Em Portugal, como nos demais países onde o
sexagésimo dia (quinta-feira) depois da Páscoa não é feriado (e consequentemente dia santo de guarda), celebra-se no domingo seguinte, ou seja, no
domingo subsequente ao da solenidade da Santíssima Trindade, a solenidade
litúrgica do Santíssimo Corpo e Sangue de
Cristo, tradicionalmente designada por festa do Corpus Christi (expressão latina que significa corpo de Cristo) e, entre nós, denominada festa do Corpo de
Deus.
Além da celebração da Eucaristia, a procissão eucarística
pelas vias públicas, onde for possível, acata a recomendação do Código de Direito Canónico (cân. 944), que
estabelece que o bispo diocesano que a providencie “para testemunhar publicamente a adoração e a veneração para com a
Santíssima Eucaristia,
principalmente na solenidade do Corpo e Sangue de Cristo”. Também esta é
uma das datas em que, a não ser por causa grave e urgente, não se ausente da
diocese o bispo (cân.
395). É que a Eucaristia é o ponto de convergência
de toda a atividade da Igreja e donde deriva toda a sua missão no mundo e para
o mundo.
***
Antes de mais, é conveniente esclarecer como a
designação de Corpo de Deus, usual entre os portugueses, não colide com a ideia
de Deus como “espírito”. Com efeito, embora todos os dados bíblicos refiram Deus
como espírito e, por isso, invisível (sem
corpo). O texto mais explícito é o do Evangelho de
João em que Jesus diz à samaritana que “Deus é Espírito” (Jo 4,24), o
que tem por consequência que “os verdadeiros adoradores O adorem em espírito e
verdade” (cf Jo 4,23.24).
A Bíblia adota a
natureza de Deus espiritual, ou seja, Deus não é composto de matéria, não
possui natureza nem dimensões físicas. Também não é redutível à pura energia ou
ao puro pensamento. Tem, ao invés, um tipo de essência e de existência
superior, que não é percetível pelos sentidos corpóreos do ser humano.
Por seu turno,
diversas correntes filosóficas, em contraponto com as mitologias, deram origem
a que se desenvolvessem muitos conceitos sobre a existência e a substância de Deus.
Alguns teólogos, como
Tertuliano, influenciados pelo estoicismo e sua cosmovisão materialista,
admitiram que Deus pudesse ser entendido como um ser físico, ainda que
constituído a partir de algum tipo de material leve e ténue, como o fogo. Argumentando
que apenas um fator físico pode influenciar o mundo físico, inferiam que, Se
Deus não fosse uma entidade física, não seria capaz de fazer nada e, por
conseguinte, não existiria. Porém, a generalidade dos primeiros pensadores
cristãos, como Orígenes, sob a influência do platonismo, asseguravam que a distinção
platónica entre o mundo físico inferior, que vemos à nossa volta, e o mundo
intelectual superior, que não vemos, mas é real, combina perfeitamente com o
Cristianismo. Segundo eles, Deus faz parte do mundo intelectual e, por essa
razão, não é um ser físico, não tem um corpo material. A única possibilidade de
encontrá-lo é pela iniciativa da mente.
A fé católica
professa: um só Deus, criador do Céu e da Terra, de todas as coisas visíveis e
invisíveis; um só Senhor Jesus Cristo, Filho unigénito do Pai, que encarnou (assumiu um corpo humano); e o Espírito Santo, Senhor e
vivificante (vd credo niceno-constantinoplitano).
Pelos símbolos da fé,
aceita-se que Deus é um só, que tem uma só natureza, que esta natureza é
espírito e que vive em três pessoas iguais e distintas. Porém, a segunda
pessoa, no fim dos tempos, assumiu um corpo humano e nasceu de uma mulher (cf Gl 4,4).
