O medo de
ser livre, a desconfiança do que é abstrato, em comparação com a vida concreta,
e o estilo de proximidade com o povo de Deus são alguns dos tópicos da conversa
do Papa com os jesuítas eslovacos no passado dia 12 de setembro, na Nunciatura
Apostólica de Bratislava (Eslováquia), relatada
pela revista “La Civiltà Cattolica”
no passado dia 21.
Segundo o “Vatican
News”, decorreu naquela
atmosfera cordial e familiar caraterizadora dos encontros de Francisco
com os jesuítas nas suas viagens apostólicas.
O Papa
esteve cerca de uma hora e meia com os confrades do país que visitou. É certo
que houve também um outro encontro com os jesuítas, a 14 de setembro, após a
Divina Liturgia, mas foi muito breve, pois o Pontífice jesuíta foi visitar os
membros da Casa de Exercícios Espirituais que não puderam comparecer à
celebração por estarem ocupados com a preparação da hospitalidade para os
bispos presentes.
No encontro
de 12 de setembro, o diálogo foi conduzido em linguagem franca, como é evidente
na resposta à pergunta sobre a saúde do Papa. Sobre isto, respondeu com ironia:
“Ainda vivo, apesar de que algumas
pessoas me queriam morto”. E acrescentou que está ciente de que houve “até mesmo encontros entre prelados que
pensavam que o Papa estava mais grave do que estavam dizendo”. E até “já estavam preparando o conclave”, disse
em referência à operação de julho passado, lembrando como foi um enfermeiro que
o convenceu a submeter-se a ela.
As palavras
do Santo Padre foram da saúde à pastoral, recomendando aos jesuítas quatro
tipos de aproximação para o seu trabalho na Eslováquia: a proximidade de Deus,
a proximidade entre os irmãos, a proximidade com o bispo e o Papa – falando
diretamente e não pelas costas – e a proximidade com o povo de Deus. A este
respeito, referiu-se ao que chama “a coisa mais bela que um Papa disse aos
jesuítas”, isto é, o discurso de São Paulo VI à XXXII Congregação Geral sobre o
facto de, onde há encruzilhadas de estradas, ali estarem os jesuítas. E disse:
“Vamos criar problemas, mas o que nos
salvará de cair em ideologias estúpidas é a proximidade ao povo de Deus”.
Respondendo
a uma pergunta, o Papa deteve-se sobre o sofrimento da Igreja neste momento e a
“tentação de voltar atrás”. E apontou “uma ideologia que coloniza as mentes”, não
como problema universal, mas específico das Igrejas de certos países. Na
verdade, como disse, “num mundo tão condicionado por dependências e
virtualidades, assusta-nos sermos livres”. E, recordando que falou sobre isso
no seu seu primeiro encontro público em Bratislava, dando como exemplo o “Grande Inquisidor”, de Dostoevsky,
observou que “nos assusta avançar com experiências pastorais”, evocando o
trabalho feito durante o sínodo sobre a família “para fazer com que as pessoas
entendam que os casais em segunda união não estão já condenados ao inferno”.
Registou que “temos medo de acompanhar as pessoas com diversidade sexual, temos
medo do cruzamento dos caminhos de que Paulo VI falou”. E frisou que “é o mal
deste momento” buscar o caminho na rigidez e no clericalismo, que são “duas
perversões”.
No entender
do Papa, o Senhor pede hoje à Companhia de Jesus que seja livre, com oração e
discernimento. Porém, esclareceu que isto não é “elogio à imprudência”, mas a
certeza de que “andar para trás não é o caminho certo”, ao passo que “andar
para frente em discernimento e obediência” o é.
E, para o
caso de falta do fervor, Francisco exortou ao esforço de se entender se é uma desolação
pessoal ou comunitária e lembrou a importância de conhecer melhor os
Exercícios.
Uma das
questões levantadas diz respeito à colonização ideológica e ao género. E o Papa
sustentou que “a ideologia tem sempre um fascínio diabólico”, porque “não está
encarnada”, e que, vivendo nós em civilização de ideologias, “devemos
desmascará-las nas suas raízes”. Portanto, Francisco concordou com os membros
da reunião que defendem que “a ideologia de género é perigosa”, porque “é
abstrata em relação à vida concreta da pessoa”, como se a pessoa pudesse
decidir abstratamente à sua vontade se e quando será homem ou mulher. Mais
disse que, para si, a abstração “é sempre um problema”.
No entanto,
vincou que “isto não tem nada a ver com a questão homossexual” e que, se existe
um casal homossexual, pode fazer-se “um trabalho pastoral com eles, ir em
frente no encontro com Cristo”. Mas, ao falar-se de ideologia, fala-se sobre “a
abstração pela qual tudo é possível, não a vida concreta das pessoas e a sua
situação real”.
No atinente ao
diálogo judaico-cristão, o Pontífice quer que se evite que ele se rompa “através
de mal-entendidos, como às vezes acontece”.
Tendo-se
perguntado a Francisco como lida com as pessoas que o olham com desconfiança,
respondeu que há uma grande estação de televisão católica que fala
constantemente sobre ele. E considerou que pessoalmente pode merecer ataques e
insultos porque é um pecador, mas que “a Igreja não merece isto [que] é obra do diabo”. O Papa sabe de clérigos que fazem
comentários desagradáveis sobre ele e confessa que, às vezes, lhe falta
paciência, especialmente quando fazem julgamentos sem entrarem em verdadeiro
diálogo. Assegura que, no entanto, vai adiante, sem entrar “no mundo deles, de
ideias e fantasias”, dizendo: “Prefiro pregar”.
