sábado, 25 de setembro de 2021

“Confinamento e Comunicação”

 

Foi o tema das Jornadas de Comunicação Social promovidas pelo SNCS (Secretariado Nacional das Comunicações Sociais) da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa), que decorreram de 23 a 24 de setembro, presencialmente em Fátima e online.

Na sessão de abertura, Dom João Lavrador, presidente da Comissão Episcopal responsável pelo setor dos media, disse que a pandemia provocou “ruturas comunitárias” que importa superar no futuro imediato. Depois, Isabel Figueiredo, diretora do SNCS apresentou o programa e os trabalhos continuaram com uma partilha de experiências das várias dioceses, a que se seguiram as diversas conferências e subsequentes debates.

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O Padre José Gabriel Vera, secretário da Comissão Episcopal das Comunicações Sociais da Conferência Episcopal de Espanha disse que a “comunicação da Igreja não pode fechar” e sublinhou as “aprendizagens” proporcionadas pela pandemia, que, tendo sido “um tempo difícil para a vida da Igreja, para muitas pessoas e também difícil para a comunicação da Igreja”, ensinou muito e criou “muitas oportunidades”. Com efeito, “muita gente podia fechar os trabalhos, os escritórios, mas a porta fechada da Igreja parecia uma ofensa”.

O sacerdote relatou que as primeiras duas semanas de confinamento foram passadas a tentar “aprender a trabalhar em casa”, vendo nesse ensinamento uma “oportunidade de aprender para o presente e futuro”. E passou em revista várias das iniciativas levadas a cabo para contrariar a ideia de Igreja de “portas fechadas”, as quais ajudaram a mudar a perceção da opinião pública sobre a ação das comunidades católicas em resposta à crise provocada pela covid-19.

O conferencista vincou a importância duma “comunicação que conta histórias”, para lá da transmissão das Missas, que “ajudou” a tornar visível que a Igreja continuava a celebrar.

O eclesiástico da Diocese de Pamplona, na conferência ‘Zoom out: Análise e perspetivas’, afirmou que, quando chega uma crise, alguém tem de ocupar-se em “manter a luz”, porque a “Igreja não pode fechar as portas e a comunicação da Igreja não pode fechar”. E acrescentou:

A comunicação em tempo de crise é muito mais importante, tem de crescer. Uma aprendizagem que nos obrigou a estar sempre disponíveis para os meios de comunicação social e também para a comunicação interna – as instituições, os sacerdotes, delegações –, que é muito importante que continuem a comunicar.”.

O também professor de Comunicação Social disse que as transmissões são “uma oportunidade de evangelização” e há “públicos novos” que podem ajudar as comunidades católicas a crescer, a vários níveis. Quanto à utilização de recursos digitais, sustentou que a “Igreja deu um alto de 10 anos” durante a pandemia, referindo que, em Espanha, “todas as instituições diocesanas, todos os bispos estão nas redes sociais”. E incentivou à produção de “podcasts”, mesmo com comunicações institucionais, e salientou, no âmbito da revolução digital e das publicações em papel, que “não há respostas definitivas”, pelo que têm de conviver “os dois modelos” como “portas de entrada” para as pessoas, que procuram conteúdos diversificados, na Igreja Católica.

Sobre o trabalho do seu gabinete de comunicação, observou que os meios de comunicação social “têm cada vez menos meios” e precisam de mais conteúdo que as dioceses podem propor, oferecendo textos, áudios, vídeos, fotografias. E realçou que é preciso contar histórias com “rostos concretos” e que os jornalistas “todos os dias” procuram “histórias bonitas da Igreja”.

Sobre o problema das ‘fake news(notícias falsas), o sacerdote espanhol, que é doutor em Comunicação Pública, explica que a Igreja tem de “trabalhar mais, trabalhar antes, trabalhar mais rápido”, para, quando essa notícia chegar, já ter comunicado “o que é a realidade” e alertou para as “deepfake”, isto é, os vídeos falsos, que parecem ser conteúdos verdadeiros.

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No segundo dia, as Jornadas deixaram um desafio à promoção da inclusão” nas narrativas mediáticas, em particular no atinente às pessoas com deficiência. A este respeito, Carmo Diniz, diretora do Serviço de Pastoral a Pessoas com Deficiência do Patriarcado de Lisboa, afirmou:

Além das denúncias, há mais que importa trazer, há pessoas com deficiência que têm dificuldade de mostrar as suas capacidades e aí a comunicação social pode fazer mais e melhor”.

