quarta-feira, 8 de setembro de 2021

Abstenção em eleições autárquicas

 

Recentemente alguns politólogos anotavam o crescimento da abstenção em eleições autárquicas desde 2009 e teciam várias considerações sobre o fenómeno.

Ora, já sabemos que a população não tem em grande consideração os políticos e está distanciada dos assuntos políticos. Por um lado, tem-se desinvestido na formação política, salvo honrosas exceções e de predominância político-partidária; e, por outro, o aparelhismo partidário tem-se absolutizado eclipsando o valor dos cidadãos e deixando de parte a ideologia que inspira os partidos, parecendo até que a não politização é uma vantagem social.  

Nestes termos, em vez da política, muitos fazem questão de intervir eufemisticamente no âmbito da cidadania e os partidos tornam-se, também eufemisticamente, paladinos dos pragmatismos.

É óbvio que a política entendida no sentido clássico não esgota o viver e intervir em cidadania, mas também estamos fartos dos que intervêm politicamente e se dizem não políticos, como estamos saturados dos políticos que se perdem, não tanto em chorudos ordenados, mas em esquemas para obterem mais-valias em arrecadamento de receitas próprias, no capital de relação e na satisfação do ego pessoal – isto para não falar em casos de corrupção, promiscuidade entre público e privado e quejandos

Em relação às autarquias locais, costuma dizer-se que os leitores votam nas pessoas ficando os partidos secundarizados. A pari, ao invés do que se passa em eleições legislativas, europeias e regionais, em que a corrida eleitoral é reservada aos partidos isoladamente ou em coligação, podendo as listas partidárias integrar ou não cidadãos independentes, mas propostos e enquadrados pelos partidos, nas eleições autárquicas a corrida eleitoral está aberta a grupos de cidadãos constituídos para o efeito.

Assim, apesar de as eleições autárquicas constituírem o campo privilegiado da relação de proximidade entre os eleitores e os eleitos, o desinteresse pelo ato eleitoral vem crescendo.

E há várias explicações para isso.

Tal como um recandidato a Presidente da República – como os outros candidatos, independente, mas não raro apoiado por grandes partidos – tem, à partida a reeleição garantida pelo desempenho do primeiro mandato, também os autarcas em exercício na crista do poder autárquico têm a seu favor o obra feita e a obra propagandeada, os serviços prestados e a prestar. Isto desmobiliza as oposições e aqueles que lhes poderiam confiar o voto. E só por manifesta incompetência na gestão da coisa pública da parte dos autarcas em exercício na crista do poder ou perante uma vaga de fundo que se constitua em sentido contrário é que se verifica alteração na gestão autárquica.

Também sucede que os dinossauros das autarquias têm apostado no alargamento da rede de dependências, privilegiando “os nossos” e tentando atrair os opositores mais indecisos ou que venham a precisar do benefício legítimo da autarquia, por vezes com o semicompromisso de facilidades, incluindo um emprego público.

A este respeito, recordo casos não raros de quem paga deslocação e outras facilidades para que venham votar “em nós”. Garanto que, se me viessem a abordar nesse sentido, das duas, uma: ou recusava por considerar infame tal atitude; ou aceitaria, mas não votaria no partido ou grupo em causa e, se não encontrasse partido que me agradasse no círculo eleitoral a que pertenço, votaria nulo.

E sobram outras razões, de que relevo: a maioria dos independentes é feita por dissidentes de partidos que lá deixaram de ter lugar ao sol, pelo que a sua independência é de índole duvidosa; e outros mudam de partido conforme as conveniências de momento, remetendo para as calendas gregas a ideologia e os pragmatismos, a não ser os dos interesses pessoais ou familiares.

Por fim, vem, com não menor gravidade, o procedimento que a famigerada lei de limitação de mandatos permite: um presidente de câmara pode candidatar-se a uma câmara diferente daquela que acabou de gerir, pode candidatar-se em segundo lugar à mesma câmara, pode voltar a candidatar-se a presidente, passado um ou dois mandatos; a mesma coisa se pode passar com um presidente de junta, que pode, além disso, candidatar-se a uma união de freguesias que a freguesia que acabara de gerir passou a integrar.

Acresce que, para se cumprir o preceito das quotas de sexo, em muitos lugares há mulheres que integram as listas de candidatura, mas que desistem a seguir, sabe-se lá porquê.

E querem que abstenção não aumente!

Contudo, é preciso ir votar no dia 26 de setembro. O voto continua a ser uma poderosa arma.

2021.09.08 – Louro de Carvalho

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