quarta-feira, 10 de junho de 2015

Uma singular hermenêutica da culinária e da mesa

Por convite do colega no ativo Valdemar Godinho, participei ontem, dia 9 de junho, no jantar de encerramento do curso de cozinha no âmbito dos cursos de educação e formação de adultos (EFA), iniciado há cerca de dois anos e meio e que efetivamente termina no próximo dia 12. Depois, os ainda formandos vão entrar no regime de estágio para o exercício em contexto real de trabalho, após o que a formação se considerará concluída com êxito.
É verdade que, apesar de o curso ter decorrido sob a égide do Ministério da Economia, a Escola Secundária de Santa Maria da Feira não deixou de honrar o seu compromisso em relação a um painel de formandos que se inscreveram ainda no quadro do antigo CNO, cedendo as instalações e outros recursos logísticos, bem como conseguindo disponibilizar os professores da componente de formação de base e os “chefes” (para formação tecnológica) – Isabel, Ferraz e Vítor – que já prestavam serviço em áreas similares nos cursos profissionais do Ministério da Educação e Ciência (MEC).
Obviamente que me revejo nos parabéns que as diversas vozes endereçaram ao diretor de curso, professor Valdemar Godinho, à diretora do Agrupamento de Escolas de Santa Maria da Feira, professora Lucinda Ferreira, aos demais formadores aos funcionários e, sobretudo aos formandos, esperando que estes, os referenciados em último lugar, mas os mais importantes, hajam encontrado uma ferramenta válida e útil do lado pessoal, profissional e social para a vida numa perspetiva geradora de bem-estar e felicidade.
Regressado a casa, pus-me a pensar na satisfação que senti pela refeição e convívio em escola em que prestei serviço durante onze anos e recordei pessoas do antigamente e contactei com novas pessoas num mundo que se torna cada vez mais finito e mais pequeno. Por isso, me sinto na gostosa obrigação de reiterar desta forma a minha participação nos parabéns que então os oradores endereçaram e dar o testemunho na forma que, a seguir, se explana.
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Tive, pois, a ocasião de recordar, na linha da aprendizagem ao longo da vida, o princípio de que estamos sempre a aprender ou, se quisermos, a recordar e reforçar o que aprendemos, que se torna realidade a cada momento. E ontem foi um bom momento de pedagogia ou, melhor, de propedêutica em torno dos alimentos e das circunstâncias da sua degustação e fruição.
Assim, uma singular hermenêutica da culinária e da mesa propiciou o ambiente físico da refeição coletiva.
Conforme foi salientado, a disposição das mesas obedeceu à matriz da linha poligonal em torno do centro sobriamente decorado e cada mesa foi crismada e decorada com motivos agradáveis à vista e segundo vários “lógos” temáticos. Tive a sorte de calhar em mesa dedicada à sabedoria. No grego, a “sofía” constitui o predicado de quem se pensa a si próprio e ao mundo naquilo que há de mais profundo e existencial e o filósofos” é o humilde e verdadeiro amigo da sabedoria consubstanciada no bem, na verdade e na beleza. E, no latim, a “sapientia” consiste na fruição espiritual daquela trilogia evidenciada pelos gregos e um termo da família do nosso sabor (em latim, “sapor) que leva os elementos corporais a fazer tanto bem ao gosto, o qual, por sua vez, pode alegrar o espírito ao ser-lhe proporcionado o bem-estar e a tranquilidade.
Mas a hermenêutica da culinária ofereceu aos organizadores – formandos e chefes – o ensejo de tirar partido de uma heurística seletiva, os quais, em consequência do seu tacto seletivo e interpretativo, apresentaram uma ementa que primou pela diversificação e equilíbrio. Desde logo, a variedade de alimentos resultou do conhecimento dos elementos alimentícios existentes na região, que, mesmo assim, permitiram a oferta gastronómica de produtos entre o aparentemente exótico (por exemplo, o sushi) e os produtos regionais. Face a estes itens da variada ementa, os comensais foram proficientemente guiados, passo a passo, na degustação de cada prato, bebida ou “mixtum” pelo chefe Vítor, tentando a pedagogia da deglutição e seu efeito à distância no tempo, bem como os benefícios para a saúde, frisando mesmo a circunstância do tempo que o organismo leva a assumir a sensação de satisfação do repasto.
Como nota de curiosidade, devo salientar o facto de ainda me lembrar da razão do emprego do pão ázimo (sem fermento e sem sal) na ceia pascal dos judeus, que celebrava a saída libertadora dos hebreus da opressão escravizante do Egito (cf Ex 13,3-10): a necessidade de não poder esperar-se pela levedação. Porém, já não me recordava da sua caraterística de conservação por largos dias (que o chefe Vítor sublinhou) e o pão que restava teria de ser levado para a viagem que seria longa.
Depois, as pessoas que intervieram discursivamente não se alongaram em demasia, foram claras e ofereceram um suplemento frugal e claro ao ambiente do refeitório.

Foi uma bela jornada que não posso deixar de incluir no meu registo diário de textos que vou produzindo no estado de aposentação ativa em que me encontro. Prosit!

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