A
oração do Pai-nosso é habitualmente designada por oração do Senhor ou oração
dominical. Com efeito, ela foi ensinada por Jesus, o Senhor. No entanto, Cristo
habitualmente quando Se dirigia ao Pai, chamava-Lhe simplesmente “Pai” (Mt
11,25; Lc 10,21; Lc 23,46; Jo 11,41; 17,1.)
ou então “Pai santo” (Jo 17,11), “Pai, justo” (Jo 17,25) ou “meu Pai” (Lc 2,49;), como quando falava dele (Mt
11,27; Lc 10,22; Jo 2,16).
Não dizia “Pai nosso”. Chegou a dizer “meu Pai e vosso Pai” (Jo
20,14). A única vez
que disse “Pai-nosso” foi daquela vez em que ensinou os discípulos a rezar, de
acordo com a versão de Mateus (Mt 6,9), porquanto na versão de Lucas
diz simplesmente “Pai” (Lc 11,2). Também se refere ao Pai como “vosso Pai celeste”
(Mt
5,48; 6,1.8).
É,
não obstante, a oração do Senhor, porque foi Ele que a ensinou: “quando rezardes, dizei” (Lc
11,2); ou “rezai, pois, assim” (Mt
6,9). Porém é uma
oração dos discípulos, visto que aquelas formas verbais “dizei” ou “rezai” são
imperativo dirigido da parte de Jesus aos discípulos. Por outro lado, no texto
de Lucas, podemos ver duas coisas: os discípulos ficaram tocados pelo exemplo
de Jesus, “sucedeu que Jesus estava
algures a orar” (Lc 11,1); sabiam que era comum os mestres espirituais
ensinarem os seus discípulos a orar, “João
também ensinou os seus discípulos” (id et ib). Assim, para que seguissem na
esteira do precursor, um dos discípulos, quando Ele acabou de orar, disse-lhes:
“Senhor ensina-nos a orar, como João
também ensinou os seus discípulos” (id et ib).
A
fórmula de oração que o Senhor ensinou surge em Mateus no contexto de
comparação com o modo de rezar dos fariseus, os hipócritas, que rezam de pé nas
sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens, ou o dos
gentios, que multiplicam as vãs repetições, porque pensam que, por muito
falarem, serão atendidos. Ora, o Senhor, quer o empenhamento de cada um, a sua
discrição e simplicidade, rezando em segredo e com poucas palavras, porque o
Pai “vê no oculto” e “sabe do que necessitais”. Mas a mensagem é para cada um
(“tu”) e para o coletivo (o “vosso pai” e “rezai”). Veja-se a vertente pessoal
da oração e a sua dimensão comunitária: Pai “nosso”, “venha a “nós”, “dá-nos”,
pão “nosso”, “perdoa-nos”, “nossas” ofensas, não “nos” deixes cair, “livra-nos”
(cf
Mt 6,5-13; Lc 11,2-4).
A
dimensão comunitária da oração é reforçada no capítulo 18 de Mateus, com a
garantia da presença do próprio Cristo na comunidade reunida.
Digo-vos
ainda: Se dois de entre vós se unirem, na Terra, para pedirem alguma coisa, hão
de obtê-la de meu Pai que está nos Céus. Pois, onde estiverem dois ou três
reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,19-20).
***
Então,
se não são precisas as palavras, por que motivo o Senhor terá ensinado uma
fórmula constituída por palavras e porque será que Ele próprio utiliza a
palavra quando Se dirige ao Pai?
Em
primeiro lugar é necessário esclarecer que Jesus não proscreve o uso da palavra
na oração, mas a sua abundância excessiva (a polilogia)
ou a sua produção sem sentido (a battalogia).
De resto, Deus revela-Se ao longo do tempo de forma privilegiada pela palavra,
que em si contém toda a força criadora e recriadora e, nestes tempos, que são
os últimos, revela-Se por seu Filho, a Palavra por antonomásia (o Lógos).
Porém,
a oração que o Senhor nos ensinou, mais do que uma fórmula, compagina uma regra
de diálogo com Deus e a lex credendi
comum a todos os orantes, que invocando o Pai comum, em qualquer tempo e lugar
(e
sobretudo aqui e agora)
se sentem irmãos, porque igualmente filhos, visto que todos são convidados ao
discipulado: “Ide por todo o mundo e
fazei discípulos de todos os povos… ensinando-os a cumprir tudo quanto vos
tenho mandado” (Mt, 28, 19.20) ou: “Ide pelo mundo inteiro, pregai o Evangelho a toda a criatura; quem
acreditar e for batizado será salvo” (Mc 16,15-16). Por isso, esta oração é do
Senhor ou oração dominical, porque Ele a ensinou e dela fez um programa de vida
para os discípulos e filhos do mesmo Pai, sintetizando nela o Evangelho e
levando-os ao compromisso no esforço por se implicarem no âmago do projeto de
Deus. Paralelamente, ela é a oração dos discípulos, dos irmãos, que a assumem
comprometendo-se com a vontade do Pai, manifestada pelo Filho, sob a moção do
Espírito Santo. Depois, é a oração da fraternidade, uma vez que aqueles e
aquelas que, no Espírito, ousam clamar Pai
Nosso, têm de assumir a dimensão da fraternidade para com todos e qualquer
um dos seus semelhantes.
