domingo, 21 de junho de 2015

Alternância não tem interesse. Alternativa, talvez.

O país está, de momento, no cruzamento de duas narrativas políticas: uma, a dominante, secundada pelos grandes produtores do conhecimento e pela opinião pública publicada, estabeleceu que os países do sul europeu, entre os quais se conta o nosso, viveram acima das suas possibilidades, caíram numa situação de colapso económico, tendo chegado alguns (como a Irlanda, a Grécia, Portugal e, em certa medida, a Espanha e a Itália) à barra da bancarrota financeira; a outra, preconiza que, embora o estado de endividamento externo de qualquer um desses países seja altamente elevado, um grande bolo da dívida (quiçá o mais volumoso) é da responsabilidade das entidades privadas.
Assim, enquanto os reescreventes da primeira narrativa entendem que a solução está na inevitabilidade da imposição a todo o custo de uma política austeritária para a satisfação literal dos compromissos com os credores, cortando no Estado e empresas satélites – designadamente pelo draconiano emagrecimento de salários, suplementos, subsídios e pensões, serviços e comparticipações –, na flexibilização feroz e intensa da legislação laboral (com a supressão de postos de trabalho, reestruturação de empresas e serviços com o consequente despedimento, rescisão amigável de contrato ou requalificação) e na venda de empresas e serviços públicos (privatização ou subconcessão) ao desbarato (até à nacionalização por parte de outros Estados), os outros pressupõem que a austeridade, embora útil e talvez necessária, não é inevitável e, embora sejam de respeitar os compromissos com o exterior, outro posicionamento é possível com os credores e a política interna poderá ser menos drástica, não tendo de reduzir os rendimentos do trabalho e devendo induzir o crescimento económico e o bem-estar das pessoas, que passa por maior investimento, incremento das exportações, promoção do emprego e incentivo ao consumo interno.
Fora deste jogo de narrativas ficam os que pensam que o país tem de obstar aos subscritores e paladinos do pacto de empobrecimento do povo, esvaziamento da classe média, espezinhamento dos trabalhadores da administração pública e humilhação do Estado soberano.
Os gregos, a quem recentemente foi “perdoada” grossa fatia da dívida pública, cansaram-se do espezinhamento europeu. E, recordados das dívidas saldadas, que não pagas, de outros países ora opressores da sua soberania de povo e da sua dignidade de cidadãos e lembrados de que muita da sua dívida fora contraída pelo aliciamento fácil dos então fornecedores travestidos atualmente de credores, escolheram uma nova governança e queriam que ela viesse a constituir uma alternativa. Todavia, a inflexibilidade europeia, embora alegando erros das governanças anteriores, mas em vias de correção em finais de dezembro de 2014, pretendeu que o governo liderado pelo Syriza constituísse uma simples peça de alternância. Face à argumentação grega da liberdade democrática de rejeição da troika qua tali, alguma crispação da inflexibilidade europeia reagiu com o contra-argumento de que os gregos são tão livres de escolher a sua governança como de decidir a saída do Euro. E Europa e Grécia vivem a hora séria da guerra político-diplomática. Alguns esperam um acordo de 25.ª hora; e outros creem no denominado grexit, que prevê a saída do Euro com ou sem contágio para outros países do Sul.  
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Em Portugal, o jogo das narrativas políticas tem as suas especificidades. António Guterres, provavelmente crente na terceira via entre o duro liberalismo político-económico e o socialismo experimentado nalguns países na lógica marxista-leninista radicalizada por Estaline, ensaiada por Tony Blair, encaminhou o país para o Euro (começando pelo fim) sem cuidar, aliás como outros estadistas europeus, da política económica e financeira comum e da união bancária. O país, segundo alguns, parecia viver nas nuvens e Durão Barroso declarou o estado de tanga. Santa Lopes vislumbrou o termo da crise. E Sócrates reduziu o défice, mas foi fintado pela Comissão Europeia que, apuradas as contas, alterou retroativamente os critérios e a crise financeira internacional refletiu-se na Europa e engrossou a debilidade nacional. Apesar de tudo, o atual Presidente da República, enquanto preparava a reeleição presidencial, foi complacente e cúmplice. Virou, entretanto, a página logo que viu assegurado o segundo mandato presidencial.
O atual Governo e seus cúmplices, que ajudaram à “missa” na confeção do memorando de entendimento, que figurava um plano de ajuda financeira (PAF, por acaso a sigla da atual coligação) ou a vulgarmente designada como pedido de ajuda externa, atiram a responsabilidade exclusiva para os desmandos ditos perdulários do Governo de Sócrates.
Esquecidos de que não se importavam de governar com o FMI, que juraram cumprir o programa da troika e ir além da troika, orgulham-se de ter utilizado bem os resultados dos pesados sacrifícios impostos aos portugueses consubstanciados, hoje em dia, na redução do défice e do desemprego, do crescimento da economia, nomeadamente através das exportações e do investimento. Prometem, a longo prazo, a reposição dos salários e a redução de impostos e afirmam-se portadores da estabilidade e da previsibilidade e sábios garantes da necessária sustentabilidade, acusando os adversários de irresponsavelmente virem a relançar o país no caos.
E, sobre a Grécia, parece estar contente por alegadamente ter os cofres cheios para prevenir qualquer acidente que surja até ao início do próximo ano, vislumbrando no grexit uma oportunidade política de futuro da sua reafirmação em Portugal da política da inevitabilidade.
