Segundo o Comunicado do Conselho de Ministros do
dia 23 de setembro, o Governo resolveu aprovar a criação da figura do
Coordenador Nacional de Garantia para a Infância, com competências e estatuto remuneratório próprios.
Tal
aprovação dá cumprimento à recomendação que estabelece uma Garantia Europeia
para a Infância, adotada, em junho, no âmbito da Presidência Portuguesa do
Conselho da União Europeia (UE), com o objetivo
de garantir igualdade de acesso das crianças em situação vulnerável a serviços
essenciais, concretizando o princípio 11.º do Pilar Europeu dos Direitos
Sociais e o seu Plano de Ação.
Nos termos
do predito comunicado, “o Coordenador Nacional terá como responsabilidades,
entre outras, a elaboração e apresentação de um plano de ação nacional para
implementação da Garantia para a Infância, que abranja o período até 2030, bem
como a realização de um diagnóstico das crianças vulneráveis em Portugal, tendo
em conta as circunstâncias regionais e locais”.
Segundo
dados de Bruxelas, em 2019, quase 18 milhões de crianças na UE (22,2%) viviam em agregados familiares em risco de pobreza ou
exclusão social, situação que dá origem a um ciclo de desigualdade intergeracional,
com efeitos profundos e de longo prazo nas crianças.
A Garantia
Europeia para a Infância, sendo o primeiro instrumento político ao nível da UE
contra a exclusão na infância, visa quebrar este ciclo e promover a igualdade
de oportunidades, garantindo às crianças necessitadas (com menos
de 18 anos e em risco de pobreza ou exclusão social) o acesso a um conjunto de serviços essenciais.
Pretende-se,
por exemplo, que os Estados-membros garantam o acesso efetivo e gratuito à
educação e atividades escolares, cuidados na infância, pelo menos uma refeição
saudável em cada dia escolar e cuidados de saúde, bem como o acesso efetivo a
uma alimentação saudável e habitação adequada.
O plano de ação
do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, reforçado na Cimeira Social do Porto,
que decorreu em maio, estabeleceu como objetivo retirar 5 milhões de crianças
de uma situação de risco de pobreza ou exclusão social até 2030.
***
Já em março,
a Comissão Europeia (CE) adotara uma proposta de recomendação
do Conselho da UE que estabelece uma Garantia Europeia para a
Infância para promover a igualdade de oportunidades às
crianças em risco de pobreza ou exclusão social. E também adotou a
primeira Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança. E, na
preparação de ambas as iniciativas, a CE, em associação com as principais
organizações mundiais de defesa dos direitos da criança, recolheu os pontos de
vista de mais de 10 000 crianças.
No âmbito da
Garantia Europeia para a Infância, Bruxelas recomendou aos Estados-membros
que facultassem às crianças necessitadas o acesso livre e eficaz a
educação e acolhimento na primeira infância, evitando, por exemplo, turmas
segregadas.
Além disso,
as crianças necessitadas deverão ter acesso a atividades em
contexto escolar, como equipamento adequado para o ensino à distância e viagens
escolares e a, pelo menos, uma refeição saudável por cada dia de aulas.
E, ainda, devem ser prestados cuidados de cuidados de saúde a crianças
em risco de pobreza ou exclusão social, serviços que devem ser gratuitos e
estar prontamente acessíveis às crianças necessitadas.
Neste
sentido, Bruxelas apelava aos Estados-membros a que adotassem rapidamente a
proposta de recomendação do Conselho no semestre sob a Presidência Portuguesa.
Os governos
eram, no prazo de seis meses após a sua adoção, incentivados a apresentar à CE
os seus planos de ação nacionais sobre a forma como tencionam implementá-la.
A Comissão
monitorizaria os progressos realizados no âmbito do Semestre Europeu e, se
necessário, emitiria recomendações específicas por país.
