terça-feira, 16 de junho de 2015

Pai-nosso: oração do Senhor ou nossa oração

A oração do Pai-nosso é habitualmente designada por oração do Senhor ou oração dominical. Com efeito, ela foi ensinada por Jesus, o Senhor. No entanto, Cristo habitualmente quando Se dirigia ao Pai, chamava-Lhe simplesmente “Pai” (Mt 11,25; Lc 10,21; Lc 23,46; Jo 11,41; 17,1.) ou então “Pai santo” (Jo 17,11), “Pai, justo” (Jo 17,25) ou “meu Pai” (Lc 2,49;), como quando falava dele (Mt 11,27; Lc 10,22; Jo 2,16). Não dizia “Pai nosso”. Chegou a dizer “meu Pai e vosso Pai” (Jo 20,14). A única vez que disse “Pai-nosso” foi daquela vez em que ensinou os discípulos a rezar, de acordo com a versão de Mateus (Mt 6,9), porquanto na versão de Lucas diz simplesmente “Pai” (Lc 11,2). Também se refere ao Pai como “vosso Pai celeste” (Mt 5,48; 6,1.8).
É, não obstante, a oração do Senhor, porque foi Ele que a ensinou: “quando rezardes, dizei” (Lc 11,2); ou “rezai, pois, assim” (Mt 6,9). Porém é uma oração dos discípulos, visto que aquelas formas verbais “dizei” ou “rezai” são imperativo dirigido da parte de Jesus aos discípulos. Por outro lado, no texto de Lucas, podemos ver duas coisas: os discípulos ficaram tocados pelo exemplo de Jesus, “sucedeu que Jesus estava algures a orar” (Lc 11,1); sabiam que era comum os mestres espirituais ensinarem os seus discípulos a orar, “João também ensinou os seus discípulos” (id et ib). Assim, para que seguissem na esteira do precursor, um dos discípulos, quando Ele acabou de orar, disse-lhes: “Senhor ensina-nos a orar, como João também ensinou os seus discípulos” (id et ib).
A fórmula de oração que o Senhor ensinou surge em Mateus no contexto de comparação com o modo de rezar dos fariseus, os hipócritas, que rezam de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens, ou o dos gentios, que multiplicam as vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. Ora, o Senhor, quer o empenhamento de cada um, a sua discrição e simplicidade, rezando em segredo e com poucas palavras, porque o Pai “vê no oculto” e “sabe do que necessitais”. Mas a mensagem é para cada um (“tu”) e para o coletivo (o “vosso pai” e “rezai”). Veja-se a vertente pessoal da oração e a sua dimensão comunitária: Pai “nosso”, “venha a “nós”, “dá-nos”, pão “nosso”, “perdoa-nos”, “nossas” ofensas, não “nos” deixes cair, “livra-nos” (cf Mt 6,5-13; Lc 11,2-4).
A dimensão comunitária da oração é reforçada no capítulo 18 de Mateus, com a garantia da presença do próprio Cristo na comunidade reunida.
Digo-vos ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedirem alguma coisa, hão de obtê-la de meu Pai que está nos Céus. Pois, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,19-20).
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Então, se não são precisas as palavras, por que motivo o Senhor terá ensinado uma fórmula constituída por palavras e porque será que Ele próprio utiliza a palavra quando Se dirige ao Pai?
Em primeiro lugar é necessário esclarecer que Jesus não proscreve o uso da palavra na oração, mas a sua abundância excessiva (a polilogia) ou a sua produção sem sentido (a battalogia). De resto, Deus revela-Se ao longo do tempo de forma privilegiada pela palavra, que em si contém toda a força criadora e recriadora e, nestes tempos, que são os últimos, revela-Se por seu Filho, a Palavra por antonomásia (o Lógos).
Porém, a oração que o Senhor nos ensinou, mais do que uma fórmula, compagina uma regra de diálogo com Deus e a lex credendi comum a todos os orantes, que invocando o Pai comum, em qualquer tempo e lugar (e sobretudo aqui e agora) se sentem irmãos, porque igualmente filhos, visto que todos são convidados ao discipulado: “Ide por todo o mundo e fazei discípulos de todos os povos… ensinando-os a cumprir tudo quanto vos tenho mandado” (Mt, 28, 19.20) ou: “Ide pelo mundo inteiro, pregai o Evangelho a toda a criatura; quem acreditar e for batizado será salvo” (Mc 16,15-16). Por isso, esta oração é do Senhor ou oração dominical, porque Ele a ensinou e dela fez um programa de vida para os discípulos e filhos do mesmo Pai, sintetizando nela o Evangelho e levando-os ao compromisso no esforço por se implicarem no âmago do projeto de Deus. Paralelamente, ela é a oração dos discípulos, dos irmãos, que a assumem comprometendo-se com a vontade do Pai, manifestada pelo Filho, sob a moção do Espírito Santo. Depois, é a oração da fraternidade, uma vez que aqueles e aquelas que, no Espírito, ousam clamar Pai Nosso, têm de assumir a dimensão da fraternidade para com todos e qualquer um dos seus semelhantes.
