De acordo com informação colhida no site “educare. pt”, a 03-06-2015,
as escolas poderão vir a integrar no seu projeto educativo, a partir
do próximo ano letivo, uma componente de culturas clássicas, medida que vai ser
apresentada em Coimbra, no próximo dia 5, num seminário aberto à comunidade.
Na
ocasião, os organizadores divulgarão uma proposta para a concretização do
projeto em escolas e agrupamentos de escolas do ensino básico, incluindo a
formação e o acompanhamento de professores que irão lecionar culturas e línguas
grega e latina, no âmbito da nova componente curricular, designada por Introdução à Cultura e às Línguas Clássicas.
De
acordo com um nota da organização, “há vários séculos que esta área de
conhecimento ocupa um lugar de destaque no currículo escolar. Mas, em tempos
mais recentes, alguns países têm optado por manter esse destaque, enquanto
outros [como escandalosamente Portugal –
acrescento eu] minimizam-na ou substituem-na”.
O seminário vem na linha do estudo que o
Ministério da Educação tem vindo a acolher no sentido do reforço do ensino do
latim e da cultura clássica no ensino básico e secundário, na sequência de
proposta que teve origem no Conselho Nacional de Educação (CNE), em diálogo com as associações de professores e universidades e no
seguimento da recomendação da UNESCO, em 2010, aos países com línguas de origem
latina com vista a que ensinem o latim nas escolas e cujo interesse cresce na
Europa.
Segundo Maria Helena Damião, “o estudo
destas áreas permite um conhecimento mais profundo da língua” portuguesa. Esta
docente da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de
Coimbra (UC) – que integra o CNE, por indicação do
Governo, e o grupo de trabalho que apoia a organização do aludido seminário – salientou
ainda a valorização de “aspetos de cidadania importantes” inerentes a essa área
do conhecimento, ao nível de conceitos como a paz, a democracia ou a liberdade,
entre outros.
Aberto à comunidade educativa, em especial
a diretores de escola/agrupamento, professores e formadores de professores, o
seminário vai decorrer no Conservatório de Música de Coimbra, no próximo dia 5,
sexta-feira, entre as 10 horas e as 17 e 30 minutos.
Este
encontro sobre o projeto de reintrodução das línguas e culturas clássicas no
sistema educativo português é promovido pelo Centro de Formação da Associação
de Escolas Nova Ágora e pelo Centro de Formação da Associação de Escolas Minerva.
E a justificação que apresentam é como segue:
“Depois de uma quase
extinção da cultura e, sobretudo, das línguas clássicas no sistema educativo
português, pretende-se acompanhar o primeiro grupo de países por se reconhecer
a importância de tal área na formação das crianças e dos jovens, nomeadamente
na consciencialização do percurso civilizacional, na interiorização de valores
fundamentais, na identificação das raízes da língua e no seu uso correto, bem
como na fruição dos saberes que proporciona e, não menos importante, pelas
relações que estabelece com as ciências, as artes e as expressões”.
Os
promotores da iniciativa sublinham “a relevância da cultura e das línguas
clássicas na aprendizagem das crianças e jovens”, as quais podem ser
ministradas já no próximo ano letivo, no âmbito da componente curricular de
“oferta de escola”.
A
este respeito, José Luís Brandão, do Instituto de Estudos Clássicos da
Faculdade de Letras da UC, realçou a importância de esta componente ser
reintroduzida nas escolas, para já no Ensino Básico (9.º ano de
escolaridade), recordado – penso eu – de que a disciplina de
Português do 3.º ano do velho 3.º ciclo liceal (e o
seu programa) compreendia uma rubrica programática “noções de
língua latina”.
O
insigne professor, que integra o grupo de trabalho do encontro e também vai
participar nos trabalhos, sustenta que as culturas e as línguas clássicas “são
a base da cidadania europeia”.
A
iniciativa da próxima sexta-feira é apoiada pelo Ministério da Educação e
Ciência – Quem diria! –, escolas, centros de formação, Associação de
Professores de Latim e Grego, Associação Portuguesa de Estudos Clássicos,
Centro de Estudos Clássicos, Centro de Estudos Clássicos e Humanísticos e
Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX.
***
No Público on line, de 3 de junho, Clara
Viana salienta que, no
ensino básico também vão existir aulas de Latim e de Grego;
que o projeto
arranca no próximo ano letivo; e que são as escolas que decidirão se querem as línguas clássicas de regresso.
A mesma colunista dá conta
da reação da APLG (Associação de Professores de Latim e Grego), que se sintetiza na
curtíssima frase exclamativa: Gaudeamus!
Gaudeamus é um termo latino que significa “alegremo-nos”. E porquê agora o Gaudeamus?
Porque “os estudos clássicos vão poder voltar às nossas escolas”, explicita a
APLG.
Em declarações ao Público,
Nuno Crato, esclarece que o projeto visa essencialmente fornecer “elementos às
escolas” para que possam proporcionar uma aproximação ao estudo da cultura
clássica e “revalorizar assim no currículo toda a cultura que herdámos dos
gregos e romanos”.
