terça-feira, 2 de junho de 2015

Três, a conta que Deus fez!

Mesmo as pessoas que não possuem um sentido apurado do devir cristão porfiam frequentemente no enunciado em epígrafe, o qual se situa por excelência e se percebe melhor em contexto teológico cristão, nomeadamente com relação à noção de Deus trino em articulação com a essência do Deus uno. A solenidade litúrgica da Santíssima Trindade, que se celebra no domingo subsequente ao encerramento do ciclo pascal pela solenidade do Pentecostes (neste ano de 2015, ocorreu a 31 de maio) leva os crentes a festejar o mistério do Deus uno e trino, tentar o acesso à profundeza do ministério e tirar as consequências para a vida das notas que envolvem este mistério.
Para este dinamismo cristão concorrem os elementos bíblicos (a madre da doutrina), a reflexão teológica (o trabalho intelectual Deus e sobre as coisas de Deus), a oração da Igreja (lex orandi, lex credendi – a oração como norma da fé) e a assimilação que o povo fez do mistério ao longo do tempo na sua sabedoria tão profunda como espontânea (sensus fidei – o senso comum da fé).

Alguns apontamentos bíblicos
A Bíblia neotestamentária apresenta-se um conjunto claro de fórmulas trinitárias: “Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19 - mandato). “Aquele que nos confirma juntamente convosco em Cristo e nos dá a unção é Deus, Ele nos marcou com um selo e colocou em nossos corações o penhor do Espírito” (2Cor 1,21-22 – confirmação na fé). “A graça de Nosso Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós” (2Cor 13,13 – saudação paulina de despedida). “Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação na santificação do Espírito e na fé da verdade. A isto vos chamou por meio do Evangelho: à posse da glória de Nosso Senhor Jesus Cristo” (2Ts 2,13-14 – vocação à santidade). “Pedro, apóstolo de Jesus Cristo, aos que peregrinam na diáspora…, eleitos por meio da santificação do Espírito, segundo a providência de Deus Pai, para obedecerem a Jesus Cristo e receberem a aspersão do seu sangue, graça e paz vos sejam dadas em abundância” (1Pe 1,2 – saudação petrina, que afirma o Pai como providente, o filho como redentor no seu sangue e o Espírito como santificador).
O Batismo de Jesus apresenta a teofania trinitária: Cristo, Jesus de Nazaré, ali presente é o filho muito amado do Pai, cuja voz se fez ouvir ali, no Jordão, enquanto o Espírito Santo veio em forma de pomba sobre o batizado (cf Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22).
O número três remete, pois, para a fórmula trinitária do Deus único na Trindade. O Deus bíblico é Espírito (Jo 4,24). Contudo, o Filho tornou-se homem. Enquanto isso, o Espírito Santo é apresentando como “Senhor” e, portanto, Deus, como o Pai e o Filho. No Livro dos atos, Ágabo diz: “Isto diz o Espírito Santo” (At 21,11). Paulo também diz que o Senhor é Espírito (2Cor 3,17).
Mesmo como Segunda Pessoa da Trindade, o Senhor Jesus Cristo veio ao mundo em carne, para dar a Sua vida em resgate pela salvação dos pecadores. E, quando diz, “...Quem me vê a mim vê o Pai...” (Jo 14,9), claro que não se refere ao corpo do Pai, mas ao Seu Espírito, do mesmo modo como diz: “Estou em meu Pai” (Jo 14,20).
Lemos, no evangelho de João, que Jesus é “o Verbo” (Jo 1,1). E, no Apocalipse, vemos que “o nome pelo qual ele (Jesus) é chamado é a Palavra de Deus” (Ap 19,13). Jesus é a Palavra encarnada, assim como a Bíblia é o Verbo encadernado (escrito), o Filho presente na Escritura. Com efeito, “três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra e o Espírito Santo; e estes três são um” (1Jo 5,7-8). É o Filho de Deus encarnado, crucificado e glorificado (três etapas) Ele revela o Pai, revela-Se a Si mesmo e revela o Espírito Santo.