Mas as palavras da oração – o mais importante é a elevação da alma para Deus – são-nos necessárias e proveitosas para nos estimular a compreender o que louvamos e bendizemos ou pedimos; não servem para instruir ou persuadir o Senhor. Por outro lado, são úteis como manual de uso – e instrumento de consonância – para todos os que se sentem irmanados na mesma fé, fortalecidos na mesma esperança, animados pela mesma caridade, amados pelo mesmo Pai, agregados e redimidos pelo mesmo Cristo e inspirados pelo mesmo Espírito.
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Como resumo do Evangelho, o Pai-nosso é uma oração que permite conhecer o ideário fundamental de Cristo ou a familiarização com o mistério da Salvação. Quem reza “Pai-nosso” compromete-se com a Paternidade divina e, por conseguinte, com a Fraternidade universal (para com todos e cada um); empenha-se na santificação do Nome de Deus, na realização do seu Reino e no cumprimento da sua Vontade; aceita o comedimento frugal do Pão quotidiano como seu e dos demais; implora o Perdão e oferece o Perdão; solicita o auxílio contra a Tentação e a libertação do Mal, que não a saída do mundo. 
Mas o Pai-nosso oculta em si o segredo do diálogo trinitário, a que a autêntica oração cristã conduz: ensinada pelo Filho, dirigida ao Pai, pelo Filho e pelos filhos no Filho, exprime o gemido e o brado do Espírito Santo (cf Rm 8,14.26). É palavra de Deus, transmitida pelo Verbo e proferida sob o impulso do Espírito Santo. Depois, referem-se ao Pai o nome de Deus e o dom do pão; ao Filho, o Reino de Deus e a remissão dos pecados; e ao Espírito Santo, o cumprimento da vontade de Deus e a libertação do Maligno. Constitui, por outro lado, a oração do Senhor o vértice da oração cristã, que nos leva preferentemente a escutarmos Deus e menos a querermos ser ouvidos por Ele.
Em termos da economia da Salvação, esta oração dos filhos de Deus está no cruzamento da antiga Aliança com a Nova: os dons da antiga Aliança são a revelação do Nome de Deus no Sinai, a constituição de um Povo real com a entrada na Terra da Promissão e a entrega da Lei com a manifestação da Vontade divina; os dons da nova Aliança são o Pão eucarístico, o Perdão dos pecados e a Libertação da escravidão do demónio. Ademais, as petições do Pai-nosso remetem-nos para o mistério pascal de Cristo – em que é cumprida a vontade do Pai e vencido o diabo – plasmado na Ceia, na Crucifixão e Morte e na descida aos infernos coroada pela Ressurreição.
No atinente à dimensão sacramental, através da qual vive e se exprime a Igreja, as invocações domínicas revertem o caminho para o Pai, com Cristo, no Espírito. Assim, o Batismo, como porta da Fé, inicia-nos na libertação do mal; a Reconciliação com Deus e com os irmãos, em Igreja, compagina o momento do mistério do Perdão; A Eucaristia, utilizando o pão nosso de cada dia, faz-nos celebrar o mistério do Corpo e sangue de Cristo entregue em sacrifício na cruz e partilhar o banquete dos filhos; o crisma da Confirmação faz com que nos empenhemos no desígnio de salvação pela vontade do Pai estendido a todos os homens; o Matrimónio e/ou a Ordem configuram as opções pelo Reino de Deus; e a proclamação do Nome Santo de Deus, donde tudo parte e para onde tudo converge, constitui a marca indelével dos cristãos, pois, invocam-no, testemunham-no e ostentam-no em suas frontes (cf At 9,14; Ap 22,4). Cristão é o cristóforo, que transporta consigo a Cristo. E quem vê Cristo vê o Pai (Jo 14,9).
As catequeses antigas compreenderam a importância do Pai-nosso e valorizavam-no. A Didaqué prescreve que se recite três vezes ao dia. Hoje, o itinerário catequético prevê a festa da entrega do Pai-nosso. E a oração dominical, como oração dos filhos, torna-se marca da celebração do Batismo, da Eucaristia e das principais horas do Ofício litúrgico, bem como se fez ponto central da devoção dos fiéis.
Seria pena que, por força da repetição, esta viesse a banalizar o Pai-nosso. Por isso, talvez não seja inoportuno apostar mais frequentemente na sua meditação de Bíblia na mão e com os dramas e as alegrias do próximo bem ao pé de nós.



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