Durante quatro anos, andaram os
próceres da governança sob troika e ultratroika a clamar que Portugal não é a
Grécia e António Costa, apesar de ter saudado os resultados das últimas eleições
legislativas gregas, apressou-se a declarar que o seu PS não é o Syriza.
Agora, que a União Europeia e o Governo
grego parece não virem a chegar a um acordo de solução condigna para a Grécia e
grata para a UE, sob acusações mútuas, exatamente no considerado dia D para a Grécia,
o Presidente da República de Portugal, que não
participa nas reuniões do Eurogrupo, declara, do alto da sua sabedoria infalível,
que “a Europa não pode ceder a chantagens”. Todavia, espera que “na 25.ª hora”
surja o milagroso acordo com o governo de Atenas”, adiantando que “seria bom
para todos os países da UE”.
O Eurogrupo, a Comissão Europeia e o Fundo Monetário
Internacional, que o Syriza conseguiu que se chamassem “instituições” em vez de
troika (Isto faz-se lembrar Marcello Caetano, que
reformava as instituições mudando-lhes a designação) acusam a Grécia de não proceder às reformas
necessárias, enquanto o Governo grego acusa os credores de querem espezinhar a
Grécia com as suas excessivas exigências.
A isto, Cavaco Silva, alinhado com o Governo
de Passos Coelho, na teoria do “bom aluno” da Europa (teoria, aliás, de génese cavaquista), sentenciou: “A Europa não pode ceder a
chantagens, venham elas de dentro do seu espaço ou fora dele”. São estas
algumas das palavras do Chefe do Estado de Portugal, em Bucareste, numa conferência
de imprensa para balanço das suas visitas de Estado à Bulgária e à Roménia, em
que confessou não dispor de informações positivas sobre um eventual acordo
entre as autoridades gregas e os credores. No dia da reunião do Eurogrupo, o
Presidente Cavaco admitiu que a União Europeia terá entrado numa “área de
resultados imprevisíveis” e que, apesar de as instituições europeias estarem
mais bem preparadas para “um acidente (a saída
da Grécia da zona euro e da própria UE),
alguns efeitos ocorrerão e não serão positivos”.
Quanto aos efeitos colaterais em Portugal da
eventual saída da Grécia, o Presidente mostra-se convicto de que “Portugal tem
neste momento uma reserva de fundos financeiros para manter a economia durante,
vários, vários meses”.
Não respondendo diretamente sobre o impacto de
uma já muito provável saída da Grécia do espaço da UE nos programas partidários
e na campanha eleitoral portuguesa, perorou: “O povo português compreende bem a
diferença entre a situação de Portugal e da Grécia e reconhece que os dois
países seguiram caminhos diferentes na implementação dos programas de ajustamento”.
Talvez tenha querido dizer que os portugueses se sujeitaram a todas as
imposições da troika e os gregos foram resistindo até ao limite.
Ora, não sei se, ironicamente se
zombeteiramente, quis deixar, a propósito da realidade grega, um eloquente aviso
(Cavaco faz sempre questão em avisar e avisar
que já tinha avisado) a
Portugal e aos partidos em processo eleitoral: “O governo grego foi aprendendo
que a realidade é diferente dos sonhos e das promessas que vão sendo feitas em
campanha eleitoral”.
***
Por seu turno e em nome do Governo, o Ministro
da Presidência afirmou, em conferência de imprensa, no final do Conselho de
Ministros de hoje, dia 18, que o Executivo aguarda uma decisão conjunta
europeia sobre a Grécia e estará atento a eventuais turbulências nos mercados.
Porém, não antecipa cenários e só lidará com eles quando acontecerem.
Questionado se o Governo discutiu algum plano para
a eventual (e cada vez mais provável) saída da Grécia da zona euro, declarou que “as
decisões sobre a Grécia são decisões europeias, não são decisões de países
individualmente considerados”.
Sobre a hipótese de mudanças na estratégia de
pagamentos antecipados da dívida portuguesa ao Fundo Monetário Internacional (FMI), Marques
Guedes respondeu que isso não estava a ser equacionado e reiterou que a antecipação
do pagamento da dívida ao FMI “é a estratégia que melhor defende os interesses
financeiros nacionais e os contribuintes portugueses”, reafirmando que o
executivo PSD/CDS-PP pretende prossegui-la.
Adiantou que, de momento, o caso grego não
afeta rigorosamente nada aquela estratégia e que espera que não venha a afetar,
mas que “não podemos antecipar, conscientemente, qualquer tipo de turbulência que
venha a ocorrer nos mercados”. E, pegando nas palavras do Primeiro-Ministro e
da Ministra das Finanças, reporta-se ao país como “perfeitamente dotado de
meios financeiros e de capacidade financeira”, sendo “com base nos nossos
próprios recursos que nós resolvemos as nossas obrigações” e não estando “a contar
com interferências estranhas” ao processo da “antecipação dos nossos próprios
pagamentos”.