Alguns dados da reflexão teológica: Deus Uno e Trino
A reflexão teológica assenta na noção de Deus, unidade de natureza na trindade das pessoas. Face à revelação de Deus na história como Pai, Filho e Espírito Santo, não podemos entender esta realidade de três formas de encontro de Deus com a história como  uma “máscara” através da qual Deus pura e simplesmente assume diferentes “papéis”  ao longo da História. Também esta tríplice forma de revelação de Deus não se reduz a três simples modos de o homem se encontrar e relacionar com Deus, nem mesmo a tríade divina (ou Trindade) constituirá apenas na expressão da autoconsciência do Homem e da sua necessidade de se relacionar com Deus.
No nosso conhecimento de Deus dá-se um pouco do que sucede hoje com o conhecimento científico: o conhecimento da verdade depende das “ondas” que a  própria realidade possa revelar à experiência:  a realidade das “relações” em Deus, tal como toda a realidade conhecida e experimentada, depende do  ângulo de visão do próprio ator, que só lhe revela um aspeto de cada vez. Assim, só conhecemos e podemos experimentar a realidade na medida em que nos deixamos envolver por ela. No caso da Revelação e da História, que funcionam no mecanismo da complementaridade, só podemos ter o conhecimento de Deus que  a fé e a experiência religiosa nos fornecerem (cf Ratzinger, J., in Introdução ao Cristianismo).
A doutrina que encontra a sua expressão no “Deus Uno e Trino” significa não só a renúncia à tentativa  de encontrar uma saída a modo humano, mas também a permanência no mistério que o homem não é capaz de alcançar por si só: esta profissão de fé é, pois, a única renúncia verdadeira  à pretensão do saber que torna tão atraentes as soluções simples com a sua falsa modéstia (cf Id et ib). Olhar a essência de Deus como unidade e trindade significa aceitar que a definição da divindade ultrapassa as nossas categorias mentais de unidade e pluralidade como dados opostos da unidade e multiplicidade na filosofia. Por outro lado, implica que se ultrapasse o “dualismo” presente nas culturas antigas: persa, grega, etc. É na categoria de “trindade” e não na de “dualidade” que melhor se entende a “unidade” de Deus. Ultrapassa-se ainda o conceito de “unidade”, que não se confunde com  “unicidade”; “a forma máxima da unidade é a que gera o amor”; daqui advém a ideia da Trindade como a verdadeira expressão de Deus, não apenas Trindade económica, mas Trindade imanente.
A pari, aplicar a Deus o termo “pessoa” implica acreditar e dizer que Deus é “relação, “linguagem”, “diálogo” e “fecundidade”. Deus é criador, providente e revelador. O conceito de pessoa em Deus implica falar de trindade de pessoas. “Pessoa” (do grego “prosopon”, pelo latim “personam) significa “um olhar dirigido para alguém”. Ora, é nesta dimensão antropológica que melhor poderemos aplicar o  conceito de pessoa ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, e não tanto na dimensão de “individua substantia”, como pretendia filosofia escolástica, o que podia levar-nos a um “triteísmo”.
Porém, não podemos olvidar que a vantagem do judaísmo, do cristianismo e do islamismo face às outras religiões consiste na ultrapassagem do politeísmo e na descoberta da essência e existência de um só Deus, o único, que é o Deus de Abraão, Isaac e Jacob, que, tal como teve o poder de libertar o seu povo da escravidão do Egito, também tivera a sabedoria e o poder de criar o homem (homem e mulher – abertos à geração da prole), à sua imagem e semelhança. E a vantagem singular do cristianismo foi ter descoberto na natureza una de Deus a sua trindade de pessoas iguais e distintas – o Deus comunidade, aquele que pode dizer em plural dialógico e colaborativo “Façamos o homem (Gn 1,26). A profissão de fé na unicidade de Deus não é menos radical no cristianismo que nas outras religiões monoteístas; ao invés, é nele que a unicidade alcança a verdadeira grandeza. A essência da vida cristã consiste, porém, em aceitar e viver a existência como relacionalidade, para entrar assim naquela unidade que é a base em que se apoia toda a relacionalidade e comunicabilidade (cf id et ib).
