Precisamente
no dia em que o Governo tomou e anunciou as medidas para a última fase de
desconfinamento que vão entrar em vigor a 1 de outubro, Eurico Brilhante Dias,
Secretário de Estado da Internacionalização, considerou que Portugal ficou a
“ganhar” com a covid-19.
Não
se pode pensar que tenha sido um lapsus
linguae da parte do governante, que bem sabia que estava a dizer algo
chocante, uma vez que advertiu: “vou
dizer uma coisa que pode ser politicamente incorreta”.
Depois,
a explicar o que não tem explicação, explanou a razão por que julga que nós
ganhámos com a covid-19: “Portugal foi um
país que, tendo as suas dificuldades, enfrentou a covid com bastante êxito”.
Ora,
ainda que tivesse sido verdade, que o não foi totalmente… Uma pandemia que
originou uma crise económica e social de todo o tamanho e provocou um terrível
desconforto humano, por mais lucros que possa trazer, tem sempre perdas enormes
em termos contabilísticos e perdas incalculáveis porque atinentes à vida
humana, que não tem preço, a não ser o do sangue de Cristo na ótica dos
crentes.
Admite
o Secretário de Estado que “evidentemente faleceram muitas pessoas” e que “passaram
muito mal”. Porém, esqueceu que os serviços de saúde iam colapsando; as
restantes doenças ficaram para trás durante muitos meses; o país quase parou
economicamente; houve cercas sanitárias, confinamento, calamidade e emergência,
funerais quase clandestinos, lutos por fazer, sequelas na saúde deixadas pela
covid, a nível físico e a nível mental, relações familiares saturantes, eclipse
dos eventos e mostras culturais e desportivas, quebras irreversíveis nas
diversas valências do turismo, alteração drástica nos contactos sociais,
incertezas a todos os níveis, multiplicação de gastos a nível da imunização e
desinfeção e a nível dos equipamentos de proteção individual, que teimavam a
não aparecer no mercado; faltava material de apoio à recuperação da suade,
nomeadamente ventiladores; há conteúdos escolares e académicos não aprendidos
cuja recuperação é muito difícil para muitos estudantes; cresceram as
desigualdades.
E,
sobretudo, as pessoas deixaram de se olhar cara a cara e criaram-se
desconfianças mútuas!
O
governante apontou Portugal como “um país organizado que enfrentou uma realidade
disruptiva com sucesso”. Que organização? Impôs-se a utilização das máscaras
sem que se soubesse quem as forneceria, quando no ano anterior ao conhecimento
da covid os chineses aqui residentes compravam as existentes e as usavam ou
remetiam para o seu país de origem.
Figuras
públicas certificaram-nos em março de 2020 de que a epidemia não aterraria em
Portugal ou que os casos seriam residuais. Andámos atrás e à frente. Os
materiais faltavam ou eram exorbitantemente caros ou vinham com manuais
vertidos em língua não utilizada em Portugal pela maioria dos profissionais. E
alguns enriqueceram à custa deste negócio.
É
certo que tudo acabou por aparecer e encontrámos o rumo, mas custou e levou
tempo. E isto, sem fazer contas às moratórias, aos equipamentos de proteção
coletiva em estabelecimentos abertos ao público e aos gastos que o Estado
despende em apoios diversos a empresas e trabalhadores e em vacinas…
Como
é que o Secretário de Estado da Internacionalização pôde afirmar que
“rapidamente em 2020 fomos das primeiras economias a reabrir e a mostrar que a
economia estava aberta e isso teve um efeito positivo sobre a marca Portugal”,
quando os efeitos do confinamentos ainda estão por calcular? Até o Primeiro-Ministro,
questionado sobre esta polémica, rejeitou comentar e disse: “Concentremo-nos no essencial”.
Segundo
dados mais recentes da DGS, a pandemia já provocou 17.938 mortes em Portugal e o
número de pessoas infetadas pelo coronavírus é superior a 1 064 876. É um ganho
grande, não?!
É
certo que se inventaram muitas atividades, muitas empresas se reconverteram,
muitos modos de comunicação e de presença se descobriram e intensificaram e o
país se relevantará, mas o tempo perdido não se recupera. O governante podia ter
visto na crise uma oportunidade, mas nunca um ganho.
Instado
a um pedido de desculpas às famílias das vítimas diretas e indiretas da
pandemia – letais ou não –, a desculpa, que não o é, recaiu sobre o
entendimento incorreto das palavras do Secretário de Estado.
***
Fazendo
apelo à memória, torna-se-me claro que é recorrente a colocação do ónus da
culpa dos disparates de governantes e outras figuras públicas na interpretação
errada que fazemos das suas declarações.
A
este respeito – e para não estar a “pelourinhar” apenas um governante atual e
só dum determinado partido – recordo que o então Ministro da Defesa Nacional,
Fernando Nogueira, questionado por que motivo se reparou, nas OGMA, motor de avião
da indonésia (que ocupava Timor-Leste), respondeu que não se sabia que
o motor era da Indonésia, porque o motor foi entregue por uma firma francesa e “os
motores não têm número nem marca de origem”. Disse-o perante a Assembleia da
República e pela Televisão. Que diabo! Fazer de todos nós parvos…
E,
se falarmos em comentadores, principalmente comentadores políticos, e até
apresentadores de televisão, confrange a pretensa preocupação assaz expressa
por que os portugueses em casa percebam ou a asserção que o povo não entende,
as pessoas não percebem.