O partido socialista, por seu turno, corporiza outra narrativa. A intervenção externa resultou da reprovação política do PEC 4 (seria interessante proceder à sua releitura para aferirmos das diferenças entre aquele PEC 4 e o seu sucedâneo PAF) e a crise que atravessou o país teve a sua génese na crise internacional a que a Europa não soube responder. Sobre o PAF, não nega a evidência da sua paternidade, mas pretende a partilha de responsabilidades na crise e na negociação do memorando de entendimento com o PSD e o CDS (bondade de que os seus líderes então fizeram gala), acusando o atual Governo de ir além da troika em muitos aspetos, não o reler numa perspetiva atualizada e falhar todos os objetivos que se propôs, designadamente contenção da dívida, que disparou para os 130% e do défice, que poderá ficar nominalmente abaixo dos 3%, porque a troika, que já cá não está, mas que ainda vem cá e avalia, permite que certas verbas não contem contabilisticamente para o défice. Por outro lado, o fenómeno dos magros resultados, que o Governo estriba nos números das estatísticas, esquece a sangria migratória, o défice colossal do emprego a que o país chegou e o facto de o emagrecimento do serviço da dívida se dever à nova atitude do BCE.
Para futuro, o PS quer apresentar-se como alternativa para a governança do país. Para tanto, procedeu à elaboração do conhecido cenário macroeconómico, à apresentação de um projeto de programa eleitoral, que recolheu contributos vários e que aprovou com alterações na última convenção. Afasta o espectro da inevitabilidade da política austeritária e suas consequências. Promete a sustentabilidade da economia e o seu crescimento, bem como a reposição de salários e reestruturação da política fiscal a mais breve prazo que a coligação. Entretanto, o líder e alguns porta-vozes emitem mensagens contraditórias sobre a situação do país e a perspetiva de futuro e não explicam bem como alcançarão algumas das metas caso formem governo.
Sobre a Grécia, não partilham da visão otimista do Governo, dizem que não são o Syriza, mas mostraram temor pelas consequências da saída do Euro por parte daquele país e até aventaram a hipótese de mexer nos programas se a situação objetiva se alterar, não conseguindo demonstrar a bondade desta posição em contraponto à do Governo.
Ademais, não dizem ao povo quais os erros que empalmaram a sua última governação nem conseguiram demarcar-se claramente da liderança governativa de Sócrates nem da sua situação de ora preso preventivamente desde há meio ano por alegada indiciação de branqueamento de capitais, corrupção e fraude fiscal (indiciação, pelos vistos, cada vez menos consistente) nem, afora as visitas a Évora – algumas delas apenas baseadas na amizade pessoal, com exceção das de Mário Soares, que nem os próprios socialistas entenderam – fizeram um esforço por reabilitar a sua imagem política, demonstrando a simul capacidade para fazer caminhar por outro rumo.
Assim, parece que a liderança de Costa, antes tão promissora, se revela, mutatis mutandis, excessivamente similar da de Seguro (não era por falta de promessas e de propostas que a sua liderança era fraca), não descolando da coligação e até ficando para trás.
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Apesar de tudo o que os portugueses passaram e ao contrário do que era expectável, o país parece ter dificuldade em desacreditar do governo PSD/CDS. Se até agora as sondagens indicavam uma tendência de voto clara dos eleitores no PS com uma diferença pouco visível em relação à coligação, ultimamente as indicações de voto indicam uma vitória tangencial da coligação ora pré-eleitoral, a PAF (Portugal à frente), com 38% dos votos, contra 37% de votos no PS. E também o fenómeno Marinho e Pinto está longe de aflorar. É certo que as sondagens valem o que valem, mas elas influenciam o estado de espírito dos eleitores, não valendo argumentar como o caso do falhanço das sondagens no Reino Unido. Mais: nada custa a admitir que as sondagens não tenham um fim em vista, já que o processo eleitoral não deixa de ser também um processo semibelicoso. Todos apontam o voto como arma do povo e, como tal, ela é adestrável.
Que se passa? Costa esteve tempo a mais à frente da autarquia lisboeta e corporizou medidas impopulares; escolheu um líder parlamentar fraco, que não descolou do passado, não explica as opções do partido; não esclareceu politicamente o caso Sócrates, fixando-se demasiado no politicamente correto da afirmação do que é da justiça é da justiça e de que o que é da política é da política. Não sabe ele que a CRP, na organização do poder político integra o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais. Depois, parecem os dirigentes partidários confundir “política” com “política partidária”. Sabem e proclamam que o Ministério Público e os Tribunais não têm agenda política (Será mesmo assim?), mas esquecem-se de que as pessoas (e também os magistrados o são) têm memória. E muitas vezes os governantes entram em choque com o poder judiciário.
Quanto a programas, a PAF não tem programa ainda, mas já se constituiu como coligação pré-eleitoral, apresentou as linhas gerais programáticas, gere bem o lado positivo dos resultados, faz com eficácia e muito assiduamente o ataque cerrado ao PS, aos seus líderes e às suas opções programáticas, algumas das quais por ambíguas ou mal explicadas os eleitores têm dificuldade em perceber e, se perceberem, têm dificuldade em aceitar.
Ora, se o PS não se explicar melhor, não apresentar um rumo claramente definido, se não contra-argumentar como denodo, assiduidade e eficácia nem será a alternativa que dizia ser e que muitos esperavam, nem sequer constituirá uma peça de alternância. Se quer ganhar, tem de se redefinir quanto antes, mudar o discurso, reafinar o programa eleitoral, fazer desaparecer de cena alguns porta-vozes e explicar que temos os cofres cheios com dinheiro que o Estado recebe pela venda de dívida pública, ou seja, com dinheiros dos outros, que é preciso vir a restituir.

Caso contrário, o povo não deixa aquilo que pensa ser mau em troca de algo que possa vir a ser pior. E não venha depois o PS dizer que é o povo que está a cuspir do lado errado do selo!

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