Explicitando que não se pretende introduzir mais uma
disciplina obrigatória na matriz do ensino básico e que, por isso, não se trata
de mais “uma reforma curricular” – pois, “não estamos a propor a criação da
disciplina de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas, embora as escolas o
possam fazer – o Ministro esclarece que se pretende com este projeto dar
elementos para que na oferta de escola possam ser criadas disciplinas como, por
exemplo, “Vamos Aprender Latim” ou “Aprende o Alfabeto Grego”. Também se
pretende que nas poucas já existentes “seja fomentada esta ligação à cultura e
línguas clássicas, o que pode ser feito tanto, nas mais óbvias, como Português
e História, mas também em Matemática e Ciências”.
Assim, a componente de Introdução à Cultura e Línguas Clássicas terá um caráter opcional e
poderá ser oferecida por escolas do 1.º ao 3.º ciclo. Os conteúdos destinados
às escolas vão estar disponíveis no site da Direcção-Geral de
Educação a partir do próximo dia 5, data do lançamento oficial do projeto. O
Ministro da Educação está confiante de que haverá uma boa adesão por parte das
escolas, podendo assim inverter-se a tendência dos últimos anos que quase
condenou o Latim e o Grego ao esquecimento. “O Latim está a desaparecer das
escolas e o Grego ainda mais, o que é uma pena” – declarou.
***
Atualmente o Latim faz parte do leque das disciplinas bienais que os alunos
podem escolher no 10.º e 11.º ano (em alternativa, o aluno pode ter o Latim
B no 12.º ano). É opcional,
portanto. O exame final é feito no 11.º ano. No ano passado, foi realizado por
114 alunos, quando, em 1996, tinham feito este exame cerca de 13 mil. Na
disciplina de Grego já não há exame nacional. Faz parte das disciplinas de
opção do 12.º ano do ensino secundário, podendo ser oferecido tanto no Curso de
Línguas e Humanidades, como nos de Ciências Socioeconómicas e de Ciências e
Tecnologias. É o que está previsto na matriz curricular. Na prática, quase não
existem turmas a funcionar. Tanto em Lisboa, como no Porto, só há uma
secundária com oferta de Latim – a de Camões (Lisboa) e a de Rodrigues de Freitas (Porto).
A APLG acusou por várias vezes o MEC de ter conduzido
o ensino destas línguas à quase extinção por exigir, desde 2012, que as
disciplinas de opção só possam abrir se tiverem um mínimo de 20 alunos. No
dizer do Ministro, “são tudo coisas que podem ser ultrapassadas”. A lei
prevê que as escolas possam abrir turmas com menos alunos desde que sejam
autorizadas a tal pelos serviços do MEC “territorialmente competentes”, mas na
prática, segundo têm denunciado professores destas disciplinas, as autorizações
não têm sido dadas ou nem sequer são pedidas pelas direções das escolas,
segundo tem sido denunciado por alguns professores.
Muitas direções das escolas, pressionadas a gerir os
recursos, nem sabem desta possibilidade nem dão importância ao Latim (não são os
alunos que a negam). Por outro lado,
pela falta de alunos e porque os professores dos grupos 8.º A e 8.º B (códigos 20 e 21,
respetivamente) foram
obrigados a optar pelo grupo 300 (Português), pelo grupo 310 (Latim/Grego) ou pelo grupo 320 (Francês). É claro, pensando no futuro, a maior parte escolheu
o grupo 300.
Várias entidades que colaboraram com o MEC no novo projeto
esperavam que a revitalização da cultura clássica nas escolas passasse pela
reposição do Latim obrigatório no curso de Línguas e Humanidades. Porém, o MEC não
acatou essa indicação, esclarecendo que “é uma hipótese, mas não queremos
entrar por agora por esse caminho – primeiro porque não consideramos ser
oportuna mais uma reforma curricular e, por outro lado, porque achamos que este
movimento deve vir de baixo para cima”.
Não obstante, Margarida Miranda, do Centro de Estudos
Clássicos e Humanísticos da UC, mostra-se confiante no impacto do novo projeto
para o ensino básico:
“Estou convencida de que este pode ser um passo modesto mas ainda
assim determinante para o regresso das Línguas Clássicas ao plano curricular,
superando uma lacuna que muito fragiliza o nosso ensino. Pelo contrário, a sua
presença é condição essencial para elevarmos o nível do ensino em Portugal ao
nível dos países de maior tradição humanística e científica”.
Em vários países europeus, mesmo aqueles cuja língua
não é novilatina, as aulas de Latim estão entre as mais populares. Na Alemanha,
por exemplo, onde é ensinado a partir do 5.º ano, é o terceiro idioma
estrangeiro mais estudado nas escolas.
***
E em Portugal o que se passa? Em
1996, fizeram o exame de 12.º ano de Latim cerca de 13 mil alunos. Em 2014,
foram apenas 114 os alunos que se apresentaram a exame – que agora se realiza
no final do 11.º ano.