***
E, em
junho, o Conselho da União Europeia aprovou, por unanimidade, a recomendação
que estabelece a Garantia Europeia para a Infância, o que configura “uma
vitória” para milhões de crianças – considerava a Ministra do Trabalho, da
Solidariedade e da Segurança Social.
Ana
Mendes Godinho relembrava a “meta ambiciosa” definida no Plano de Ação para o
Pilar Europeu dos Direitos Sociais, de reduzir em 5 milhões, até 2030, o número
de crianças em risco de pobreza ou exclusão social. E afirmava, após a reunião
do Conselho Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores (EPSCO), que se reunira no Luxemburgo, que “a aprovação da
Garantia Europeia para a Infância não é só uma vitória para a Presidência
Portuguesa, mas é uma vitória para 18 milhões de crianças na Europa”.
Entre
as medidas propostas para os 27 Estados-Membros, está a criação de um quadro
político para combater a exclusão social das crianças, fornecer pelo menos uma
refeição saudável em cada dia escolar, assegurar o acesso a material didático,
providenciar transporte para os estabelecimentos de ensino e garantir o acesso
a uma habitação adequada.
Este é o primeiro instrumento da
UE dedicado a combater a exclusão social na infância. Um dos objetivos da Garantia
Europeia para a Infância é cumprir
o princípio 11.º do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, relativo ao acolhimento
e apoio a crianças. Este princípio prevê o direito das crianças à educação e
acolhimento na primeira infância e à proteção contra a pobreza, quebrando o
ciclo de exclusão social.
Cabe aos
27 Estados Membros nomear um Coordenador Nacional da Garantia para a Infância e
apresentar à Comissão, no prazo de nove meses (em março eram seis meses), um plano de ação que cubra o período
até 2030 para aplicar a recomendação. O plano deve incluir as categorias de
crianças e as metas quantitativas e qualitativas como beneficiárias das
medidas, um quadro nacional para recolha de dados, acompanhamento e avaliação,
as medidas previstas para dar execução à recomendação e outras medidas para
combater a exclusão social das crianças e para quebrar os ciclos
intergeracionais de desigualdade.
Em
declarações à agência Lusa após a
aprovação unânime por parte dos ministros dos assuntos sociais, Ana Mendes
Godinho frisou que esta aprovação “é uma grande conquista” porque não se
esperava que a presidência portuguesa concluísse este dossiê em tão curto
espaço de tempo.
A
aprovação no EPSCO prevê que “todos os Estados-membros garantam acesso a
serviços essenciais para crianças em situação de risco ou de privação material
ou em resultado de terem deficiência ou sofrerem de problemas de saúde mental”.
E a Ministra portuguesa, referindo que “os países têm agora nove meses para
adotarem planos nacionais [de ação até 2030] e nomear um coordenador nacional
para garantir que os serviços estão disponíveis de forma gratuita”, realçou que
o objetivo da recomendação é prevenir e combater a exclusão social das crianças
necessitadas e a pobreza infantil através do acesso a um conjunto de serviços
essenciais, assegurando também a defesa dos direitos da criança e a igualdade
de oportunidades.
O
documento recomenda aos Estados-membros a garantia de acesso efetivo e gratuito
à educação e atividades escolares, cuidados na infância, pelo menos uma
refeição saudável em cada dia escolar e cuidados de saúde, bem como o acesso
efetivo a uma alimentação saudável e habitação adequada.
***
É de
recordar que, a 25 de março de 2021, já em vésperas da recomendação da CE, em nome da Comissão do Emprego e dos Assuntos
Sociais, os eurodeputados Lucia
Ďuriš Nicholsonová, Eugen Tomac, Brando Benifei, Dragoș Pîslaru, Elena Lizzi,
Katrin Langensiepen, Elżbieta Rafalska e Sandra Pereira, nos termos do artigo
136.º do Regimento do Parlamento Europeu (PE), faziam, com pedido de
resposta oral, uma pergunta múltipla ao Conselho sobre a Garantia Europeia para
a Infância.