Aponta que alguns o acusam de não falar sobre santidade, mas sempre sobre
questões sociais e de ser “um comunista”. E, entretanto, como afirma, escreveu
uma Exortação Apostólica inteira sobre a santidade, a “Gaudete et Exsultate”.
Relativamente
ao Vetus Ordo Missae, deteve-se na
sua decisão, em resultado da consulta a todos os bispos do mundo, de parar o
automatismo do rito antigo para retornar “às verdadeiras intenções de Bento XVI
e de São João Paulo II”. Doravante, aqueles que querem celebrar com o Vetus Ordo devem pedir permissão a Roma.
Relembrou a experiência dum cardeal a quem dois padres recém-ordenados foram pedir
para estudar latim para celebrarem adequadamente, tendo o cardeal respondido,
com um “senso de humor”, exortando-os a estudar primeiro o espanhol e também o
vietnamita, considerando os fiéis presentes na diocese. E Francisco porfiou:
“Vou adiante, não porque eu queira fazer uma
revolução. Eu faço o que sinto que devo fazer. É preciso muita paciência,
oração e caridade.”.
Sobre o tema
da imigração, reiterou a necessidade de acolher os migrantes e a de os
proteger, promover e integrar, sendo também necessário compreender plenamente
as causas do fenómeno, compreender o que está a acontecer no Mediterrâneo e
quais os “jogos das potências que fazem fronteira com o mar para o controlo e a
dominação”.
***
Do susodito encontro de Francisco com os 53 confrades jesuítas de toda a Eslováquia, Salvatore Cernuzio disse ter decorrido
em diálogo livre e familiar com perguntas e respostas, piadas, frases de
encorajamento à missão em época de pandemia, secularização e queda nas vocações.
Os confrades acolheram
com um sorriso o Papa num encontro privado no final da tarde do domingo, dia 12,
na Nunciatura Apostólica em Bratislava.
Este tipo de
encontros com os jesuítas locais já se tornou uma usança consolidada em todas
as Viagens Apostólicas deste Pontífice jesuíta. Francisco ouviu as suas
perguntas, fez-lhes outras, encorajou a sua missão em tempo de secularização e
declínio vocacional. Nunca se mostrou cansado, apesar da intensidade das
atividades no 1.º dia da viagem que começaram em Budapeste e se concluíram em
Bratislava.
Tudo durou
cerca de uma hora e meia. Correu muito bem, em ambiente sereno, como afirmou o
Padre Jozef Bartkovjak, responsável pela secção eslovaca da “Rádio Vaticano-Vatican News” e
correspondente em Bratislava, que esteve presente no encontro, que define como
“um encontro de família”.
Embora ainda
não tivesse jantado e tivesse acabado de sair dum exigente encontro com o
Conselho Ecuménico de Igrejas, o Sumo Pontífice “mostrou-se bem revigorado”. Já
tinha feito várias coisas, mas estava bem presente, brincou, estava animado.
Deu a impressão de estarmos reunidos com uma pessoa muito querida, com quem é
um prazer estar juntos, “uma pessoa que conhecemos, mas não conhecíamos de
perto”. Ouviram as suas palavras e puderam dizer-lhe o que desejam, o que fazem.
O
Papa, do seu lado, encorajou fortemente os 53 jesuítas (são 80 no
total, em toda a Eslováquia) a continuar
a missão no país que se desenvolve em vários apostolados, com particular ênfase
na educação e formação, numa Faculdade de Teologia e em duas Casas para
Exercícios Espirituais, que permaneceram ativas mesmo durante os anos sombrios
do regime comunista.
O encontro
constituiu um alento não despiciendo nos tempos difíceis como os de hoje,
marcados pela pandemia de covid-19 e pela secularização que permeia toda a
Europa, pelo declínio demográfico e das vocações. E o Padre Jozef, já referido,
explicou:
“É algo que sentimos muito... No passado, na
Igreja clandestina durante o regime comunista, os jesuítas formavam novos
membros, quase um noviciado escondido. Isso permitiu que na nossa Província
nunca se pulasse uma geração, cada ano foi preenchido, mesmo durante o
comunismo.”.
Porém, o
religioso observa que agora há novos desafios pela frente e “ter o
encorajamento do Papa que nos fez sentir realmente a sua presença, que apreciou
o que fazemos apesar das dificuldades, ajudou-nos a não desanimar”. Na verdade,
“todo o jesuíta, de facto – relatou o Padre Bartkovjak – que vincula sua
vocação à do Sucessor de Pedro, sentiu a nossa identidade fortalecida”, pois “estar
perto do Papa e não sentir nenhum bloqueio era como um carinho”.
Foi vincado
que aquilo que tornou a visita ainda mais livre e familiar foi certamente o
caráter reservado do encontro: as portas fechadas e sem a presença da
comunicação social. Nenhuma palavra sobre o conteúdo do encontro, de facto, por
parte dos presentes, mas muitos comentários sobre o estado de espírito do
Pontífice. Foi tudo muito espontâneo. Várias perguntas surgiram dos jesuítas
presentes, mas também do Santo Padre. Puderam conversar sobre qualquer coisa,
com muita liberdade.
O encontro
terminou com uma foto de grupo e, se “o Santo Padre parecia satisfeito”, os
jesuítas dizem que estão “100% satisfeitos, aliás, 200%”.
***
Sim, o Papa,
embora comprometido com a solicitude da Igreja universal, não esquece as suas
raízes, pois, como tanto tem encarecido pelos países que visita, esquecer as
raízes é não entender o presente e descuidar o futuro.
Importa não
recear a liberdade, gerir a diversidade em prol da unidade rica e cuidar a
proximidade.
2021.09.23 – Louro de Carvalho
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