O termo “espírito” é
usado várias vezes com significados diversos. Importa discernir os que se
referem a Deus. “Espírito”, na Bíblia, tem a aceção de: “vento” (Sl 11/10,6) – no hebraico ruah quer dizer “vento tempestuoso ou “espírito de tempestade”; “respiração”,
“ser vivo” (Gn 6,17; Sl 150,6; At 18,25); “anjos”, “ventos”,
“mensageiros” (Sl 104/103,4), tanto os bons como os imundos (Mc 1,4.27); “alma”/espírito do homem; (Ecl 12,7); “alma”/ espírito de Cristo (Jo 19,30); o Deus “dos espíritos de toda a carne”
(Nm 16,22); “um ser contraposto à carne” (Is 31,3; Lc 26,40; Gl 5,16-17); “disposição ou
inclinação fiel e ativa” (Nm 14,24; Dn 6,4); forte atividade (Jl 3,1-4; Os 4,12).
Quando se diz que Deus
é Espírito, referimo-nos a um ser vivo, substância invisível e ativa que,
promove ações em Si e nos outros. Desta asserção doutrinal resultam algumas
implicações, como a infinitude, a omnipresença, a invisibilidade, a perfeição.
Em razão da Sua infinitude
e omnipotência (2 Cr 6,18; Is 66,1-2;
At 7,48; 1Cor 2,6; 2Cor 6,18), Deus não tem dimensões nem é dimensionável, não pode
ser contido pelo espaço. Não é uma res
como as demais, nem mesmo a maior que se possa imaginar ou encontrar no
universo. Além de transcender o universo, é Ele, em última análise, quem
permite que o universo exista e siga o seu percurso. Ao invés do corpo, que não
pode encher o céu e a terra de uma só vez com tudo o que é, pois, é limitado ao
tempo e no espaço, Deus, enquanto omnipresente e omnisciente (Sl 139/138,7-12; Jr 23,23-24), não está sujeito às
limitações do corpo físico, como o tempo ou como o espaço (Jo 4,21.24; At 17,24). Ele está presente, em simultâneo, com
todo o seu Ser em cada parte do universo. Está presente, mas é distinto de toda
a criação, à qual é superior por ser o seu criador e providência. Está em todo
o universo, mas não é o universo. Assim, todo o lugar é o lugar de se adorar a
Deus (Jo 4,21.24), pois a adoração não diz respeito ao
lugar, mas à condição espiritual de Deus e à condição de espiritualidade a que
pertence cada adorador.
A invisibilidade é
enaltecida, por exemplo, pelo apóstolo Paulo, que a assume como uma das
perfeições de Deus (1Tm 1,17). É certo que a Sua
divindade se entende pelas Suas obras, que são visíveis, mas o seu Ser não é visível
aos olhos materiais (Jo 1,18; Cl 1,15; 1Tm
6,16).
Só quando estivermos num corpo transformado veremos a Deus (Mt 5,8; 1Co 13,12-13; 1Jo 3,2; Ap 22,3-4).
Enfim, Deus é o Ser
Perfeito. Como a alma e espírito do homem corporal fazem dele o ser superior a
todos os demais que têm corpo (animais) e como os anjos, que
são espíritos sem corpo são superiores aos homens (Sl 8,5; Heb 2,6-8), Deus é mais perfeito do que a Sua
criação por ser Espírito puro e o efeito nunca supera a Causa. Tem uma
excelência acima de todos os seres e assim sendo, está inteiramente removido
das condições de corpo. Cada ser composto é criado e é, em essência, finito e
limitado. E, sendo assim, fica longe da perfeição. Por Deus ser Luz sem trevas
(1Jo 1,5) e sem sombra de mudança (Tg 1,17), sabemos que Ele é perfeito.
Deus é Espírito. Por
isso e para que não fosse confundido com os ídolos, proíbe a Bíblia
veterotestamentária que se faça qualquer imagem ou desenho de Deus (Ex 20,5; Dt 5,8-9). Com efeito a nossas mãos são tão
incapazes de formar uma imagem dele ou de O desenhar como os nossos olhos são
incapazes de O ver.