Mas
as palavras da oração – o mais importante é a elevação da alma para Deus –
são-nos necessárias e proveitosas para nos estimular a compreender o que louvamos
e bendizemos ou pedimos; não servem para instruir ou persuadir o Senhor. Por
outro lado, são úteis como manual de uso – e instrumento de consonância – para
todos os que se sentem irmanados na mesma fé, fortalecidos na mesma esperança,
animados pela mesma caridade, amados pelo mesmo Pai, agregados e redimidos pelo
mesmo Cristo e inspirados pelo mesmo Espírito.
***
Como
resumo do Evangelho, o Pai-nosso é uma oração que permite conhecer o ideário
fundamental de Cristo ou a familiarização com o mistério da Salvação. Quem reza
“Pai-nosso” compromete-se com a Paternidade divina e, por conseguinte, com a
Fraternidade universal (para com todos e cada um); empenha-se na santificação do
Nome de Deus, na realização do seu Reino e no cumprimento da sua Vontade;
aceita o comedimento frugal do Pão quotidiano como seu e dos demais; implora o
Perdão e oferece o Perdão; solicita o auxílio contra a Tentação e a libertação
do Mal, que não a saída do mundo.
Mas
o Pai-nosso oculta em si o segredo do diálogo trinitário, a que a autêntica
oração cristã conduz: ensinada pelo Filho, dirigida ao Pai, pelo Filho e pelos
filhos no Filho, exprime o gemido e o brado do Espírito Santo (cf
Rm 8,14.26). É palavra
de Deus, transmitida pelo Verbo e proferida sob o impulso do Espírito Santo. Depois,
referem-se ao Pai o nome de Deus e o dom do pão; ao Filho, o Reino de Deus e a remissão
dos pecados; e ao Espírito Santo, o cumprimento da vontade de Deus e a
libertação do Maligno. Constitui, por outro lado, a oração do Senhor o vértice
da oração cristã, que nos leva preferentemente a escutarmos Deus e menos a
querermos ser ouvidos por Ele.
Em
termos da economia da Salvação, esta oração dos filhos de Deus está no cruzamento
da antiga Aliança com a Nova: os dons da antiga Aliança são a revelação do Nome
de Deus no Sinai, a constituição de um Povo real com a entrada na Terra da
Promissão e a entrega da Lei com a manifestação da Vontade divina; os dons da
nova Aliança são o Pão eucarístico, o Perdão dos pecados e a Libertação da escravidão
do demónio. Ademais, as petições do Pai-nosso remetem-nos para o mistério
pascal de Cristo – em que é cumprida a vontade do Pai e vencido o diabo – plasmado
na Ceia, na Crucifixão e Morte e na descida aos infernos coroada pela Ressurreição.
No
atinente à dimensão sacramental, através da qual vive e se exprime a Igreja, as
invocações domínicas revertem o caminho para o Pai, com Cristo, no Espírito. Assim,
o Batismo, como porta da Fé, inicia-nos na libertação do mal; a Reconciliação
com Deus e com os irmãos, em Igreja, compagina o momento do mistério do Perdão;
A Eucaristia, utilizando o pão nosso de cada dia, faz-nos celebrar o mistério
do Corpo e sangue de Cristo entregue em sacrifício na cruz e partilhar o
banquete dos filhos; o crisma da Confirmação faz com que nos empenhemos no
desígnio de salvação pela vontade do Pai estendido a todos os homens; o Matrimónio
e/ou a Ordem configuram as opções pelo Reino de Deus; e a proclamação do Nome Santo
de Deus, donde tudo parte e para onde tudo converge, constitui a marca indelével
dos cristãos, pois, invocam-no, testemunham-no e ostentam-no em suas frontes (cf
At 9,14; Ap 22,4). Cristão
é o cristóforo, que transporta consigo a Cristo. E quem vê Cristo vê o Pai (Jo
14,9).
As
catequeses antigas compreenderam a importância do Pai-nosso e valorizavam-no. A
Didaqué prescreve que se recite três
vezes ao dia. Hoje, o itinerário catequético prevê a festa da entrega do Pai-nosso.
E a oração dominical, como oração dos filhos, torna-se marca da celebração do Batismo,
da Eucaristia e das principais horas do Ofício litúrgico, bem como se fez ponto
central da devoção dos fiéis.
Seria
pena que, por força da repetição, esta viesse a banalizar o Pai-nosso. Por isso,
talvez não seja inoportuno apostar mais frequentemente na sua meditação de Bíblia
na mão e com os dramas e as alegrias do próximo bem ao pé de nós.
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