Por outro lado, a “personalidade” das pessoas divinas ultrapassa o modo humano de ser pessoa; no caso dos homens, não existe uma relação subsistente, ao passo que em Deus essa relação existe por si: Deus Pai nunca foi Deus sem ser Pai, o Deus Filho sem ser Filho e cada um destes sem ser Espírito Santo e vice-versa, quer na eternidade quer na revelação.
A ideia de “pessoas” e de “relações” em Deus já vem de certa forma atestada na Escritura veterotestamentária quando nos fala de “um Deus que dialoga consigo mesmo” (Gn 1,26; Sl 110/109,1). Deus não é simplesmente “logos”, mas é “diálogos”. Reler também Gn 18 ss – a aparição do Senhor a Abraão na figura dos três homens junto ao carvalho de Mambré.
Mas, ao aplicarmos a Deus conceitos de “substância” e de “pessoa”  exige-se-nos que saibamos estar ante formas de dizer o que é  indizível. Os conceitos que utilizamos para falar de Deus não são os únicos possíveis. Por isso, não nos deveremos apegar demasiado às terminologias. E, falando de unidade de Deus ao nível da “substância” não se poder falar de pluralidade ao nível dos acidentes, porque não é adequado. Assim, escolheu-se o conceito de pessoa enquanto “relação”, implicando o próprio conceito de a “substância” em Deus ser possuída pelas três pessoas. E, quando o Antigo Testamento nos fala de Deus, não o podemos aplicar apenas ao Pai: aplica-se ao Deus que Jesus revela como Pai e aplica-se ao Deus que depois sabemos ser Trindade. E, quando falamos de Deus, não falamos de um Deus Uno que depois se “transforma” em Deus Trino: ele é sempre “Uno-Trino”.
A unidade divina não significa um Deus “unipessoal”, nem a unidade duma essência abstrata, nem a unicidade do Pai, mas  a unidade do Pai, Filho e Espírito Santo. O Pai divino é mais que “benevolência”, “fidelidade”,  “misericórdia”, ou seja, é um amor substancial em  si (e não só para as criaturas) para o qual precisa do Amado, gerado na autodoação; e para demonstração do perfeito desprendimento da unidade dos dois,  precisa do “terceiro”, fruto e testemunho da unidade do amor que gera e agradece” (cf Balthasar, H. U. Von, in Theologik III, Der Geist der Wahrheit).

Alguns dados da reflexão teológica: A paternidade divina e a fraternidade entre os homens
A paternidade divina era entendida no Antigo Testamento (AT) como uma forma de relação com o seu Povo: libertação, eleição… Trata-se de um Deus “com entranhas maternas” (Is 66,13; Is 49,15; Sal 27/26, 10;  Jr 31, 15-20; Nm 11,12-13…). Só nos escritos tardios do AT e particularmente na literatura sapiencial se olha Deus como Pai do justo (Sb 2,16). O Deus criador, o Deus da Aliança, o Deus que falou pelos Profetas é o mesmo que Jesus nos apresenta como Pai. Porém, a palavra Pai é transcende o sentido biológico. Continua a ser verdadeiro que Deus não é homem nem mulher, mas precisamente Deus (com rosto paterno e materno). Trata-se efetivamente de uma imagem que Cristo nos entregou inequivocamente, para que nós recorrêssemos a ela na oração, imagem através da qual nos quer comunicar alguma coisa sobre a visão de Deus. O Deus representado por uma imagem paterna “cria” através da palavra, daqui derivando a diferença específica entre criatura e criação (Ratzinger, J./Bento XVI,  Dio e il Mondo).
