quinta-feira, 4 de junho de 2015

Retorno ao estudo das culturas e línguas clássicas

De acordo com informação colhida no siteeducare. pt”, a 03-06-2015, as escolas poderão vir a integrar no seu projeto educativo, a partir do próximo ano letivo, uma componente de culturas clássicas, medida que vai ser apresentada em Coimbra, no próximo dia 5, num seminário aberto à comunidade.
Na ocasião, os organizadores divulgarão uma proposta para a concretização do projeto em escolas e agrupamentos de escolas do ensino básico, incluindo a formação e o acompanhamento de professores que irão lecionar culturas e línguas grega e latina, no âmbito da nova componente curricular, designada por Introdução à Cultura e às Línguas Clássicas.
De acordo com um nota da organização, “há vários séculos que esta área de conhecimento ocupa um lugar de destaque no currículo escolar. Mas, em tempos mais recentes, alguns países têm optado por manter esse destaque, enquanto outros [como escandalosamente Portugal – acrescento eu] minimizam-na ou substituem-na”.
O seminário vem na linha do estudo que o Ministério da Educação tem vindo a acolher no sentido do reforço do ensino do latim e da cultura clássica no ensino básico e secundário, na sequência de proposta que teve origem no Conselho Nacional de Educação (CNE), em diálogo com as associações de professores e universidades e no seguimento da recomendação da UNESCO, em 2010, aos países com línguas de origem latina com vista a que ensinem o latim nas escolas e cujo interesse cresce na Europa.
Segundo Maria Helena Damião, “o estudo destas áreas permite um conhecimento mais profundo da língua” portuguesa. Esta docente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra (UC) – que integra o CNE, por indicação do Governo, e o grupo de trabalho que apoia a organização do aludido seminário – salientou ainda a valorização de “aspetos de cidadania importantes” inerentes a essa área do conhecimento, ao nível de conceitos como a paz, a democracia ou a liberdade, entre outros.
Aberto à comunidade educativa, em especial a diretores de escola/agrupamento, professores e formadores de professores, o seminário vai decorrer no Conservatório de Música de Coimbra, no próximo dia 5, sexta-feira, entre as 10 horas e as 17 e 30 minutos.
Este encontro sobre o projeto de reintrodução das línguas e culturas clássicas no sistema educativo português é promovido pelo Centro de Formação da Associação de Escolas Nova Ágora e pelo Centro de Formação da Associação de Escolas Minerva. E a justificação que apresentam é como segue:
“Depois de uma quase extinção da cultura e, sobretudo, das línguas clássicas no sistema educativo português, pretende-se acompanhar o primeiro grupo de países por se reconhecer a importância de tal área na formação das crianças e dos jovens, nomeadamente na consciencialização do percurso civilizacional, na interiorização de valores fundamentais, na identificação das raízes da língua e no seu uso correto, bem como na fruição dos saberes que proporciona e, não menos importante, pelas relações que estabelece com as ciências, as artes e as expressões”.
Os promotores da iniciativa sublinham “a relevância da cultura e das línguas clássicas na aprendizagem das crianças e jovens”, as quais podem ser ministradas já no próximo ano letivo, no âmbito da componente curricular de “oferta de escola”.
A este respeito, José Luís Brandão, do Instituto de Estudos Clássicos da Faculdade de Letras da UC, realçou a importância de esta componente ser reintroduzida nas escolas, para já no Ensino Básico (9.º ano de escolaridade), recordado – penso eu – de que a disciplina de Português do 3.º ano do velho 3.º ciclo liceal (e o seu programa) compreendia uma rubrica programática “noções de língua latina”.
O insigne professor, que integra o grupo de trabalho do encontro e também vai participar nos trabalhos, sustenta que as culturas e as línguas clássicas “são a base da cidadania europeia”.
A iniciativa da próxima sexta-feira é apoiada pelo Ministério da Educação e Ciência – Quem diria! –, escolas, centros de formação, Associação de Professores de Latim e Grego, Associação Portuguesa de Estudos Clássicos, Centro de Estudos Clássicos, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX.
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No Público on line, de 3 de junho, Clara Viana salienta que, no ensino básico também vão existir aulas de Latim e de Grego; que o projeto arranca no próximo ano letivo; e que são as escolas que decidirão se querem as línguas clássicas de regresso.
A mesma colunista dá conta da reação da APLG (Associação de Professores de Latim e Grego), que se sintetiza na curtíssima frase exclamativa: Gaudeamus!
Gaudeamus é um termo latino que significa “alegremo-nos”. E porquê agora o Gaudeamus? Porque “os estudos clássicos vão poder voltar às nossas escolas”, explicita a APLG.
Em declarações ao Público, Nuno Crato, esclarece que o projeto visa essencialmente fornecer “elementos às escolas” para que possam proporcionar uma aproximação ao estudo da cultura clássica e “revalorizar assim no currículo toda a cultura que herdámos dos gregos e romanos”.
Explicitando que não se pretende introduzir mais uma disciplina obrigatória na matriz do ensino básico e que, por isso, não se trata de mais “uma reforma curricular” – pois, “não estamos a propor a criação da disciplina de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas, embora as escolas o possam fazer – o Ministro esclarece que se pretende com este projeto dar elementos para que na oferta de escola possam ser criadas disciplinas como, por exemplo, “Vamos Aprender Latim” ou “Aprende o Alfabeto Grego”. Também se pretende que nas poucas já existentes “seja fomentada esta ligação à cultura e línguas clássicas, o que pode ser feito tanto, nas mais óbvias, como Português e História, mas também em Matemática e Ciências”.
Assim, a componente de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas terá um caráter opcional e poderá ser oferecida por escolas do 1.º ao 3.º ciclo. Os conteúdos destinados às escolas vão estar disponíveis no site da Direcção-Geral de Educação a partir do próximo dia 5, data do lançamento oficial do projeto. O Ministro da Educação está confiante de que haverá uma boa adesão por parte das escolas, podendo assim inverter-se a tendência dos últimos anos que quase condenou o Latim e o Grego ao esquecimento. “O Latim está a desaparecer das escolas e o Grego ainda mais, o que é uma pena” – declarou.
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Atualmente o Latim faz parte do leque das disciplinas bienais que os alunos podem escolher no 10.º e 11.º ano (em alternativa, o aluno pode ter o Latim B no 12.º ano). É opcional, portanto. O exame final é feito no 11.º ano. No ano passado, foi realizado por 114 alunos, quando, em 1996, tinham feito este exame cerca de 13 mil. Na disciplina de Grego já não há exame nacional. Faz parte das disciplinas de opção do 12.º ano do ensino secundário, podendo ser oferecido tanto no Curso de Línguas e Humanidades, como nos de Ciências Socioeconómicas e de Ciências e Tecnologias. É o que está previsto na matriz curricular. Na prática, quase não existem turmas a funcionar. Tanto em Lisboa, como no Porto, só há uma secundária com oferta de Latim – a de Camões (Lisboa) e a de Rodrigues de Freitas (Porto).
A APLG acusou por várias vezes o MEC de ter conduzido o ensino destas línguas à quase extinção por exigir, desde 2012, que as disciplinas de opção só possam abrir se tiverem um mínimo de 20 alunos. No dizer do Ministro, “são tudo coisas que  podem ser ultrapassadas”. A lei prevê que as escolas possam abrir turmas com menos alunos desde que sejam autorizadas a tal pelos serviços do MEC “territorialmente competentes”, mas na prática, segundo têm denunciado professores destas disciplinas, as autorizações não têm sido dadas ou nem sequer são pedidas pelas direções das escolas, segundo tem sido denunciado por alguns professores.
Muitas direções das escolas, pressionadas a gerir os recursos, nem sabem desta possibilidade nem dão importância ao Latim (não são os alunos que a negam). Por outro lado, pela falta de alunos e porque os professores dos grupos 8.º A e 8.º B (códigos 20 e 21, respetivamente) foram obrigados a optar pelo grupo 300 (Português), pelo grupo 310 (Latim/Grego) ou pelo grupo 320 (Francês). É claro, pensando no futuro, a maior parte escolheu o grupo 300.
Várias entidades que colaboraram com o MEC no novo projeto esperavam que a revitalização da cultura clássica nas escolas passasse pela reposição do Latim obrigatório no curso de Línguas e Humanidades. Porém, o MEC não acatou essa indicação, esclarecendo que “é uma hipótese, mas não queremos entrar por agora por esse caminho – primeiro porque não consideramos ser oportuna mais uma reforma curricular e, por outro lado, porque achamos que este movimento deve vir de baixo para cima”.
Não obstante, Margarida Miranda, do Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos da UC, mostra-se confiante no impacto do novo projeto para o ensino básico:
“Estou convencida de que este pode ser  um passo modesto mas ainda assim determinante para o regresso das Línguas Clássicas ao plano curricular, superando uma lacuna que muito fragiliza o nosso ensino. Pelo contrário, a sua presença é condição essencial para elevarmos o nível do ensino em Portugal ao nível dos países de maior tradição humanística e científica”.

