sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Garantia Europeia para a Infância e coordenador nacional

 

Segundo o Comunicado do Conselho de Ministros do dia 23 de setembro, o Governo resolveu aprovar a criação da figura do Coordenador Nacional de Garantia para a Infância, com competências e estatuto remuneratório próprios. 

Tal aprovação dá cumprimento à recomendação que estabelece uma Garantia Europeia para a Infância, adotada, em junho, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), com o objetivo de garantir igualdade de acesso das crianças em situação vulnerável a serviços essenciais, concretizando o princípio 11.º do Pilar Europeu dos Direitos Sociais e o seu Plano de Ação.

Nos termos do predito comunicado, “o Coordenador Nacional terá como responsabilidades, entre outras, a elaboração e apresentação de um plano de ação nacional para implementação da Garantia para a Infância, que abranja o período até 2030, bem como a realização de um diagnóstico das crianças vulneráveis em Portugal, tendo em conta as circunstâncias regionais e locais”.

Segundo dados de Bruxelas, em 2019, quase 18 milhões de crianças na UE (22,2%) viviam em agregados familiares em risco de pobreza ou exclusão social, situação que dá origem a um ciclo de desigualdade intergeracional, com efeitos profundos e de longo prazo nas crianças.

A Garantia Europeia para a Infância, sendo o primeiro instrumento político ao nível da UE contra a exclusão na infância, visa quebrar este ciclo e promover a igualdade de oportunidades, garantindo às crianças necessitadas (com menos de 18 anos e em risco de pobreza ou exclusão social) o acesso a um conjunto de serviços essenciais.

Pretende-se, por exemplo, que os Estados-membros garantam o acesso efetivo e gratuito à educação e atividades escolares, cuidados na infância, pelo menos uma refeição saudável em cada dia escolar e cuidados de saúde, bem como o acesso efetivo a uma alimentação saudável e habitação adequada.

O plano de ação do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, reforçado na Cimeira Social do Porto, que decorreu em maio, estabeleceu como objetivo retirar 5 milhões de crianças de uma situação de risco de pobreza ou exclusão social até 2030.

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Já em março, a Comissão Europeia (CE) adotara uma proposta de recomendação do Conselho da UE que estabelece uma Garantia Europeia para a Infância para promover a igualdade de oportunidades às crianças em risco de pobreza ou exclusão social. E também adotou a primeira Estratégia da União Europeia sobre os Direitos da Criança. E, na preparação de ambas as iniciativas, a CE, em associação com as principais organizações mundiais de defesa dos direitos da criança, recolheu os pontos de vista de mais de 10 000 crianças.

No âmbito da Garantia Europeia para a Infância, Bruxelas recomendou aos Estados-membros que facultassem às crianças necessitadas o acesso livre e eficaz a educação e acolhimento na primeira infância, evitando, por exemplo, turmas segregadas.

Além disso, as crianças necessitadas deverão ter acesso a atividades em contexto escolar, como equipamento adequado para o ensino à distância e viagens escolares e a, pelo menos, uma refeição saudável por cada dia de aulas. E, ainda, devem ser prestados cuidados de cuidados de saúde a crianças em risco de pobreza ou exclusão social, serviços que devem ser gratuitos e estar prontamente acessíveis às crianças necessitadas.

Neste sentido, Bruxelas apelava aos Estados-membros a que adotassem rapidamente a proposta de recomendação do Conselho no semestre sob a Presidência Portuguesa.

Os governos eram, no prazo de seis meses após a sua adoção, incentivados a apresentar à CE os seus planos de ação nacionais sobre a forma como tencionam implementá-la.

A Comissão monitorizaria os progressos realizados no âmbito do Semestre Europeu e, se necessário, emitiria recomendações específicas por país.

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E, em junho, o Conselho da União Europeia aprovou, por unanimidade, a recomendação que estabelece a Garantia Europeia para a Infância, o que configura “uma vitória” para milhões de crianças – considerava a Ministra do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social.

Ana Mendes Godinho relembrava a “meta ambiciosa” definida no Plano de Ação para o Pilar Europeu dos Direitos Sociais, de reduzir em 5 milhões, até 2030, o número de crianças em risco de pobreza ou exclusão social. E afirmava, após a reunião do Conselho Emprego, Política Social, Saúde e Consumidores (EPSCO), que se reunira no Luxemburgo, que “a aprovação da Garantia Europeia para a Infância não é só uma vitória para a Presidência Portuguesa, mas é uma vitória para 18 milhões de crianças na Europa”.

Entre as medidas propostas para os 27 Estados-Membros, está a criação de um quadro político para combater a exclusão social das crianças, fornecer pelo menos uma refeição saudável em cada dia escolar, assegurar o acesso a material didático, providenciar transporte para os estabelecimentos de ensino e garantir o acesso a uma habitação adequada.

Este é o primeiro instrumento da UE dedicado a combater a exclusão social na infância. Um dos objetivos da Garantia Europeia para a Infância é cumprir o princípio 11.º do Pilar Europeu dos Direitos Sociais, relativo ao acolhimento e apoio a crianças. Este princípio prevê o direito das crianças à educação e acolhimento na primeira infância e à proteção contra a pobreza, quebrando o ciclo de exclusão social.

Cabe aos 27 Estados Membros nomear um Coordenador Nacional da Garantia para a Infância e apresentar à Comissão, no prazo de nove meses (em março eram seis meses), um plano de ação que cubra o período até 2030 para aplicar a recomendação. O plano deve incluir as categorias de crianças e as metas quantitativas e qualitativas como beneficiárias das medidas, um quadro nacional para recolha de dados, acompanhamento e avaliação, as medidas previstas para dar execução à recomendação e outras medidas para combater a exclusão social das crianças e para quebrar os ciclos intergeracionais de desigualdade.