Jesus fala do Deus criador, da Aliança, dos Profetas como Seu Pai  e invoca-O como tal. Mais: Jesus exprime a sua relação com Deus numa dimensão familiar: trata-O com o termo aramaico “Abba” (Mc 14,36) que vai ser retomado por Paulo (Rm 8,15; Gl 4,6). E o Pai de Jesus Cristo é o que caminha à procura do homem e age discretamente (Mt 13,31-32), o que perdoa as dívidas (Mt 18, 23), o que convida para as bodas (Lc 14,16). Jesus fala de Deus como Pai e fala de Si mesmo como Filho, particularmente no “Hino de Júbilo”, pela revelação aos humildes (Mt 11,25-27), ou no “Logion Joanino”, a Oração Sacerdotal de Jesus (Jo 17,1-26).
O nome “Pai” não é um simples atributo genérico que diz respeito à divindade, que exprime a sua bondade ou mesmo a eleição de um povo ou de um indivíduo, mas um nome trinitário, um nome que se compreende a partir do Filho e vice-versa. Mais tarde, a teologia explicará que esta comunhão entre o Pai e o Filho se realiza no Espírito Santo.
A oração do Senhor dá-nos ainda uma nova dimensão de Deus Pai: a sua paternidade estende-se a todos os homens, gerando entre os homens a relação da fraternidade. Há uma relação íntima entre o envio do Filho e a filiação divina de todos os homens. Ao ensinar o “Pai Nosso”, Jesus introduz-nos no mesmo tipo de relação que tem com o Pai. No entanto, Deus não é “nosso Pai” da mesma forma que o é de  Jesus: “vou para meu Pai e vosso Pai” (Jo 20,17). A relação entre eles é estreita, profunda, permanente ad intra – criadora, redentora e santificadora ad extra.
A comunidade cristã primitiva tem consciência tal da importância desta relação com Deus, que a “Oração do Senhor” se torna num dos elementos fundamentais da oração cristã.
Esta relação “Pai-Filho”  constitui um modelo linguístico que nos permite abrir uma brecha no mistério de Deus. Mesmo considerando o facto de que Deus é muito mais dissemelhante das realidades terrenas do que lhes poderá ser semelhante, nunca poderíamos ter uma ideia, por mais pálida que fosse sobre o mistério de Deus, se esta relação não nos oferecesse um reflexo daquilo que Deus realmente é (cf id et ib).

Alguns dados da reflexão teológica: Da Trindade económica à Trindade imanente
Não é possível conhecer Deus Trino por qualquer tipo de conhecimento  que não passe pela revelação histórica: é em Jesus que temos verdadeiro acesso à “teologia”. A teoria agostiniana e medieval dos “vestigia Dei” no mundo criado não leva ao conhecimento da Trindade; ao invés, mais que um ato  de razão, ela pressupõe a existência da fé. A questão das “sementes do Verbo”, de Justino, ou sementes de verdade que o “Logos” lança sobre o mundo poderão ter a ver com a Trindade, mas não a dão a conhecer explicitamente. (Mt 28,19; 2Cor 13,13; 1Cor 12, 4-6; Jo 1,18).
A Trindade Económica e a Trindade Imanente coincidem. Deus revela-se tal como Ele é. Caso contrário, não haveria verdade nem na Revelação nem na Salvação: Deus estaria a enganar-nos, o que seria contrário ao ser de Deus. Nas suas atuações “ad extra” operam unitariamente as três pessoas divinas; não faria sentido que atuassem uma independentemente da outra. Só na Incarnação do Filho há uma atuação diferenciada: só o Filho  incarna, pela ação do Espírito e segundo a vontade do Pai (cf Lc 1,26-38). E só o Filho poderia incarnar: ele é o Revelador do Pai.
