sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Eleições autárquicas 2021: dois apontamentos

 

A 26 de setembro, aliás no próximo domingo, os eleitores são chamados a ir às urnas entregar o seu voto a partidos ou grupos de cidadãos que se propõem governar o município e a freguesia a partir dos seus órgãos de poder local: assembleia municipal, câmara municipal, assembleia de freguesia e, por derivação da respetiva assembleia, a junta de freguesia.

Ficam, pois, os eleitores posicionados face ao direito que lhes cabe, protegido pela Constituição e pela lei, bem como ao dever cívico que a sociedade e o bem comum esperam que venham a cumprir, a menos que motivos de força maior os impeçam e sem que possam ser explorados meios de ultrapassagem de tais motivos.

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E aqui chego a um primeiro apontamento. Sendo importante o exercício de um direito de cidadania e intervenção política e o cumprimento de um dever cívico-político, cabe aos responsáveis locais a facilitação do ato eleitoral, organizando todo o serviço atinente ao funcionamento da assembleia de voto, com as várias secções e respetivas mesas. E é essencial fazer a determinação, com a devida antecedência, e informar a população por todos os meios ao alcance, do local ou locais onde os eleitores podem e devem ir votar, evitando-se as surpresas de última hora.

Sucede que, em Santa Maria da Feira, quem de direito – presumo que a Câmara ou a Junta de Freguesia – decidiu deslocar as mesas de voto da Baixa da cidade para a Escola Básica Fernando Pessoa, na Alameda Fernando Pessoa e na Rua Dr. Manuel Laranjeira. É certo que o novo local fica num outro extremo da cidade, o que pode dificultar a deslocação de algumas pessoas, mas também é certo que se trata dum imóvel que está sob a alçada da Câmara Municipal, quando, por exemplo, a Escola Secundária, mais bem localizada, é da Parque Escolar, não havendo necessidade de a Câmara a requisitar para o ato eleitoral por ter alternativa sua. E tudo estaria em conformidade se o público tivesse sido amplamente avisado.

No início da semana, somente as pessoas que tinham ido à missa no domingo, dia 19, sabiam da mudança. Ora, sendo eu um dos indivíduos que entendem que as pessoas devem ir à missa, nem por isso admito que, para se obter conhecimento sobre o exercício de um direito e o cumprimento dum dever, tenha de se ir à missa. Em primeiro lugar, está em questão a liberdade religiosa – quem não quer a missa não deve sentir-se obrigado a ela; e quem a quer deve querê-la sempre e não só quando lhe apetece ou convém, não devendo ser impedido disso –; e, em segundo lugar, os atos de culto ainda estão sujeitos, pelo menos até 1 de outubro, às restrições de lotação e outras, impostas pelas autoridades de saúde.

Suponho que a Junta de Freguesia ainda está a tempo de evitar a surpresa do dia eleitoral multiplicando os avisos, destacando uma ou várias pessoas para os locais habituais de voto a informar do novo sítio e organizando transporte para todos os eleitores com dificuldades de locomoção – e não apenas do que são dos “seus”.  

A este respeito, lembro-me de que, em tempos, também em São João de Ver, fui surpreendido com a mudança de local do voto – da sede da Junta de Freguesia para a nova Escola Básica, na Rua das Caniças – sem que alguém estivesse no local a avisar. Valeu-nos a boa vontade de alguém que por ali passou a dizer que “os votos são nas Caniças”. E, apesar do tempo chuvoso, lá fomos, porque votar está acima de tudo. Não bastava o ónus da súbita mudança como ainda o autarca do sítio impedia as pessoas de entrarem com os guarda-chuvas e não havia estruturas exteriores em que se pudessem acomodar.  

É certo que o eleitor pode informar-se antecipadamente do local de voto e da mesa consultando o portal do eleitor na internet, mas cabe aos poderes públicos de proximidade a facilitação, procedendo à multiplicação e efetividade da informação. E não venham dizer, como sucedeu nas últimas eleições presidenciais, que a culpa é do Cabrita!

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Outro apontamento tem a ver com o que se passa agora com a freguesia de São João de Ver.