Recordo
que Vítor Gaspar falava muito devagar para que deputados, jornalistas e
portugueses em geral tomassem nota e percebessem. E a deputados e jornalistas até
advertia: “vejam na página x ao fundo” ou “virem a página”.
E
aqueles manuais do aplicador para as provas finais d 2.º e 3.º ciclos, fornecido
pelo GAVE, ora IAVE-IP, tratavam o professor como um mentecapto escrevendo tudo
o que este devia dizer aos alunos, incluindo coisas como: “minhas meninas e
meus meninos”; “vira a página”; “para aí”; “revê o que fizeste e corrige”; “não
assines”…
Farta
tratarem-mos como incompetentes em hermenêutica elementar. É certo que há roídos
de comunicação, mas a média dos portugueses está alfabetizada e, sobretudo, não
quer receber lições dos políticos. Antes quer que eles sejam verdadeiros
“poli-iatras”, ou cuidadores dos supremos interesses da pólis e do bem-estar
dos cidadãos.
De
resto, apesar do ambiente de medo promovido nalguns universos eleitorais e do
regime de dependências criado por alguns caciques nacionais, regionais e
locais, muitos cidadãos sabem muito bem distinguir em quem votar, o que se vê
por algumas discrepâncias entre o voto de alguns eleitores para câmara
municipal, assembleia municipal e assembleia de freguesia. E, se muitos alinham
no status quo, fazem-no ao serviço
dos seus interesses, na convicção de que quem está com o poder instituído tem
benefícios e quem não está terá restos.
Se
querem que nós os entendamos no melhor sentido, não falem ao virar da esquina.
Pensem primeiro e falem a seguir.
Lembro
que alguns políticos com responsabilidades governativas ou oposicionistas
gostam de tratar os portugueses como crianças ou adolescentes explicando que
algumas medidas branqueiam o problema sem o erradicarem, funcionando como a
aspirina que não cura a doença, só ataca os sintomas. E, na sua iliteracia
sanitária, um até quis combater o “vírus” (o SARS-CoV-2) com antibiótico. Só há um
político – altamente colocado – que sabe mais que os especialistas das áreas da
saúde. Só não refiro o seu nome para não beliscar a sua soberba modéstia.
A
palavra é como a pedra que nos sai da mão ao atirá-la: nunca sabemos aonde vai
cair e quem vai atingir. Só a dominamos enquanto está do nosso lado. Por isso,
temos de cuidar da sua emissão e receção em boas condições.
Ainda
no domingo, a par dos discursos inflamados, admirei a inusual paciência do
Primeiro-Ministro a responder aos jornalistas e a serenidade constrangida dum
candidato derrotado a declarar que não iria analisar naquele momento os
resultados eleitorais, mas que o povo votou e, como democrata, aceita os
resultados.
A pari, vi o líder renovado da
socialdemocracia satisfeito com os resultados do seu partido apesar de algumas baixas
expectativas alimentadas por jornalistas e comentadores. Só notei uma
duplicidade de critérios sobre sondagens. Gostou das que lhe davam o empate com
vantagem em Coimbra e não das que davam a derrota em Lisboa. Por isso, propor
que as sondagens ou não se façam ou se façam em condições é supor que as
sondagens devem ser um instrumento infalível ou que são um fator perverso.
Ora,
como toda a gente sabe, pode haver sondagens pagas para um determinado sentido
e isso não é sério. Porém, as sondagens são um instrumento previsional e só
valem como tal. De resto, podem falhar por várias razões: o retrato que as
sondagens produzem das intenções de voto num determinado momento pode não ter
sido representativo da realidade de então; pode o perfil do eleitor inquirido
ser mais próximo de um ou de outro dos candidatos; pode haver alterações na
intenção de voto entre o momento da sondagem e o da eleição; a amostra pode não
ser suficientemente diversificada; os inquiridos podem ter mudado de intenção
de voto ou não ter sido sinceros aquando do inquérito; pode haver um
crescimento ou uma inversão da tendência sobre a perceção das qualidades ou dos
deméritos dos candidatos; podem surgir danos ou benefícios colaterais, como
pode surgir um determinado perfil de elemento saliente duma das candidaturas; e
pode a publicação de sondagens gerar um efeito no eleitorado, mobilizador, ao
verem o seu candidato em risco, ou desmobilizador, ao verem o seu candidato de
pedra e cal.
Ora,
como estamos num campo e atividade volúvel e perante dados de ciências sociais
e humanas, estas coisas devem ser tratadas tendo em conta as diversas variáveis
e jogar sempre e em tudo pelo seguro, não fazendo carregar os outros com o ónus
das nossas culpas, sobretudo se exibicionistas, e não os tratar como ineptos de
entendimento!
2021.09.28 – Louro de Carvalho
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