sábado, 11 de setembro de 2021

No 4.º aniversário da morte de Dom António Francisco dos Santos

 

Não deve, nem deve cair – e não cairá – no esquecimento a memória deste ilustre membro do presbitério diocesano de Lamego, onde serviu a Igreja com empenho e sabedoria, dando testemunho da proximidade de Deus e da humanidade do Reino, e que, depois, foi vocacionado para o serviço da arquidiocese de Braga como Bispo auxiliar e titular de Meinedo (diocese antiga que desapareceu e cuja sede se situa na área territorial da diocese do Porto) e, sucessivamente, Bispo de Aveiro e Bispo do Porto, cargo eclesial em que, de súbito, finou os seus dias na terra a 11 de setembro de 2017.

É de registar que a Diocese de Aveiro inscreveu no seu calendário litúrgico, a 11 de setembro, o aniversário do falecimento de Dom António Francisco dos Santos e a Diocese do Porto assinalou a efeméride com a celebração da Missa de sufrágio pelos bispos, presbíteros e diáconos que foram desta Diocese do Porto, na Catedral, pelas 10 horas.

Em termos de mensagem/conteúdo, são de destacar dois artigos: “Dom António Francisco dos Santos – 4 anos depois – um sabor a diálogo”, de Adão Sequeira, publicado no blog da ASEL (Associação dos Antigos Alunos dos Seminários da Diocese de Lamego); e “Dom António Francisco dos Santos, um bispo com estilo sinodal”, de Rui Saraiva, publicado no Vatican News.

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Adão Sequeira, em forma de diálogo com Dom António, considera que “ninguém morre enquanto viverem e falarem os seus atos ou forem modelo de vida os seus exemplos” e que, embora passe o tempo, a semente das centenas de mensagens espalhadas nas terras que o sacerdote e bispo calcorreou dá “ainda força a quem delas já precisou”.

Mais salienta a figura do Bispo de “cruz ao peito, sorriso nos lábios, mão suave estendida” e “no meio da multidão, junto de crianças, entre os teus párocos ou um sem-abrigo por perto”. Chama vida espalhada “em silêncio ruidoso” a isto, bem como aos “cartões de aniversários, boas festas de Natal, parabéns de atos vividos ou lenitivo nas dores da vida”, observando que é “toda uma pastoral de alegria e esperança que continua ainda a florir nas casas” aonde Dom António entrou, nos documentos dos amigos, nas paróquias das dioceses que serviu e nas malas de emigrantes a quem emprestou a ajuda de proximidade.

Enumera o insigne articulista – de quem recordo a sua hábil pena nas páginas da “Estrela Polar”, o jornalinho do Seminário Maior de Lamego, que bem soube dirigir – os vários tipos de beneficiários da ação pessoal e pastoral de Dom António: cada um dos padres de Aveiro, Braga, Lamego ou Porto; cada um dos amigos; os sem-abrigo; os pobres; os doentes conhecidos; as mães dos párocos quais irmãs da mãe deste Bispo, a Dona Donzelina; e todos os aselistas que o recordam e veneram.  

E Adão Sequeira assinala que, no 4.º ano da partida para o Pai, é o “tu” dos seus que aqui fica lembrado, “um ‘tu de respeito evocativo da ‘tua’ bondade” e “o ‘tu’ da irmandade, da proximidade nos homens e igualdade em Deus”.

Segue, depois, um rol de notícias:

Recorda que o menino frágil que batizara na IPSS Kastelo “está bem e o Covid não entrou lá”, pois “dizem que entregaram a ti a sua proteção”.

Acrescenta ao que se diz da “bondade e santidade” deste bispo a “competência pastoral”, o “carinho” aos seus párocos, a sua “dignidade humana”, o seu “humanismo social”, a sua “visão comunitária” e o seu “carisma solidário”.

Observa que os “livros, teses, estátuas, bustos, quadros, pinturas, prémios, salas, ruas, avenidas, rotundas e até brevemente pontes” com o seu nome, tudo “isso é bom”. Efetivamente, são “restos de vida dum tempo que foi” e que levantarão “a sua voz” se os homens se vierem a esquecer de falar dele.