Revelando-se para nossa Salvação tal como Ele é, Deus nesta forma de atuar mostra algo do seu “ser íntimo”. Na Revelação é Deus que Se nos dá a Si mesmo e não apenas nos oferece os seus “dons”, por excelentes que eles possam ser. Com este modo de atuar e de Se comunicar a Si mesmo, Deus dá-Se-nos a conhecer tal qual é. Pensarmos que Ele poderia ter feito as coisas de outro modo é especulação para a qual a revelação não oferece qualquer fundamento.  Portanto, há uma correspondência entre a Trindade económica e a Trindade imanente; são a mesma coisa, não se distinguem adequadamente (cf Ladaria, L., in El Diós vivo y verdadero).
Porém, não podemos pretender que Deus seja só aquilo que nos revelou, dado que a revelação, com o seu conteúdo, é livre e gratuita; Deus permanece  transcendente ao mundo e à História.
A Trindade não se resolve, à maneira hegeliana, na dialética entre: Deus, subjetividade infinita (TESE); a contradição do mesmo, o Deus revelado (ANTÍTESE); e a solução da contradição, o Espírito (SÍNTESE). Depois, a identidade entre a Trindade económica e a imanente não se pode explicar em termos da realização de Deus através da economia  da salvação: Deus não Se “realiza” ao revelar-Se, não Se “dissolve” nos acontecimentos da História, nem muito menos Se “esgota” neles. Essa identidade deve entender-se no sentido de que, por um lado, Deus Se nos dá e Se nos revela tal como é em Si mesmo, mas fá-lo livremente; o seu ser não Se realiza nem Se aperfeiçoa nessa autocomunicação, muito menos dela necessita; e, por outro lado, porque, nesta revelação, Deus Se mantém no seu mistério, a sua maior proximidade significa a manifestação mais direta da Sua maior grandeza. No entanto, mesmo que a economia da salvação não condicione o ser de Deus, não quer dizer que não “afete” a vida divina ou lhe seja indiferente. A Trindade económica aparece como a interpretação da Trindade imanente que, apesar de ser  princípio fundante da primeira, não pode ser identificada com ela, pois, em tal caso, a Trindade imanente e eterna  correria o risco de se reduzir à Trindade económica. Ou seja, Deus correria o risco de  ser absorvido no processo do mundo e de não poder  chegar a Si mesmo mais que através do mesmo processo” (cf Balthasar, H. U. Von, in Theodramatica III).

Alguns aspetos do senso comum
Sendo três o número da Trindade, ele torna-se o número universal da felicidade verdadeira, que só existe na comunhão com Deus. Este número evidencia-se em vários aspetos no universo num sentido de união e / ou equilíbrio: a Trindade é constituída na comunhão de três Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo; as virtudes teologais (que nos relacionam com Deus) são três, Fé, Esperança e Caridade; o tempo e a história desenrolam-se em três componentes, passado, presente e futuro; o espaço é constituído em três dimensões, comprimento, largura e profundidade; a terra é vista de três ângulos, céu, terra e mar; o homem é visto em três vertentes; o corpo, a alma e o espírito; a família realiza-se em três elementos, o pai, a mãe e, possivelmente, a prole; são três os ciclos de vida, nascimento, crescimento e morte; a solução hegeliana de problemas passa por três componentes, a tese, a antítese e a síntese; a democracia política distribuiu o poder por três contrapesos, o legislativo, o executivo e o judicial; uma obra desenvolve-se em três fases, conceção (projeto), execução, avaliação; depois da morte, enquanto todos os sistemas do corpo humano param, o cérebro leva três minutos a desligar-se completamente; e o processo de fé em Jesus implica três elementos, acreditar com o coração, confessar o nome de Jesus com a boca e obter a salvação (cf Rm 10, 9-10).

A oração da Igreja
Sem desenvolver muito este item, importa ter em conta que a formulação trinitária entra em qualquer fórmula de bênção litúrgica, em muitas das saudações litúrgicas e paralitúrgicas, em qualquer formulário de oração eucarística (anáfora ou cânone) da Missa, no sinal da cruz (modalidade do benzer), na forma do Batismo e na fórmula da absolvição sacramental, em qualquer um dos símbolos da fé católica (sacramental ou extrassacramental) – atente-se no Credo do Povo de Deus, de Paulo VI – e no termo das orações da missa, pelo menos da oração coleta.
