domingo, 26 de setembro de 2021

A pandemia relevou o papel da imprensa regional e de proximidade

 

Disse-o Paulo Ribeiro, presidente da AIC (Associação de Imprensa de Inspiração Cristã), em entrevista à “Renascença” e à “Ecclesia”, publicada a 19 de setembro, tendo como pano de fundo as Jornadas Nacionais de Comunicação Social, agendadas para 23 e 24 de setembro (realizaram-se efetivamente nestes dias). Nela abordou algumas consequências da pandemia no jornalismo e o modo como instituições, nomeadamente a Igreja Católica, se reinventaram neste contexto.

Questionado sobre se já é possível ter ideia aproximada dos efeitos mais negativos que a pandemia teve no setor, sobretudo no respeitante ao impacto económico, considerou que, de momento, “ainda não é possível ter essa radiografia”, pois era desejável ter reunido em assembleia geral, mas as contingências pandémicas – que levaram a evitar que os associados percorressem o país para estar presencialmente numa reunião – originaram o protelamento dessa reflexão, até porque vai haver eleições na AIC. É certo que a direção vem contactando os associados e recolhendo alguns testemunhos relativamente aos efeitos que a pandemia tem provocado no setor, mas a reflexão em conjunto ainda não se fez.

Sobre o risco de algumas publicações fecharem, adiantou que já houve algumas, mais pequenas, que “fecharam portas”, sobretudo porque, no ano passado, “houve uma paralisação dos correios e muitas das publicações são distribuídas através do serviço postal”. Tal paralisação, “no pico da pandemia, arrastou-se durante algum tempo, com o confinamento”, pelo que “houve títulos que não conseguiram continuar”. Por outro lado, alguns dos dirigentes tinham idade e limitações de saúde que “não permitiam aguentar o impacto” ou desenvolver a ginástica necessária “para ultrapassar as dificuldades”.

Pensa que há necessidade de sangue novo, de renovação, no jornalismo de inspiração cristã. E, na imprensa de Inspiração Cristã, distingue dois setores distintos: o relacionado com a imprensa que versa exclusivamente o assunto religioso (órgãos tipicamente confessionais), sem venda em banca, que gere e distribui através de assinatura; e o que emprega mais gente (setor muito importante), que é imprensa regional. No primeiro caso, “apesar de alguns terem feito, e muito bem, uma migração para o digital, de forma que haja uma evolução tecnológica, atualização, uma resposta à procura por parte dos leitores, tendo em conta a importância que hoje tem o digital, muitos títulos acabaram por desaparecer ou ficaram à espera de melhores dias”. No segundo caso, é de anotar que há “títulos muito importantes no panorama nacional que são de inspiração cristã e que têm uma marca na sociedade onde estão localizados”. Nesses, é mesmo necessária a renovação dos quadros, um refrescamento editorial, o que tem acontecido em geral e “só não acontece mais por falta de meios”, pois “o tecido económico, a realidade económica do país condiciona em muito essa evolução, com mais qualidade, que se pede nos dias de hoje”.

Sustenta que, ao nível do jornalismo em si, foi difícil. No entanto, pensa que, sobretudo na imprensa regional, com jornalistas na rua a acompanhar o pulso da comunidade onde estão localizados, “todos se souberam adaptar, no sentido de aproveitar as tecnologias”. No confinamento, pelo trabalho em casa, conseguiram adaptar-se à realidade, não tendo havido algum jornal que tenha deixado de ser publicado, de forma constante, por força da pandemia ou do confinamento. É certo que, num determinado período, houve títulos que não foram editados por a gráfica ter ficado condicionada ou a publicidade ter caído a pique, devido ao encerramento do comércio, sobretudo o de proximidade. Assim, alguns jornais não tendo capacidade de produzir os seus títulos em papel, adaptaram-se para o online: “não deixaram de produzir e não deixaram o leitor sem notícias da sua comunidade, da sua terra”.

E o entrevistado aproveita para alertar para a importância cada vez maior da imprensa regional neste período: “foi o órgão de comunicação levou até às pessoas a informação concreta da realidade que se estava a viver na sua comunidade, no seu concelho, na sua região”.

Observa que, em certa medida, o Estado cumpriu o seu papel no apoio às publicações em tempo de pandemia. Com efeito, o Presidente da República “alertou para a importância da imprensa, sobretudo da imprensa regional, e deu esse eco no país, tendo recebido inclusivamente os responsáveis de várias associações ligadas à Comunicação Social, da imprensa, da rádio, da televisão, entre as quais a AIC”. Da parte do Estado houve uma iniciativa importante, que a AIC defende e que em boa hora o Governo pôs em prática: “a aplicação da lei da publicidade institucional, com a compra antecipada de publicidade do Estado aos órgãos de informação nacionais, entre os quais figuraram os da imprensa regional e da AIC”. Embora a medida tenha demorado muito tempo a ser implementada, “foi uma ajuda substancial”: “houve órgãos de Comunicação Social que, pela primeira vez, receberam publicidade institucional do Estado”.

De facto, hoje a legislação estabelece que parte da publicidade do Estado deve ser investida nos órgãos de Comunicação Social regionais e locais, sejam rádios, jornais ou portais. Ora, “isso raramente acontecia”, mas contribuímos ativamente, juntamente com a API (Associação Portuguesa de Imprensa), e “ajudámos o Governo a montar a operação que permitiu que, no final do ano, muitos órgãos de Comunicação Social recebessem o apoio financeiro do Estado”. Não se trata de esmola – frisa Paulo Ribeiro –, mas da “contrapartida de um serviço que não comprometeu em nada a independência de cada um destes órgãos”. 

