terça-feira, 30 de junho de 2015

Balanço positivo que dizem saber a pouco

Há nove anos a esta parte, Portugal promoveu o estabelecimento de parcerias entre três universidades americanas e empresas portuguesas.
O balanço que hoje se faz dessas parcerias resume-se em dois pontos: tiveram um impacto reduzido na ligação da investigação científica à economia nacional; e criaram projetos de investigação (sendo esta sua mais-valia). Sendo assim, os responsáveis pela avaliação concluem que, apesar de tudo, o balanço é “claramente positivo”.
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Efetivamente, o Público de hoje, dia 29 de junho, num pequeno trabalho de Samuel Silva, veicula as conclusões produzidas por uma investigação sobre a matéria levada a cabo pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.
Os acordos de parceria celebrados, em 2006, com o MIT (Massachuset-ts Institute of Technology), a Carnegie Mellon University e a Universidade do Texas, sob a égide do então Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, José Mariano Gago, representaram um investimento nacional de 150 milhões de euros até 2012.
Segundo as conclusões do ISCTE, as empresas tiveram um papel “utilitário” nas parcerias que foram constituídas e os cientistas recorreram sobretudo a parceiros com que já tinham relações anteriores. No ano de 2012, com as severas críticas veiculadas pela Comunicação Social – a qual, em 2006, deu ao evento um enorme relevo –, a parceria foi renovada pelo Governo, mas com uma redução de verbas.
Dado que “um dos objetivos era a criação de novas ligações entre o tecido científico português e as empresas”, procedeu-se – dizem – a uma definição restritiva dos critérios de candidatura. Assim, a constituição dos consórcios de projetos que podiam candidatar-se a financiamentos no quadro destas parcerias tinha de visar a integração de um parceiro empresarial. Obviamente que, na ótica dos investigadores responsáveis pelo balanço, esta opção iria obter resultados limitados.
De acordo com as palavras de Teresa Patrício, a coordenadora do estudo, das parcerias resultaram colaborações em “áreas científicas onde já havia colaborações anteriores e que têm uma aproximação às empresas”. Por outro lado, no relatório final, apresentado hoje no ISCTE, pode ler-se que, além de se limitar a “ativar colaborações anteriores”, foram envolvidos na iniciativa “atores isolados, sem grandes interesses em comum”.
Quanto aos parceiros empresariais, tiveram, como já se disse, um papel “utilitário”, observando os critérios da candidatura a financiamento e/ou disponibilizando recursos, “mas sem um envolvimento ativo em dinâmicas de produção de conhecimento”.
Não obstante, o relatório elenca várias consequências “muito positivas” das parcerias, designadamente: uma atratividade grande para alunos que vêm do estrangeiro, que permitiu a criação e desenvolvimento de novos projetos de investigação; um aumento da produtividade científica; o incremento da mobilidade de alunos, professores e investigadores; e o alargamento da internacionalização das universidades portuguesas para além da Europa.
Por tudo isso, Teresa Patrício conclui que “o balanço é claramente positivo”.
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Sobre este facto, convém referir, segundo o que nos foi dado ler, que aquele estabelecimento de parcerias não constituiu um enorme desperdício, como alguns afirmavam no primeiro consulado de Sócrates, de quem hoje se diz as últimas, enquanto se dizem maravilhas do seu ministro da tutela. Também não constituiu uma ação inovadora, porquanto já havia vários mecanismos de internacionalização das universidades e de mobilidade dos estudantes. No entanto, configurou outro momento de internacionalização das universidades e empresas portuguesas, com os resultados indicados, embora com as limitações que os acompanharam.
Quanto à ligação da investigação científica à economia, há que dizer que, se essa esperança foi depositada em demasia, era expectável que os resultados não seriam visíveis em tão pouco tempo. Todos sabemos que a educação e o ensino são o motor fundamental do desenvolvimento e da valorização da dignidade da pessoa humana. No entanto, também sabemos que os seus efeitos na transformação das mentalidades, na expressão de atitudes e comportamentos que significam e veiculam valores e na mudança das estruturas sociais e económicas se sentem a longo prazo. Também sabemos que muitos projetos de investigação científica só dão resultados palpáveis depois de passados muitos anos de trabalho, testagem e consolidação.
Dizem que as revoluções operam enormes transformações políticas e induzem grandes mudanças socioeconómicas. Todavia, muitos dos esquemas mentais sobrevivem no período pós-revolucionário e mesmo, passados anos, da revolução já pouco resta, porque o que vence é a acomodação.
Por fim, duvido de que seja inteiramente sensato esperar da inter-relação empresas-universidades um efeito económico relevante. Penso que esse não deve ser o objetivo dessa interação. As empresas podem servir para validar na prática alguns dos conhecimentos produzidos e manifestados nas universidades e induzir o aumento da produção de conhecimento por parte destas. Porém, esta vertente pode até acarretar custos de produção, cuja compensação as empresas poderiam e deveriam dispensar às universidades no quadro da sua dimensão cultural e social.
É certo que que a Universidade deve haurir do tecido empresarial e da malha social todo o tipo de conhecimento que estes lhe possam fornecer; também é certo que a Universidade pode e deve prestar serviços relevantes ao mundo empresarial e prestar-lhes a informação científica de que dispõe – na linha de que o saber não se esconde e na do contributo para o progresso técnico e tecnológico –, mas não deverá concorrer indevidamente com outros fornecedores de bens e outros prestadores de serviços ao mundo empresarial.
Por seu turno, as empresas devem interagir com a Universidade e apoiá-la, na observância do princípio da função social e cultural da empresa e não por mero capricho mecenatista.
À Universidade e aos outros centros de investigação cabe a procura do conhecimento, a produção do conhecimento e a ministração e a divulgação do conhecimento; e à empresa cabe maximizar e otimizar a produção e a transformação e promover a circulação de bens, de modo que o máximo de beneficiários usufrua dos bens e serviços disponíveis. Por isso, a empresa que apoia a Universidade, não deverá interferir nos mecanismos da concretização da missão da Universidade e na direção executiva desta, como não pode nem deve a Universidade passar a dirigir a empresa ou o organismo social com que interage.
E, já agora, o Governo, em vez de solicitar a prestação extremamente dispendiosa de serviços a gabinetes privados (de juristas, economistas, engenheiros, arquitetos, gestores…), deveria solicitar preferencialmente a colaboração das universidades e institutos, renunciando ao emagrecimento atroz do financiamento a estas instituições públicas.

A política é feita de opções, não?! 

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