Deus não é nem tem
corpo. No entanto, a Bíblia fala das mãos, ouvidos e rosto ou vulto de Deus (Is 59,1-2), dos seus olhos (2Cr 7,15-16; Pr 15,3), das suas costas (Ex 33,23) e do seu braço (Dt 11,2). Ora, trata-se de antropomorfismos para
situar algumas das ações divinas. No segundo texto da criação, Deus surge na
metáfora do oleiro, que faz o homem a partir do boneco de Barro (Gn 2,7), e do anestesista e cirurgião, que
adormece o homem e a partir do homem adormecido faz a mulher (Gn 2,21-22), como surge, entre outras, nas metáforas
da rocha de firmeza e salvação (2 Sm 22,2-3; Sl
18/17,3), do ser com asas de acolhimento (Rt 2,12), do guerreiro que vence os inimigos (Ex 15,3). Os antropomorfismos e metáforas
referentes a Deus são tentativas de exprimir em linguagem entendível a verdade
sobre Deus através de analogias humanas e simbólicas. Aludem à Sua obra, de
modo figurado, e não à Sua natureza invisível. Nelas são manifestos os Seus
interesses, poderes e atividades. Os olhos falam do Seu conhecimento (Dt 11,12; Sl 34/33,15); o braço e mão, da Sua eficiência e
poder (Is 51,9; 52,10; Ez 20,33); os ouvidos, da Sua
omnisciência e atenção (Sl 34/33,15; 55/54,2-3;
2Cr 7,15-16); a face, do Seu favor (Sl 27/26,9; 143/142,7); a boca, da revelação da Sua vontade (Jb 37,2; Pr 2,6); as narinas, da aceitação das nossas
orações (Dt 33,10; cf Ap 8,3-4); o coração, da sinceridade
das Suas afeições (Gn 6,6; 1Cr 17,19); os pés, da Sua
presença (Is 60,13; 66,1); os ouvidos, da Sua
prontidão em ouvir as súplicas dos oprimidos (Ne
1,6; Sl 34/33,12.18).
No entanto, Deus
algumas vezes aparece em forma humana (Gn
18,1.2.13.16.17ss; Js 5,13-15) - teofania
ou manifestação divina, que não comunica ao homem a real essência de Deus, mas
que consiste em manifestação incorpórea de aparência humana, transitória ou em
localização permanente, com um objetivo bem determinado em prol do bem do homem.
Sendo assim, Deus não
pode ser percebido pelos sentidos humanos, pois é espírito, eterno, infinito e
invisível, mas pode ter comunhão com o homem. Não é necessário um lugar
especial para O adorar, pois Ele está em toda parte, plenamente presente e
ativo. Porém, o Templo ou o oratório podem criar ambiente propício à adoração
pessoal e constituem o espaço privilegiado para a adoração comunitária e a
celebração eclesial da fé. Porque Deus é Espírito, o homem só pode entrar em
comunhão com Ele através de um espírito vivificado por Cristo (1Jo 1,3). Para termos comunhão com Ele, devemos
ter o espírito e mente renovados (Jo
3,5-8; Ef 4,23). Mas podemos estar unidos a Deus e ser filhos Seus
no Espírito vivificado por Cristo:
Porque sois filhos, Deus enviou aos
nossos corações o Espírito do seu Filho, que clama: “Abbá! – Pai!”. Deste modo, já não és escravo, mas
filho; e, se és filho, és também herdeiro, por graça de Deus (Gl 4,6-7).
E graças ao amor do Pai, que nos fez Seus Filhos
no Filho, veremos a Deus tal como Ele é:
Vede que amor tão grande o Pai nos
concedeu, a ponto de nos podermos chamar filhos de Deus; e, realmente, o somos!
Agora já somos filhos de Deus, mas não se manifestou ainda o que havemos de
ser. O que sabemos é que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele,
porque O veremos tal como Ele é. (1Jo 3, 1-2).