Em declarações à agência Lusa após a aprovação unânime por parte dos ministros dos assuntos sociais, Ana Mendes Godinho frisou que esta aprovação “é uma grande conquista” porque não se esperava que a presidência portuguesa concluísse este dossiê em tão curto espaço de tempo.

A aprovação no EPSCO prevê que “todos os Estados-membros garantam acesso a serviços essenciais para crianças em situação de risco ou de privação material ou em resultado de terem deficiência ou sofrerem de problemas de saúde mental”. E a Ministra portuguesa, referindo que “os países têm agora nove meses para adotarem planos nacionais [de ação até 2030] e nomear um coordenador nacional para garantir que os serviços estão disponíveis de forma gratuita”, realçou que o objetivo da recomendação é prevenir e combater a exclusão social das crianças necessitadas e a pobreza infantil através do acesso a um conjunto de serviços essenciais, assegurando também a defesa dos direitos da criança e a igualdade de oportunidades.

O documento recomenda aos Estados-membros a garantia de acesso efetivo e gratuito à educação e atividades escolares, cuidados na infância, pelo menos uma refeição saudável em cada dia escolar e cuidados de saúde, bem como o acesso efetivo a uma alimentação saudável e habitação adequada.

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É de recordar que, a 25 de março de 2021, já em vésperas da recomendação da CE, em nome da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, os eurodeputados Lucia Ďuriš Nicholsonová, Eugen Tomac, Brando Benifei, Dragoș Pîslaru, Elena Lizzi, Katrin Langensiepen, Elżbieta Rafalska e Sandra Pereira, nos termos do artigo 136.º do Regimento do Parlamento Europeu (PE), faziam, com pedido de resposta oral, uma pergunta múltipla ao Conselho sobre a Garantia Europeia para a Infância.

Consideravam que “todas as crianças em situação de pobreza devem ter acesso gratuito a serviços de qualidade em matéria de cuidados de saúde, educação e acolhimento de crianças, bem como a habitação digna e nutrição apropriada, através de uma Garantia para a Infância dotada de financiamento adequado”. E observavam que o PE “há anos que apela a uma Garantia para a infância, uma vez que os níveis de pobreza infantil na Europa permanecem inaceitáveis e que as políticas existentes são insuficientes” e que “a situação criou um ciclo intergeracional de pobreza que foi agravado pela pandemia de COVID-19, deixando milhões de crianças e famílias numa situação socioeconómica ainda mais precária”. Por isso, perguntavam:

- De que modo tenciona o Conselho garantir uma abordagem integrada e intersetorial da UE para combater de forma decisiva a pobreza infantil e a exclusão social, assegurando um acesso efetivo e gratuito à educação, aos serviços de acolhimento de crianças e aos cuidados de saúde?

- Como prevê o Conselho cumprir o novo objetivo da União para 2030 de retirar pelo menos 5 milhões de crianças da situação de pobreza ou de exclusão social?

- De que modo irão os Estados-Membros reforçar as suas políticas em matéria de proteção das crianças, educação, habitação, cuidados de saúde, nutrição e acesso a serviços educativos externos, como, por exemplo, atividades desportivas e culturais para as crianças, incluindo para as crianças mais vulneráveis, nomeadamente as crianças com deficiência, as crianças pertencentes a minorias étnicas, as crianças provenientes de agregados familiares com baixos rendimentos e as crianças que se encontram em fase de transição de assistência em instituições?

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E, verificando que há “diversos instrumentos financeiros da UE para combater a pobreza e a exclusão infantis”, devendo “ser apoiados por investimentos nacionais sustentáveis e estruturais”, que é frequente a “falta de coesão entre o financiamento da UE e as políticas nacionais para as crianças e a luta contra a pobreza e a exclusão social” e que o Semestre Europeu poderá servir para melhorar o acesso das crianças aos cinco domínios referidos nos relatórios por país e nas recomendações específicas por país”, perguntavam:

- Como irão os Estados-Membros assegurar uma utilização eficaz dos fundos e dos recursos nacionais destinados à aplicação da Garantia para a Infância, apresentando ao mesmo tempo os seus planos de ação nacionais o mais rapidamente possível, tendo em conta as necessidades reais a nível nacional, regional e local?

- Como tencionam os Estados-Membros assegurar que as suas políticas sejam devidamente planeadas, acompanhadas e revistas, sejam adaptadas às necessidades locais e individuais, promovam os direitos das crianças e os investimentos com impacto social e previnam a discriminação?

- Como irão os coordenadores nacionais da Garantia para a Infância assegurar a sua coordenação e proceder ao intercâmbio de melhores práticas?

- Como irá a Garantia para a Infância assegurar uma melhor cooperação entre as várias partes interessadas, incluindo as autoridades competentes, os organismos nacionais de promoção da igualdade, a sociedade civil, as crianças e os pais, os serviços sociais e o setor privado, que são fundamentais para o sucesso deste instrumento?

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Resta saber se coordenadores nacionais e respetivos planos respondem a todas estas preocupações dos eurodeputados da Comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais, bem como de todas as instituições públicas, privadas e do setor social e solidário. Deverão, penso eu, começar por elencar todas as recomendações da CE, do Conselho e do PE, reiteradas, mas um pouco dispersas, estabelecer prioridades e mobilizar todas as entidades e serviços vocacionados para o efeito, bem como capacitar outros.

Parece que há muito caminho por andar e que só se anda cuidando, vendo e agindo.

2021.09.23 – Louro de Carvalho

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