Sublinha que ainda se diz que “a Alegria do Evangelho é a Nossa Missão” e que “os pobres não podem esperar” – teclas que Dom António Francisco não deixava de premir.

Conforta-o com algumas belas informações: continua fresco o ramo de bonitas flores naturais em cima do seu sepulcro, evocando a beleza e a frescura do seu convívio e das suas reconfortantes palavras; a Sé do Porto (que foi sua) “está em obras e a diocese está bem”; “está em reestruturação” o seu Seminário de Lamego; Cinfães continua a lembrar a sua pessoa e obra; e Aveiro deu-lhe uma avenida e guarda a sua memória.

Escrevendo a partir de Fátima, o articulista recorda o 13 de maio de 1967, quando ali vieram pela 1.ª vez, no cinquentenário das aparições, e o 9 de setembro de 2017 no centenário das mesmas, em que O Bispo sem avisar ali se despediu. E conclui:

Entregaste a tua diocese e o seu povo à ‘Mãe’ e partiste. Não deixaste órfãos. É suave continuar viagem contigo, mesmo que sigas na outra rua ao lado. Estas as notícias que tinha para te dar e aqui tas deixo.”.

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Rui Saraiva, por sua vez, evoca a figura do Bispo do Porto que deixou marca na diocese pela sua proximidade, sensibilidade, amizade, espírito evangélico e visão estratégica; lançou caminho para um Sínodo Diocesano que não teve ensejo de concretizar, pois o Senhor o chamou a 11 de setembro de 2017. Completaria 73 anos no passado dia 29 de agosto.

Recorda este colunista que, na homilia da sua Entrada Solene na diocese do Porto, em abril de 2014, disse aos diocesanos: “Convoco-vos para sermos mensageiros e protagonistas das Bem-Aventuranças numa linguagem serena, positiva e confiante, como expressão da voz de toda a Igreja do Porto”. E foi com esta serenidade e confiança que Dom António Francisco viveu os três anos que dedicou à diocese entre 2014 e 2017 marcando profundamente as pessoas que com ele se cruzaram.

Na manhã de 11 de setembro de 2017, o coração fraquejou e não aguentou, falecendo no Paço Episcopal aos 69 anos, completados a 29 de agosto.

Dois dias antes, a 9 de setembro, presidira à grande Peregrinação Diocesana a Fátima, um momento de enorme alegria e unidade, em que pediu comunhão e mobilização para a missão:

Que este seja o dia e o lugar do milagre para a Igreja do Porto que daqui parte enviada em missão e fortalecida pela proteção e bênção da Senhora de Fátima. Que este seja o dia e o lugar do milagre da alegria de sermos Igreja do Porto a viver em comunhão e mobilizada para a missão.”.

Das muitas iniciativas da ação pastoral de Dom António Francisco na diocese do Porto destaca-se a implementação em 2015 de um Plano Diocesano de Pastoral como um percurso a percorrer rumo a um “caminho sinodal aberto a todos” que se realizaria a partir de 2020. Não pôde concretizar esse objetivo, mas ficaram o seu testemunho, a sua atitude e os seus textos que poderão ser, de algum modo, inspiração para o Sínodo a que o Papa chama toda a Igreja nos próximos anos.

Para ir preparando o caminho sinodal que queria concretizar, Dom António Francisco enviou para Roma o padre Sérgio Leal para estudar Teologia Pastoral na Universidade Lateranense, o qual referiu, numa entrevista à Rádio Vaticano, em 2018, que a sua tese de licenciatura procurou ser fiel ao pedido do Bispo do Porto, pois ele próprio tinha um estilo sinodal:

A sinodalidade como estilo pastoral, partindo do magistério do Papa Francisco, de algum modo penso que fica fiel àquilo que era o pedido do senhor Dom António, que era este o seu estilo, um estilo sinodal. Como disse na entrevista à Rádio Renascença, na primeira entrevista que dá como Bispo do Porto: ‘o bispo não trabalha sozinho, é irmão de todos, deve trabalhar com todos’. Esta é uma marca sinodal que está desde o início no seu coração.”.