Entretanto, não podemos olvidar que, pelo
mistério da Incarnação, Deus invisível Se tornou visível em Jesus Cristo. Ao descer à Terra, Deus, na
pessoa divina e humana de Jesus, adotou uma forma humana. Fisicamente, Jesus
parecia-se com qualquer outro homem. Ele teve fome, sede, cansaço, etc. A sua
divindade foi vista apenas indiretamente em suas ações e palavras. Mas, numa
ocasião, a glória divina interior de Jesus resplandeceu e tornou-se visível (cf Mt 17,1-8). “Ele é a imagem de Deus invisível” (Cl 1,15) – diz-nos Paulo. E o próprio Cristo nos ensina em João: “Quem me
vê a mim vê o Pai” (Jo 14,9).
A liturgia do Natal gravita
à volta do mistério da Incarnação e, nesse sentido, rezamos (lex orandi lex credendi) nos seus prefácios: “…para que, contemplando a Deus visível a nossos olhos, aprendamos a
amar o que é invisível” (prefácio I); “Aquele que, por sua natureza, era invisível tornou-se visível a nossos
olhos” (prefácio II).
Ora, como são
indissociáveis a natura humana e a natureza divina na pessoa de Cristo e como
esta pessoa é indissociável das outras pessoas divinas, Maria é mãe de Deus (e não só de Cristo ou só do corpo). Assim, também sabemos que o corpo de Cristo é
verdadeiro corpo de Deus. E, nem por isso, Deus deixa de ser o Espírito, como
não deixa de ser o Pai ou o Filho.
***
A origem da Solenidade do Corpus Christi remonta ao século XIII. O cónego Tiago Pantaleão de
Troyes, arcediago do Cabido
Diocesano de Liège, na Bélgica, e futuro Papa Urbano IV, recebeu o segredo da
freira agostiniana Juliana de Mont Cornillon, a quem, em visões, Cristo mostrou
o desejo de que o mistério da Eucaristia fosse celebrado com destaque. Cerca de
1264, numa cidade perto de Orvieto (onde o já Urbano IV tinha a corte pontifícia), ocorreu o Milagre de Bolsena – assim chamado em razão do nome da cidade – em
que um sacerdote durante a Missa, no momento da fração da Sagrada Hóstia, teria
visto sair dela sangue, que empapou o corporal (pano
onde se apoiam o cálice e a patena a partir do ofertório). O Papa determinou que os objetos milagrosos
fossem trazidos para Orvieto em procissão, a 19 junho de 1264. Recebidos solenemente
pelo Sumo Pontífice, foram levados para a Catedral de Santa Prisca. Depois
desta primeira solene procissão eucarística de que há memória, o Papa instituiu
oficialmente a festa de Corpus
Christi com a publicação da
bula Transiturus em 8 de setembro de 1264, para ser
celebrada na quinta-feira depois da oitava do Pentecostes.
Para que a festividade lograsse maior
esplendor, desejava Urbano IV dotá-la de Ofício próprio.
O Ofício foi organizado por São Tomás de Aquino, que, para o efeito, compôs o
hino Lauda Sion (Louva,
Sião) – hino que se mantém na atualidade nas
solenidades e devoções eucarísticas. Mas a bula de Urbano IV teve fraca repercussão
no imediato, devido à ocorrência da sua morte, menos de um mês após a publicação
do documento. Mas propagou-se por algumas igrejas, como as da diocese de Colónia, na Alemanha, onde o Corpus
Christi é celebrado desde
antes de 1270. A procissão eucarística começou por fazer-se em Colónia e
difundiu-se, primeiro, na Alemanha e,
depois, na França e na
Itália. Em Roma, a procissão
organiza-se desde 1350.
A Eucaristia é um dos sete sacramentos, cuja instituição se torna
visível na Última Ceia, quando Jesus tomou o pão, o abençoou, partiu e deu aos
discípulos, dizendo, “…Isto é o meu corpo...
E, depois, tomou o cálice com vinho (e
alguma água, à maneira judaica), o
abençoou e deu aos discípulos, dizendo, “…
Este é o cálice do meu sangue... Fazei isto em memória de mim”. (cf Mt 26, 26-29; Mc 14,22-25; Lc 22,14-20;
1Cor 11,23-27).