A conferencista apresentou uma reflexão sobre as capacidades e barreiras de pessoas sem deficiência e com deficiência, pedindo comunicação social de inclusão. E apontou:

A exclusão diminui-nos e torna-nos mais pobres. Na escola, incomodam a educação dos outros meninos, no trabalho ninguém acredita nas suas capacidades, na igreja incomodam as celebrações.”.

A responsável, mãe de cinco filhos, sendo um portador de deficiência profunda, convidou a “aprender a humildade e alegria” com as pessoas com deficiência, destacando que elas “precisam de mais tempo para mostrar as suas capacidades”.

Depois, os participantes nas Jornadas Nacionais ouviram um conjunto de intervenções subordinadas a cinco verbos: “apoiar, aprender, aproximar, conhecer e incluir”.

Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa, agradeceu à comunicação social a “escuta ativa e de propósito” neste tempo de pandemia, antes de assinalar que essa atitude “fez a diferença neste ano e meio”. “Nos tempos de pandemia, cumprir a nossa missão à distância foi difícil, criativo e muito desafiante, o meu obrigado porque o papel da comunicação social foi muito claro, de todo o tipo, dos meios regionais aos nacionais, e a forma como nos alinhámos na informação fez toda a diferença”, referiu a dirigente daquele organismo nacional, para quem a comunicação não pode servir só para denunciar injustiças mas também tem de servir para “anunciar e informar”.

Por sua vez, Jaime Barbosa, irmão marista, abordou o contraste da educação em países em vias de desenvolvimento, como Moçambique, onde esteve recentemente, e nos países com mais capacidades tecnológicas. Este professor de educação Moral e Religiosa Católica referiu a grande transformação que os professores sofreram, durante a crise provocada pela covid-19, por caminhos diferentes e com “maior abertura à comunicação com os pais”. E admitiu:

Tivemos de nos adaptar, surgiu um movimento de partilha entre professores e, a dada altura, estávamos com novas facetas de professor a aprender a dar aulas no online, desde o pivô televisivo, a sermos editor de vídeos, informáticos ou psicólogos”.

O religioso apontou que “os professores não podiam estagnar” e houve a necessidade de se atualizarem, “desde ferramentas, a metodologias, mudando regras e sabendo ler muito bem a realidade”.

Por seu turno, Luís Jacob, presidente da Direção da Rede das Universidades Seniores, trouxe o verbo “aproximar” e contou que, perante as limitações da pandemia, foi necessário “passar para outro modelo para manter o contacto”. E realçou:

Este é um projeto social de contacto, de afeto e de proximidade; houve universidades que apostaram no contacto telefónico, outras foram pessoalmente a casa dos seniores, o online inicialmente muitos não aderiram, mas depois quem aderiu evitou a sensação de isolamento, mas outras instituições que resolveram voltar às cartas”.

Recordou que, em pandemia, surgiu a criação da universidade sénior virtual, um “projeto universal” que conseguiu chegar a “outros públicos, como cuidadores informais, pessoas doentes ou seniores que residiam nas aldeias”. Reafirmou o papel das Universidades Seniores acreditando que, com a aprendizagem pós-pandemia, o verbo “aproximar” vai passar por um “sistema híbrido”, conjugando o presencial e o online, “permitindo chegar a outras pessoas”.

O verbo “conhecer” foi da responsabilidade de Margarida Franca e Sandra Moreira, da ONPT (Obra Nacional da Pastoral do Turismo), que destacaram a área que “tanto sofreu no tempo de pandemia” e que tem de ser vista através de outra perspetiva. E Sandra Moreira assumiu:

O turismo não pode ser visto só na questão dos postos de trabalho, mas também na perspetiva da casa comum, de manter as tradições e da sustentabilidade”.

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Nelson Ribeiro, diretor da FCH (Faculdade de Ciências Humanas) da UCP (Universidade Católica Portuguesa), a partir do tema da sua conferência “Comunicar encontrando as pessoas onde estão e como são”, advertiu que a comunicação está “permanentemente ameaçada pela desinformação”, e alertou para o facto de “inconscientemente” cada cidadão participar nela, pelo que urge promover a literacia informativa. E, neste sentido, afirmou:

Hoje há instrumentos ao nosso dispor para desmascarar a desinformação. Como sociedade precisamos de apostar na formação dos cidadãos, no pensamento crítico para distinguir a desinformação da informação.”.

