidária por trás”.
Filipe Sousa, autarca de Santa Cruz, apontando para o seu caso, fala numa “tentativa
de pressão” sobre a CNE para a deslegitimação do seu trabalho enquanto autarca
e garante que não aceita ficar calado. Vincando que foi eleito por quatro anos
e “não por três anos e meio”, rejeita estar limitado na sua ação enquanto
presidente da câmara de Santa Cruz, apesar das consequências. Diz que
tem sido objeto de vários processos – só nesta semana foram seis – e sustenta
que, quando uma
entidade como o Governo regional coloca em causa o seu trabalho enquanto autarca,
tem que responder.
Recorda o Expresso que, em julho,
a CNE alertou que os autarcas que se recandidatam nas eleições de 26 de
setembro estão proibidos de publicitar a obra feita e fazer publicidade
institucional de atos, programas ou serviços, após a fixação da data do
sufrágio, como avançou o “Jornal de
Notícias”, e que a medida abrange qualquer meio, desde cartazes, panfletos
a redes sociais, sob risco de multas entre os 15 mil e os 75 mil euros. A
fundamentar a proibição, a CNE invoca os deveres de neutralidade e
imparcialidade a que as entidades públicas se encontram sujeitas, designadamente,
o estipulado no art.º 41.º da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais e
de idênticas disposições das demais leis eleitorais. Além disso, a garantir a
igualdade de oportunidades entre candidaturas, exige que os autarcas que se
recandidatam a mais um mandato não possam, por via do exercício das suas funções,
“afetar recursos e estruturas da instituição à prossecução dos interesses da
campanha em curso”.
***
Sobre estas proibições já escrevi oportunamente, restando acrescentar que
invocar os deveres de neutralidade e imparcialidade ou a garantia de igualdade
de oportunidades entre candidaturas é algo de vago que tem de assentar, na
prática, em dados objetivos. E, no caso vertente, at+e funciona ao contrário,
ou seja a favor dos opositores.
Não morro de amores pelos referidos autarcas em exercício, como aliás de
muitos outros. Todavia, penso que, nesta matéria, lhes assiste a razão. A CNE
não está a fazer uma interpretação restritiva da lei, mas uma interpretação caprichosa
da mesma. Se fosse uma interpretação restritiva duma lei que limita a liberdade
de ação, só deveria apreciar as queixas devidamente fundamentadas e em que estivesse
clara e efetivamente em causa o incumprimento no articulado da lei
Por outro lado, a querer a igualdade de oportunidades, está em contradição com
ela, prejudicando os autarcas em exercício. Têm vantagens? É a lei da vida. Também
os opositores, que ainda não têm erros e defeitos de gestão, têm a via aberta
para a crítica, tantas vezes infundada, dos defeitos, vícios, erros e
ilegalidades dos autarcas em exercício (Por outro lado, quando têm razão,
nem sempre são ouvidos).
E é estranho como a CNE vai atuar no encalço de denúncias anónimas. Não é
verdade que o impugnante deve dar a cara?
Mais: como é que CNE atende queixas dum governo regional? O impugnante não
deve estar dotado de legitimidade e, no caso, não tem de ser candidato?
Terá a CNE muito que fazer em matéria de verificar se os autarcas em
exercício afetam “recursos e estruturas da instituição à prossecução dos interesses
da campanha em curso” e se não estão a aliciar demasiado os eleitores e a engrossar
o dinamismo das dependências, por vezes, com a inoculação do medo caciquista. Que
explore este filão e talvez encontre surpresas!
2021.09.09 – Louro de Carvalho
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