Para Santo
Agostinho, a Eucaristia é memorial de imenso benefício para os fiéis,
deixado nas formas visíveis do pão e do vinho, com vista à comunhão e ao
banquete. Mas ela tem íntima ligação com a morte sacrificial de Cristo na Cruz
em redenção da humanidade, pois aquele pão é o Corpo de Cristo “entregue por
vós” e o vinho é o sangue de Cristo “derramado por vós e pela multidão”. Enquanto,
o sacrifício do calvário é cruento, o da Ceia (ora
presentificado em todos os altares do mundo) é o
mesmo, mas realizado de forma incruenta. E o ato da ceia e o ato da cruz são o
mesmo: a aliança nova e eterna – definitiva, portanto – no sangue de Cristo,
ultrapassando, mas validando com novo sentido os sacrifícios
veterotestamentários. Por isso, é preciso celebrar, adorar e tirar
consequências para a vida de partilha de bens e energias em prol dos outros m
sobretudo os que mais precisam.
A Eucaristia na entrega de Cristo é o ato permanente
e supremo da proximidade de Deus com o homem, com o povo – ensaiada tantas
vezes, de modo imperfeito, no Antigo Testamento.
***
Em Portugal, neste
dia, em todas as dioceses de Portugal se fazem solenes procissões eucarísticas a
partir da igreja catedral ou de outra igreja de grande referência, tal como em
muitas outras localidades, que são muito concorridas. Estas procissões atingem
o seu esplendor máximo em Braga, Porto (a
partir a Igreja da Trindade) e
Lisboa.
Embora haja referências à sua celebração já nos
tempos de Dom Afonso III, a festa
do Corpus Christi foi oficialmente ordenada por Dom Dinis, começando a ser celebrada
com regularidade em 1282.
A festa, que se tornou de longa tradição,
antigamente dava lugar a danças, folias e procissões em que se misturavam o
sagrado e o profano. Desfilavam pelas ruas, ao som de gaitas de foles e outros
instrumentos, os representantes de várias profissões, os carros alegóricos, os diabos, a serpe, as cocas, os gigantones. Das danças dos ofícios, em Penafiel,
ainda restam o baile dos ferreiros, o baile dos pedreiros e o baile das
floreiras. No Minho, sobretudo em Monção e Ponte de Lima, a celebração tem forte
dimensão religiosa, arreigada na tradição eclesial e popular.
Em Ponte de Lima, por tradição, que perdura há
vários séculos, no dia seguinte ao dia usual do Corpo de Deus, realiza-se uma
celebração, própria e exclusiva da vila, tendo sido instituído feriado, desde
1977, para todos os Limianos. As celebrações realizam-se durante todo o dia,
sendo os Limianos presenteados com uma procissão da parte da manhã e outra da
parte da tarde em volta da vila e uma missa para todos os habitantes do concelho
no próprio dia, sempre ao meio-dia, na Igreja Matriz da vila.
Em Braga,
desde 1923, a presença maciça de Escuteiros do
Corpo Nacional de Escutas – Escutismo Católico Português constitui uma nota de
vistosidade, pois foi nessa procissão naquele ano que os mesmos se apresentaram,
pela primeira vez, em público.
Típicos desta festividade em Portugal são,
além das colgaduras nas janelas e sacadas, os tapetes de rua, que se tornaram
elementos da tradição e de manifestação artística popular concretizada pelos fiéis
para a passagem da procissão eucarística. Os desenhos utilizados são dos mais variados,
mas enfocam principalmente o tema da Eucaristia. Para a confeção dos tapetes
são utilizados diversos tipos de materiais, tais como a serragem colorida, a farinha,
areia e outros acessórios, mas o material mais abundante são as flores ou os
verdes vegetais.
***
Na sua homilia do passado dia 4, o Papa evoca
a Última Ceia em que Jesus entrega o
Seu corpo e sangue, nas espécies de pão e de vinho, para nos legar o memorial
do seu sacrifício de amor infinito – na mesa do banquete e no patíbulo da cruz
– tornado viático dos discípulos para a sua caminhada ao logo da História para
estender a todos o reino de Deus.