Depois, no que respeita às negociações em
curso nas instâncias europeias, segundo o Ministro da Presidência e dos Assuntos
Parlamentares, Portugal “está, como todos os outros países europeus, empenhado
em encontrar uma solução para o problema da Grécia, que não é de agora”. Todavia,
escapou-se ao desenvolvimento do tema, remetendo-o para as inconclusivas reuniões
de hoje dos ministros da Economia e das Finanças da União Europeia (Ecofin) e da
zona euro (Eurogrupo) e presumivelmente
depois do Conselho Europeu”, reafirmando que terá de haver “uma decisão
europeia”, não fazendo “sentido absolutamente nenhum haver posições
individualizadas”.
***
Também hoje o líder parlamentar do PS e seu antigo secretário-geral,
Ferro Rodrigues – depois de confrontado com a exigência do chefe de Estado,
Cavaco Silva, no sentido de que as regras da União Europeia sejam respeitadas
por todos os Estados-membros, incluindo a Grécia – afirmou que as regras
defendidas pelo Presidente da República levaram a Grécia ao desastre e advertiu
que o futuro da Europa requer “bom senso”.
Chegou mesmo a dizer que “as regras
que o senhor Presidente da República fala são as regras que na Grécia deram um
péssimo resultado, pois, “o que aconteceu na Grécia foi que uma austeridade
absolutamente desvairada – com quedas do produto e aumentos do desemprego ainda
maiores do que em Portugal –, conduziu o país a uma situação absolutamente
insustentável”.
O dirigente socialista acha, pois, “natural que os governantes e povo grego
queiram sair dessa situação” de austeridade: “Estamos perante uma questão que
exige bom senso de todos e que não tem nada a ver com uma lógica tipo de professor
primário. Está em causa o futuro da Europa”.
Em defesa da sua posição, o
presidente do Grupo Parlamentar do PS citou artigos que têm sido publicados na mais
influente imprensa mundial, como, por exemplo, o Financial Times: “Não há nenhuma certeza sobre o que vai acontecer
[em caso de rutura] e ainda na quarta-feira o [jornal] Financial Times, que tem
uma influência grande a vários níveis na União Europeia, tinha um editorial
muito duro, alertando para a necessidade de se chegar a um consenso em que
ninguém perdesse a face”.
Sobre a influência de eventual alteração
do panorama europeu nos programas partidários e na campanha eleitoral o
experiente político, revelou-se lacónico e ambíguo, dizendo que haverá sempre
influência, mas que a situação não se alterou.
***
Que o Presidente da República
esteja tranquilo com as questões relacionadas com a Grécia, não espanta, tal
como não espanta o seu confessado alívio pela solução encontrada para a TAP, “vendida”
ou a acabar de vender por dez milhões de euros, que não de contos (20 meses de ordenado de Jorge de
Jesus), a um grupo económico luso-americano tão sólido que, para sanear
a empresa, tenciona vender aviões para depois os alugar e, para a recapitalizar,
conta com as migalhas do Estado brasileiro através de um dos seus bancos. Assim,
só tenho pena de que o Presidente, que assegurou aos investidores e
depositantes a segurança financeira confiável do BES/GES, com resultados tão
positivos, não tenha manifestado a sua satisfação com a nacionalização, há
tempos, da EDP e da REN pelo Estado chinês!
Quanto à posição do Chefe do
Estado e do Governo, lamento que: persistam na obediência acrítica às lideranças
europeias na culpabilização dum país que se encontra em situação periclitante,
mandando às malvas o projeto europeu; hipocritamente remetam para a formalidade
das decisões europeias rejeitando qualquer hipótese de sugestão de cada
Estado-Membro, no esquecimento de que a Europa é feita de países e não é uma
entidade abstrata; timidamente se limitem a dizer que o país tem uma almofada
financeira para os próximos meses e que a Grécia não afeta o plano de pagamento
antecipado da dívida portuguesa ao FMI; e deslavadamente declarem que o fenómeno
grego não vai afetar, em Portugal, nem os programas dos partidos nem a campanha
eleitoral ou que digam candidamente que esperam (talvez do céu) uma solução europeia sem por ela
lutarem.
Porque é que, em vez de
repropalarem que Portugal não é a Grécia, se limitam a dizer que para já não há
nada a temer e que, se houver turbulência de mercados, então se agirá? Será que,
afinal, também seremos a Grécia?
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