O responsável afirmou ser necessário “credibilizar as fontes” e valorizar a “função nobre do jornalismo”. E acrescentou:

O agradecimento [aludido]é sobretudo um reconhecimento da importância que o jornalismo tem nas sociedades contemporâneas e a missão de impedir a proliferação de discursos de ódio e dos medos a inculcar nos cidadãos”.

Nelson Ribeiro vê o repto deixado pelo Papa Francisco aos jornalistas para “gastarem a sola dos sapatos” como um investimento nas relações interpessoais, pelo que frisou:

As relações interpessoais influenciam o nosso dia a dia, precisamos de estar com os outros para criar comunidade e para desenvolvermos o nosso potencial cognitivo”.

Em defesa da liberdade de imprensa, disse que é essencial para um “debate público esclarecido” e “um antídoto para o aparecimento de ditaduras”.

De acordo com o tema da sua intervenção, o professor Nelson Ribeiro afirmou que a comunicação tem um nível “de conteúdo e também de relação”: “quando descuramos a dimensão da relação, a comunicação deixa de acontecer”, facto que pode estar a abrir espaço para os influenciadores digitais. E questionou:

Os influenciadores digitais, que são produtores de conteúdos, constroem relação com os seus seguidores – na forma como comunicam, como se preocupam com os seguidores, como querem melhorar o seu estilo de vida. Até que ponto os jornalistas estão a descurar a sua capacidade de relação e, nesse sentido, a perder para os influenciadores digitais?”.

O conferencista valorizou a imprensa católica pela proximidade que estabelece e criticou a “referência” votada à imprensa nacional: “a imprensa local tem a capacidade de criar relações que deve ser aproveitada e potenciada”.

O professor Nelson Ribeiro, criticando o “copy paste” nas redações que investem tempo em noticiar “o que se encontra em outros locais” e não investem em contar histórias, sublinhou:

Se as redações têm hoje menos recursos, também é verdade que perdem muito tempo a fazer informação fotocópia que em pouco interessa o serviço público. Os meios que terão futuro são os que vão investir em contar histórias e não a contar as notícias que teremos acesso em outros locais.”.

E alertando para uma mudança de paradigma na comunicação: se antes era o cidadão que procurava a informação, hoje é informação que vai ao seu encontro, com “conteúdos elaborados por algoritmos, adequados ao tamanho dos telemóveis”, apontou o facto de os “media sociais” potenciarem a perceção de uma opinião unânime e potenciadora de “desinformação”.

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Por fim, Dom João Lavrador, presidente da presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais Comissão Episcopal, entidade responsável pelo setor dos media, disse que é necessária uma comunicação “corajosa, muito oportuna”, para “desafazer ou contrariar as falsas notícias”.

O também bispo eleito de Viana do Castelo assumiu a intenção de alargar um núcleo de pessoas ligadas à comunicação, para estar na “vanguarda” sobre os acontecimentos. “Que a verdade consiga desfazer o erro, o que é falso”, augurou.

O presidente da Comissão Episcopal da Cultura, Bens Culturais e Comunicações Sociais prestou homenagem aos jornalistas que estiveram “na linha da frente” durante a pandemia, “altura em que foi tão difícil comunicar”.

O prelado evocou o “trabalho de aproximação” com as comunidades católicas, perante a experiência “dolorosa” da suspensão das celebrações comunitárias, bem como a evolução digital destes últimos meses, considerando-a “uma conquista extraordinária para enriquecer a comunicação”, mas destacando a consciência dos seus limites.

Dom João Lavrador sublinhou que a comunidade é “fundamental” para a Igreja e a sociedade, assinalando a importância de escutar as várias realidades e experiências locais, pois “é necessário que nós cresçamos na sinodalidade, na comunicação”.

E a diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais, Isabel Figueiredo, passou em revista as várias intervenções dos dois dias, destacando que a consciência das limitações é “o caminho para começar” e alterar as situações.

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Comunicar é um ato essencial à pessoa, quer pelo conteúdo, quer pela atitude como tal, pois é uma categoria relacional. Portanto, a comunicação deve ser promovida, valorizada, multiplicada, enobrecida. Mal anda quem a desvirtua, falseia ou dela abusa. Seja como for o ensimesmamento é contrário ao devir humano. É no diálogo, na relação que o ser humano se realiza em comunidade, se eleva e expande.  

2021.09.25 – Louro de Carvalho

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