Francisco cita o responsório da 2.ª leitura do
ofício de leitura do Corpus Christi:
Reconhecei neste pão Aquele que esteve pregado
na cruz, reconhecei neste cálice o sangue que brotou do Seu lado (cf Jo
19,34). Tomai e comei o corpo de Cristo,
tomai e bebei o sangue de Cristo. Para não vos desagregardes, comei o vínculo
da vossa união, para não vos desprezardes, bebei o preço da vossa redenção.
Nós desagregamo-nos – explica o Papa – quando
não somos dóceis à Palavra do Senhor, não vivemos a fraternidade, não temos a
coragem de testemunhar a caridade ou não somos capazes de oferecer esperança. Desprezamo-nos
ou envilecemos quando maltratamos a nossa dignidade cristã, deixando-nos
contaminar pelas idolatrias do nosso tempo: o protagonismo indevido, o consumo,
o querer ser o centro de tudo, a competição desenfreada, a arrogância, o
desprezo pelo necessitado. Tudo isto gera um cristianismo medíocre, tíbio,
insípido, pagão. Como antídoto, temos a Eucaristia, o remédio contra o pecado e
a tibieza, porque alicerçada na aliança nova e eterna no sangue de Cristo, que
nos purifica e revigora.
Depois, o Papa deseja que, na festa do Corpo do Senhor, tenhamos a alegria de
celebrar o mistério, de o louvar e cantar pelas nossas ruas. Por isso, ao
caminharmos pelas ruas em procissão eucarística, devemos sentir-nos em comunhão
com os que mais precisam, em especial, “tantos nossos irmãos e irmãs que não
têm a liberdade de exprimir a sua fé no Senhor Jesus”. Assim, o Bispo de Roma
apela à solidariedade para com os perseguidos e oprimidos pela fé e à veneração
dos mártires de hoje:
Sintamo-nos
unidos a eles: e com eles cantemos, louvemos e adoremos. E veneremos em nosso
coração aqueles irmãos e irmãs a quem foi exigido o sacrifício da vida pela
fidelidade a Cristo: que o seu sangue, unido ao do Senhor, seja penhor de paz e
de reconciliação para o mundo inteiro. E não nos esqueçamos: Para não vos desagregardes, comei este
vínculo de comunhão; para não vos desprezardes, bebei o preço da vossa redenção.
Por sua
vez, o Bispo do Porto, na sua homilia do Corpus
Christi, depois dos pertinentes comentários teológico-bíblicos, infere as
consequências práticas da reflexão que propôs:
Não queremos comer sozinhos nem o pão da Eucaristia, nem o
alimento da fé nem o fruto do trabalho humano. Não podemos despedir as multidões
convocadas para a mesa do Senhor, famintas da sua palavra e do seu alimento.
Não podemos aceitar estatísticas que nos falem impunemente de tantos irmãos sem
pão, sem esperança, sem trabalho e sem futuro e que nos deixem insensíveis,
inertes e inativos. Devemos ser comunidades que vivem, testemunham e irradiam
esta força que se encontra na Eucaristia para anunciar esta verdade do
Evangelho que nos fala de um reino onde se reparte com abundância o alimento do
Senhor e se multiplica com justiça o pão na mesa dos pobres.
***
E assim os cristãos têm a
oportunidade de – fora do tenso ambiente de consternação pelos Passos do
Senhor, Paixão e Morte – meditar, celebrar e festejar o mistério eucarístico,
em sintonia com a vontade do Senhor, a orientação da Igreja e as necessidades
prementes da humanidade e de cada ser humano que sofre e quer viver.
***
“Ó sagrado banquete, em que se recebe Cristo
e se comemora a sua Paixão, em que a alma se enche de graça e nos é dado o
penhor da futura glória!” (Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de
Cristo, antífona do Magnificat das
Vésperas II).
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