Está na berlinda a discussão sobre a instalação duma central fotovoltaica no que alguns chamam o “pulmão verde” da freguesia.

Obviamente o empreendimento é de interesse particular direto e sê-lo-á indiretamente de interesse público por vir a desagravar a congestão consumista ambiental – isto independentemente de vir ou não a trazer benefícios económicos para as autarquias em causa, município e freguesia. E inscreve-se no quadro da “corrida” aos fundos comunitários, na intenção de rendibilizar o espaço e na política da União Europeia de redução da produção de energia a partir de combustíveis fósseis.  

Das candidaturas à assembleia de freguesia, donde emergirá a junta, uma advoga a legitimidade do empreendimento e da sua localização, alegando o mérito da iniciativa privada e que o projeto merecera aprovação do Ministério do Ambiente e da Câmara Municipal (tendo aí recolhido a unanimidade).

Uma das candidaturas, num primeiro momento, denunciou o caso e, numa de ceticismo, lançou uma complexa série de questões, por exemplo, quanto a radiação, sobreaquecimento, aumento de luminosidade, anulação do curso de ribeiras, trânsito de postes de alta tensão, etc. – criticando o facto de a população não ter sido ouvida; num segundo momento, acusou o Presidente da Junta de ter mentido à Assembleia de Freguesia dizendo que não tinha feito nenhuma declaração favorável ao empreendimento e divulgando a declaração que o mesmo fizera em nome da Junta de nada a opor, assinada em setembro de 2020.

Uma outra candidatura declara-se mesmo contra a localização do empreendimento e diz que vai exigir um estudo de impacto ambiental.

Confesso não ser parte interessada no empreendimento nem na contestação ao mesmo. Com efeito, não espero ter vantagens nem ser atingido por seus eventuais inconvenientes. Não obstante, parece-me ser de mediana obrigação os poderes públicos de proximidade olharem a questão com mais cuidado. Desde logo, releva-se a inequívoca exigência de um estudo de impacto ambiental, tendo em conta as suspeitas acima referenciadas. Depois, devem ser ouvidos os moradores que possam vir a ser atingidos pelos eventuais incómodos.

Além disso, tratando-se de ordenamento do território e, no âmbito da municipalização dos solos, cabe à Assembleia Municipal pronunciar-se sobre o tema depois de a Câmara Municipal se ter pronunciado e sujeitar o seu pronunciamento ao veredicto daquele órgão deliberativo. Porém, tinha de haver lugar a consulta prévia da Assembleia de Freguesia em causa por ser a parte pública mais interessada.

E não vale dizer que os vereadores da oposição também votaram a favor na Câmara Municipal. Até admito que, em abstrato, os vereadores entendam que seja bom para o município o empreendimento. Porém, cabe aos responsáveis de maior proximidade zelar os interesses das suas populações e do seu território. E, de facto, uma das candidaturas sustenta que “os autarcas são os responsáveis por zelar e fiscalizar o território” e que não se trata “de uma mera instalação de uma tubagem ou da pavimentação de um arruamento”, mas “ da devastação do pulmão verde da Vila”. Mais aponta que o Presidente da Junta não pode funcionar como uma “caixa de ressonância” das decisões tomadas pelo Executivo Municipal”, devendo, antes, ser “o último resistente da defesa do território da freguesia”, como devendo ser e mostrar-se independente.

Não sei se a polémica irá interferir nos resultados das eleições. Interfira ou não, o caso deve posteriormente merecer a devida atenção tanto da parte das formações políticas que vençam o alto eleitoral como das que ficarem na oposição, pedindo-se-lhes que agucem a sua capacidade crítica de forma sustentável e concertada. E obviamente é de consultar os moradores que possam vir a ser afetados e é de exigir o aludido estudo de impacto ambiental.

Em todo o caso, o dia 26 de setembro merece que o eleitor vá às urnas. O ato eleitoral – com o voto secreto, universal e individual – é um elemento fundamental, embora não o único, em democracia representativa.  

2021.09.24 – Louro de Carvalho  

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