Consideravam
que “todas as crianças
em situação de pobreza devem ter acesso gratuito a serviços de qualidade em
matéria de cuidados de saúde, educação e acolhimento de crianças, bem como a
habitação digna e nutrição apropriada, através de uma Garantia para a Infância
dotada de financiamento adequado”. E observavam que o PE “há anos que apela a
uma Garantia para a infância, uma vez que os níveis de pobreza infantil na
Europa permanecem inaceitáveis e que as políticas existentes são insuficientes”
e que “a situação criou um ciclo intergeracional de pobreza que foi agravado
pela pandemia de COVID-19, deixando milhões de crianças e famílias numa
situação socioeconómica ainda mais precária”. Por isso, perguntavam:
- De que
modo tenciona o Conselho garantir uma abordagem integrada e intersetorial da UE
para combater de forma decisiva a pobreza infantil e a exclusão social,
assegurando um acesso efetivo e gratuito à educação, aos serviços de
acolhimento de crianças e aos cuidados de saúde?
- Como prevê
o Conselho cumprir o novo objetivo da União para 2030 de retirar pelo menos 5
milhões de crianças da situação de pobreza ou de exclusão social?
- De que
modo irão os Estados-Membros reforçar as suas políticas em matéria de proteção
das crianças, educação, habitação, cuidados de saúde, nutrição e acesso a
serviços educativos externos, como, por exemplo, atividades desportivas e
culturais para as crianças, incluindo para as crianças mais vulneráveis,
nomeadamente as crianças com deficiência, as crianças pertencentes a minorias
étnicas, as crianças provenientes de agregados familiares com baixos rendimentos
e as crianças que se encontram em fase de transição de assistência em
instituições?
+++
E,
verificando que há “diversos instrumentos financeiros da UE para combater a
pobreza e a exclusão infantis”, devendo “ser apoiados por investimentos nacionais
sustentáveis e estruturais”, que é frequente a “falta de coesão entre o
financiamento da UE e as políticas nacionais para as crianças e a luta contra a
pobreza e a exclusão social” e que o Semestre Europeu poderá servir para
melhorar o acesso das crianças aos cinco domínios referidos nos relatórios por
país e nas recomendações específicas por país”, perguntavam:
- Como irão
os Estados-Membros assegurar uma utilização eficaz dos fundos e dos recursos
nacionais destinados à aplicação da Garantia para a Infância, apresentando ao
mesmo tempo os seus planos de ação nacionais o mais rapidamente possível, tendo
em conta as necessidades reais a nível nacional, regional e local?
- Como
tencionam os Estados-Membros assegurar que as suas políticas sejam devidamente
planeadas, acompanhadas e revistas, sejam adaptadas às necessidades locais e
individuais, promovam os direitos das crianças e os investimentos com impacto
social e previnam a discriminação?
- Como irão
os coordenadores nacionais da Garantia para a Infância assegurar a sua
coordenação e proceder ao intercâmbio de melhores práticas?
- Como irá a
Garantia para a Infância assegurar uma melhor cooperação entre as várias partes
interessadas, incluindo as autoridades competentes, os organismos nacionais de
promoção da igualdade, a sociedade civil, as crianças e os pais, os serviços
sociais e o setor privado, que são fundamentais para o sucesso deste
instrumento?
***
Resta saber
se coordenadores nacionais e respetivos planos respondem a todas estas
preocupações dos eurodeputados da Comissão
do Emprego e dos Assuntos Sociais, bem como de todas as instituições públicas,
privadas e do setor social e solidário. Deverão, penso eu, começar por elencar
todas as recomendações da CE, do Conselho e do PE, reiteradas, mas um pouco dispersas,
estabelecer prioridades e mobilizar todas as entidades e serviços vocacionados
para o efeito, bem como capacitar outros.
Parece que há muito caminho por andar e que só se anda cuidando, vendo e
agindo.
2021.09.23 – Louro de
Carvalho
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