Ora, nos últimos 15 anos, o latim foi desaparecendo
das escolas do país. Por exemplo, na região de Lisboa, um aluno do secundário
que queira estudar Latim tem poucas opções. Mário Paulo Martins, um dos dois
professores que lecionam este ano letivo a disciplina nesta escola, refere: “Já
há alguns anos que as pessoas sabem que Latim é no Camões”.
A Escola Secundária de Camões tem, no presente ano letivo,
uma turma de 10.º ano com 12 alunos, uma de 11.º ano com 9 alunos e outra de
12.º ano com 3 alunos. E no Camões estão as seis pessoas que neste momento, em
Lisboa, fazem estágio na área de Português e Latim – quatro mestrandas da
Universidade Nova de Lisboa e duas da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa. Para estas candidatas à docência fazer o estágio com Latim pode ser
“uma mais-valia”, numa altura em que já quase ninguém o faz.
No Porto, a situação é semelhante. Só a Escola Secundária
Rodrigues de Freitas continua a oferecer o Latim nesta cidade. Alexandra
Azevedo, professora de Latim nesta escola, justifica e explica:
“Julgo que o facto se deve à tradição clássica da escola e a ter havido uma
passagem de legado entre professores. Tanto eu como o meu colega fomos alunos
na escola e aqui estamos há mais de 22 anos. O Latim sempre teve presença,
ainda que com número variável de alunos. Este ano temos uma turma de 15 alunos
no 10.º ano”.
Os frutos da tradição das línguas clássicas na
Rodrigues de Freitas são bem visíveis: Foram vários os alunos da escola
premiados em concursos internacionais atinentes à área.
Outra escola que tem mantido o Latim é a Escola
Secundária Manuel Teixeira Gomes, no Sul do país, em Portimão. Luís Pinto
Salema, professor de Latim e de Grego, explica-se:
“No presente ano letivo, candidatei-me a professor bibliotecário e, por
esse motivo, tenho apenas uma turma, que não é de latim. É uma turma de grego e
tem 30 alunos”.
Uma turma de Grego desta dimensão é hoje uma raridade;
e os colegas são unânimes em reconhecer a excecional capacidade de motivação do
professor. Luís Salema, por outro lado, lamenta que “pela primeira vez, em 9
anos, não há uma turma de Latim na escola, e havia pelo menos 12 alunos
inscritos no 10.º ano”. O professor conta que um aluno que lhe veio perguntar
se lhe dava aulas de latim e que está a fazê-lo “na biblioteca da escola”.
Nas nove ilhas dos Açores, há apenas uma docente a
leccionar latim no ensino secundário, em Povoação (S. Miguel).
Alice Costa, professora na Escola Secundária D. Pedro
V, em Lisboa, referindo que, em 2012, o Ministério da Educação passou de 10
para 20 o número mínimo de alunos exigido para abrir de forma automática uma
disciplina de opção, explica:
“Aumentou a dificuldade e a confusão: está previsto que as escolas possam
abrir turmas com menos alunos desde que peçam autorização às direções
regionais. Mas, além do desconhecimento desta possibilidade, também acontece
que os próprios diretores das escolas ignorem totalmente a importância do Latim”.
Nas palavras de Mário Paulo Martins: “Se há
professores, é essencial começar por oferecer o maior número possível das
opções previstas, depois os alunos surgem ou não – mas falta coragem por parte
das escolas”.
E se um aluno da área de ciências e tecnologias do
ensino secundário estiver interessado em aprender Latim? A resposta oficial é
clara: “Um aluno de ciências não pode escolher latim, nos atuais desenhos
curriculares. Em muitos países, isso não acontece, dando-se uma maior liberdade
de escolha aos alunos” (confessa Luís Salema). Todavia, se o aluno frequentasse a secundária de Camões, talvez pudesse esperar
pelo clube de Latim que Mário Paulo Martins gostaria de criar já no próximo ano
letivo, que assegura:
“Tive vários alunos de outras áreas interessados. De facto, o ensino
secundário está muito compartimentado e limitado. Noções de latim e de grego ao
nível da etimologia deviam ser obrigatórias para quem segue cursos de medicina,
arquitetura, engenharias várias, etc.”
***
Porque não quer o MEC mais uma revisão curricular, quando
dizia que a revisão tinha que se ir fazendo? Ou porque é nesta matéria que a
reforma tem que vir de baixo, quando as demais vêm por decreto? Depois, integra
esta área curricular em oferta de escola, sem que a avaliação conte? Porque sugere
aqui uma disciplina minimalista como Aprende o alfabeto grego e não Aprende os triângulos?
Vai intervir na formação inicial e contínua de docentes para que professores do
1.º ciclo e todos os professores de Português e de História (as naturais,
segundo o MEC, porque não também de Francês e Espanhol) possam gerir a área Introdução
à Cultura e às Línguas Clássicas?
Já agora eu preferia “culturas”
e “línguas” (cultura grega e cultura latina não são coincidem
em tudo).
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