Contestando a ideia de que uma imprensa muito dependente de apoios não é totalmente livre e na sequência de um artigo que publicou um artigo há um ano, em que pergunta “porque deve o Estado apoiar a Imprensa”, sustenta que esta publicidade do Estado “não veio modificar o quer que seja ao nível da independência dos títulos da imprensa regional”. E explica:

Desde que os jornais ou as rádios de cariz comercial foram fundados, a principal fonte de receita que permite o seu funcionamento é a publicidade. (…) O perigo de um órgão de comunicação social estar dependente, ficar condicionado na sua forma de agir e estar e comprometer o seu projeto editorial é quando essa receita de publicidade vem de um só lado. Ou seja, se vier, só do Estado, em tese admite-se que esse órgão de comunicação ficará dependente do Estado. Mas não é isso que acontece. Os órgãos de comunicação social, a imprensa regional têm um múltiplo leque de receitas, que são poucas, mas são distribuídas.”.

Nestes termos conclui que “não é este apoio do Estado, ao contrário do que muitos podem fazer crer, que leva a que um jornal fique dependente”. E preocupa-o mais o facto de, numa comunidade, num concelho pequeno, com um comércio tradicional muito débil – que é o grande suporte publicitário dum jornal regional ou de uma rádio local – esse tecido desaparecer e ficarem apenas os anúncios da câmara municipal a ser o suporte financeiro daquele órgão de comunicação social. É, pois, a unilateralidade das fontes de receita que gera a dependência, é ela que pode condenar a independência.

Daí, a AIC apresentou ao Parlamento uma proposta, que foi aprovada, no âmbito do aumento da comparticipação do regime de comunicação das entidades públicas à ERC. Com efeito, a associação defende que, no âmbito das campanhas de publicidade institucional, em prol de mais transparência e mais apoios, quanto mais publicidade institucional houver, mais fortes estão os meios de comunicação social e mais independentes relativamente a tudo o que lhes seja exterior.

Confrontado com o facto de os fenómenos da universalização do acesso à comunicação e do tempo do digital proporcionarem o avanço das fake news (notícias falsas) e interpelado sobre o papel da AIC no combate a esse avanço, o entrevistado diz que tem havido a preocupação de “contribuir junto do Estado” – que tem os meios – no sentido da criação de “mais condições” no combate à iliteracia digital, que “é, neste momento, o problema número um relativamente à comunidade no acesso à informação”. E justifica:

Há muitas pessoas que não conseguem distinguir o que é uma chamada fake-news, o que é um post numa rede social, de uma informação jornalística, que é uma informação credível e certificada”.

Por isso, a AIC  desenvolveu uma campanha, juntamente com a API e com o patrocínio da Visapress, a cooperativa que gere os direitos de autor na imprensa, no sentido da defesa da manutenção e incremento da imprensa regional e numa ótica de valorização da informação certificada, de proximidade para combater as fake-news, a propaganda que só contribui para minar o Estado de Direito, as instituições, a sociedade e beneficiar pequenos grupos setoriais.

Questionado se as jornadas de Comunicação Social iriam discutir o impacto do confinamento na comunicação, é perentório em afirmar que “o confinamento condicionou em muito a missão de proximidade”, desde logo pela necessidade de os jornalistas da Imprensa regional se resguardarem, pois, em redações muito pequenas, se um ou dois jornalistas ficassem doentes, ficava o próprio título comprometido. Por isso, a mobilidade destes jornalistas resultou condicionada, ou seja, o jornalista “foi para a rua com muita dificuldade”, tentando resguardar-se a si e à família e trabalhando em casa, na obediência às autoridades de saúde.

Não obstante, “houve uma capacidade reinventiva”, pois, mesmo em confinamento, não se deixou de procurar noticiar o que se passava. A propalada dificuldade de proximidade refere-se à “proximidade física”: ir ao fim da rua, ao fim do bairro, ao extremo do concelho, viajar através da região a contactar com as pessoas. Ora, em confinamento, havia um resguardo maior, mas não se deixou de focar o essencial e de dar conta do que se estava a passar. E, na ótica de Paulo Ribeiro, “a imprensa regional foi muito bem acolhida pelas comunidades” e, sobretudo pelo digital, favoreceu o contacto das comunidades portuguesas espalhadas por todo o mundo que “procuraram, na imprensa regional, na imprensa do seu concelho, na imprensa da sua região, saber como é que as pessoas estavam a viver e a corresponder a este período tão negro das nossas vidas que foi, de facto, o período mais agudo da pandemia”. E tal feedback “serviu para essa consolidação da marca da imprensa regional”.

Por fim, sobre a necessidade da existência dum espaço de encontro e de mediação em que se possam maturar as propostas de vão surgindo na Igreja Católica, julga importante haver, de facto, “um jornal de âmbito nacional com a marca da inspiração cristã”. Contrariaria as fake-news e estaria a salvo dos interesses de grandes grupos económicos que “vão saltitando e apoderando-se de grandes títulos e de outros meios de comunicação” condicionando o espaço informativo à sua agenda económica. E pensa o entrevistado que, a exemplo da “Renascença”, da “Ecclesia” e de alguns títulos regionais como o “Diário do Minho”, que são marcas importantes na nossa sociedade, se poderá fazer “um jornalismo rigoroso, mas consciente e com a atenção social que é isso que se requer cada vez hoje em dia”.

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Talvez seja oportuno ver as conclusões das Jornadas da Comunicação Social a ver se respondem a este desiderato de independência e bom jornalismo…

2021.09.26 – Louro de Carvalho

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