Numa entrevista concedida à Rádio Vaticano em setembro de 2014, Dom António Francisco, revelou ter-se inspirado na pedagogia pastoral e na planificação do Papa quando era arcebispo de Buenos Aires, o que repetiu em setembro de 2016, na igreja matriz de Santa Maria da Feira, como eu bem ouvi:

A eleição do Papa Francisco surpreendeu-nos como Deus nos surpreende sempre com bem e levou-me a procurar o itinerário do Papa Francisco como arcebispo de Buenos Aires, para perceber os caminhos que ele tinha percorrido, as metas a que ele se tinha proposto, a pedagogia pastoral que ele tinha exercitado na sua vida de pastor numa diocese. E surpreendeu-me com esta capacidade que ele tinha da proximidade e de ir ao encontro das comunidades e de levar sempre esta doce alegria de evangelizar e, ao mesmo tempo, este encanto pelo amor de Deus. Um Deus que nos ama transforma-nos, um Deus que nos ama coloca-nos ao serviço dos outros e esse testemunho da aprendizagem da sua pedagogia pastoral, da sua planificação pastoral em Buenos Aires ensinou-me muito.”.

E, na primeira edição do Plano Diocesano de Pastoral do Porto, em 2015, escreveu:

Abre este Plano um novo horizonte pastoral de trabalho eclesial e afirma a importância de assumirmos, na corresponsabilidade pastoral, um espírito sinodal que a todos envolva, mobilize e coloque em permanente ‘estado de missão’ e sempre em comunhão com a Igreja Universal, atentos ao Magistério do Papa Francisco”.

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Dom António Francisco dos Santos era natural de Cinfães, na Diocese de Lamego onde nasceu a 29 de agosto de 1948. Concluiu o Curso Superior de Teologia em 1971, no Seminário de Lamego. depois de algum tempo em trabalho pastoral, estudou Filosofia e Sociologia em Paris. Era licenciado em Filosofia e Mestre em Filosofia Contemporânea pelo Instituto Católico de Paris. Foi ordenado presbítero em 8 de dezembro de 1972. Na Diocese de Lamego foi chefe de redação do jornal “Voz de Lamego”, professor e vice-reitor do Seminário Maior de Lamego e Pró-Vigário-Geral. Em França, prestou serviço junto da comunidade portuguesa emigrante. Foi professor nas escolas da Obra Social de Lamego e também no ensino público, tendo, neste âmbito, trabalhado no CAE do Douro Sul com as especiais missões de apoio ao ensino profissional e ao projeto de escolas promotoras de saúde.

Recebeu a nomeação episcopal para Bispo-auxiliar de Braga, com o título de Meinedo, a 21 de dezembro de 2004. A sua ordenação episcopal teve lugar no dia 19 de março de 2005, na Sé Catedral de Lamego, sob a presidência de Dom Jacinto Tomás de Carvalho Botelho. Foi nomeado Bispo de Aveiro a 21 de setembro de 2006 e entrou a 8 de dezembro do mesmo ano. Em 21 de fevereiro de 2014, o Papa Francisco atribui-lhe a missão de Bispo da Diocese do Porto onde deu entrada em 6 de abril de 2014. Na Conferência Episcopal Portuguesa, foi presidente da Comissão Episcopal Vocações e Ministérios, tendo sido também vogal da Comissão Episcopal da Educação Cristã. E ainda foi presidente da Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana.

Faleceu a 11 de setembro de 2017 no Paço Episcopal do Porto vítima de ataque cardíaco.

Será sempre lembrado como um homem próximo, amigo e profundamente evangélico.

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Seria abusivo dizer que subscrevo as afirmações dos articulistas acima referidos, pois “o seu a seu dono” (cuique suum), mas obviamente me revejo nelas. Só acrescento que me apraz referir uma coisa que Dom António Francisco me disse uma vez: “Nós temos direito à amizade”. E, sobre a sua alocução em Fátima, a 9 de setembro de 2017, mantenho a minha classificação de então: “um eloquente testamento pastoral e humanista”.

2021.09.11 – Louro de Carvalho

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