Em vários países europeus, mesmo aqueles cuja língua não é novilatina, as aulas de Latim estão entre as mais populares. Na Alemanha, por exemplo, onde é ensinado a partir do 5.º ano, é o terceiro idioma estrangeiro mais estudado nas escolas.  
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E em Portugal o que se passa? Em 1996, fizeram o exame de 12.º ano de Latim cerca de 13 mil alunos. Em 2014, foram apenas 114 os alunos que se apresentaram a exame – que agora se realiza no final do 11.º ano.
Ora, nos últimos 15 anos, o latim foi desaparecendo das escolas do país. Por exemplo, na região de Lisboa, um aluno do secundário que queira estudar Latim tem poucas opções. Mário Paulo Martins, um dos dois professores que lecionam este ano letivo a disciplina nesta escola, refere: “Já há alguns anos que as pessoas sabem que Latim é no Camões”.
A Escola Secundária de Camões tem, no presente ano letivo, uma turma de 10.º ano com 12 alunos, uma de 11.º ano com 9 alunos e outra de 12.º ano com 3 alunos. E no Camões estão as seis pessoas que neste momento, em Lisboa, fazem estágio na área de Português e Latim – quatro mestrandas da Universidade Nova de Lisboa e duas da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Para estas candidatas à docência fazer o estágio com Latim pode ser “uma mais-valia”, numa altura em que já quase ninguém o faz.
No Porto, a situação é semelhante. Só a Escola Secundária Rodrigues de Freitas continua a oferecer o Latim nesta cidade. Alexandra Azevedo, professora de Latim nesta escola, justifica e explica:
“Julgo que o facto se deve à tradição clássica da escola e a ter havido uma passagem de legado entre professores. Tanto eu como o meu colega fomos alunos na escola e aqui estamos há mais de 22 anos. O Latim sempre teve presença, ainda que com número variável de alunos. Este ano temos uma turma de 15 alunos no 10.º ano”.
Os frutos da tradição das línguas clássicas na Rodrigues de Freitas são bem visíveis: Foram vários os alunos da escola premiados em concursos internacionais atinentes à área.
Outra escola que tem mantido o Latim é a Escola Secundária Manuel Teixeira Gomes, no Sul do país, em Portimão. Luís Pinto Salema, professor de Latim e de Grego, explica-se:
“No presente ano letivo, candidatei-me a professor bibliotecário e, por esse motivo, tenho apenas uma turma, que não é de latim. É uma turma de grego e tem 30 alunos”.

Uma turma de Grego desta dimensão é hoje uma raridade; e os colegas são unânimes em reconhecer a excecional capacidade de motivação do professor. Luís Salema, por outro lado, lamenta que “pela primeira vez, em 9 anos, não há uma turma de Latim na escola, e havia pelo menos 12 alunos inscritos no 10.º ano”. O professor conta que um aluno que lhe veio perguntar se lhe dava aulas de latim e que está a fazê-lo “na biblioteca da escola”.
Nas nove ilhas dos Açores, há apenas uma docente a leccionar latim no ensino secundário, em Povoação (S. Miguel).
Alice Costa, professora na Escola Secundária D. Pedro V, em Lisboa, referindo que, em 2012, o Ministério da Educação passou de 10 para 20 o número mínimo de alunos exigido para abrir de forma automática uma disciplina de opção, explica:
“Aumentou a dificuldade e a confusão: está previsto que as escolas possam abrir turmas com menos alunos desde que peçam autorização às direções regionais. Mas, além do desconhecimento desta possibilidade, também acontece que os próprios diretores das escolas ignorem totalmente a importância do Latim”.

Nas palavras de Mário Paulo Martins: “Se há professores, é essencial começar por oferecer o maior número possível das opções previstas, depois os alunos surgem ou não – mas falta coragem por parte das escolas”.
E se um aluno da área de ciências e tecnologias do ensino secundário estiver interessado em aprender Latim? A resposta oficial é clara: “Um aluno de ciências não pode escolher latim, nos atuais desenhos curriculares. Em muitos países, isso não acontece, dando-se uma maior liberdade de escolha aos alunos” (confessa Luís Salema). Todavia, se o aluno frequentasse a secundária de Camões, talvez pudesse esperar pelo clube de Latim que Mário Paulo Martins gostaria de criar já no próximo ano letivo, que assegura:
“Tive vários alunos de outras áreas interessados. De facto, o ensino secundário está muito compartimentado e limitado. Noções de latim e de grego ao nível da etimologia deviam ser obrigatórias para quem segue cursos de medicina, arquitetura, engenharias várias, etc.”
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Porque não quer o MEC mais uma revisão curricular, quando dizia que a revisão tinha que se ir fazendo? Ou porque é nesta matéria que a reforma tem que vir de baixo, quando as demais vêm por decreto? Depois, integra esta área curricular em oferta de escola, sem que a avaliação conte? Porque sugere aqui uma disciplina minimalista como Aprende o alfabeto grego e não Aprende os triângulos? Vai intervir na formação inicial e contínua de docentes para que professores do 1.º ciclo e todos os professores de Português e de História (as naturais, segundo o MEC, porque não também de Francês e Espanhol) possam gerir a área Introdução à Cultura e às Línguas Clássicas?

Já agora eu preferia “culturas” e “línguas” (cultura grega e cultura latina não são coincidem em tudo).

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