Depois, o Gloria Patri et Filio et Spiritui Sancto serve de términus à recitação dos salmos e cânticos bíblicos no ofício divino. Também o Gloria in Excelsis tem uma estrutura trinitária, embora consagre a centralidade de Cristo, já que é Ele quem mostra o Deus invisível na visibilidade humana; é “o sacramento do encontro”, no dizer de Schillebeeck. E o Prefácio da Santíssima Trindade refere que nós professamos “a nossa fé na verdadeira divindade ao adorarmos as três Pessoas distintas, a sua essência única e a sua igual majestade”.
Ademais, entre nós, as aparições de 1917 da Virgem em Fátima foram precedidas de três aparições do Anjo, em 1916, em que é posto em evidência o mistério da Santíssima Trindade e a sua relação com a Eucaristia.
E a Beata Isabel da Trindade compôs a seguinte oração trinitária:
Ó meu Deus, Trindade a quem adoro ajuda-me a esquecer-me totalmente de mim, para me instalar em ti, imóvel e tranquila, como se a minha alma já estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem me fazer sair de ti, ó meu Imutável, mas que cada minuto me envolva mais nas profundezas do teu mistério. Pacifica a minha alma, faz dela o teu Céu, tua morada de amor e o lugar do teu descanso. Que nela eu nunca te deixe só, mas que esteja ali com todo o meu ser toda desperta na fé, toda adorante totalmente entregue à tua ação criadora.

Algumas consequências práticas da fé trinitária
Parece que a vida do cristão deve, sem ter a veleidade de compreender ou destrinçar o mistério, tentar entrar nele, contemplando-o e adorando a Deus em espírito e verdade.
Reconhecendo Deus como relação / comunicação, temos de nos abrir ao outro, no diálogo, na ajuda e na interpelação, não desde o alto da nossa soberba tentadora, nas na qualidade de irmãos solidários e solícitos, sobretudo junto de quem mais precisa, mas também ganhando a humildade de pedir e aceitar a ajuda de quem se aproxima de nós para obviar à nossa insuficiência. É que, se clamamos pelo pai comum, temos de aceitar a fraternidade e construí-la onde ela for menos visível, já que todos fomos criados à imagem e semelhança de Deus.
O Bispo do Porto pronunciou homilia, no dia 31, em torno da Santíssima Trindade, de que se respigam aspetos pertinentes em relação às consequências da fé trinitária.
Esta solenidade, unindo numa só evocação o mistério de Deus uno e trino, “afirma o amor criador do Pai”, mostra-nos “o caminho redentor do Filho” e revela-nos “a ação santificadora do Espírito”. Esta “é a festa da humanidade que reconhece a matriz original donde procede a Igreja de Jesus e a missão dos seus discípulos”. E a primeira missão destes “consiste em adorar, tornar presente e anunciar o Senhor, nosso Deus”.
Por seu turno, “a sociedade, hoje, procura e aguarda esta presença de Deus, por entre alegrias e sonhos, projetos e dificuldades”. Importa, por isso, que na cidade dos homens “se aplanem caminhos que nos conduzam a Deus”, na atenção aos “muitos sinais visíveis da presença e aos exemplares testemunhos sentidos do passo de Deus na história” dos homens e dos povos.
Espelha-se a generosidade divina “no testemunho de fé, na entrega de vida e na generosidade do trabalho dos nossos antepassados”. E hoje “temos connosco, presentes na oração e unidos na fé, dois milhões de rostos humanos de irmãos nossos”. Indubitavelmente, “a nossa história, a nossa vida e o nosso trabalho são fruto da ação do Espírito de Deus no coração do nosso Povo” e o nosso futuro tem de ser “inspirado pelo mesmo Espírito Santo, que é alma da Igreja”.
Esta é também “a hora de uma gratidão incontida por tantos dons recebidos que nos permitem ver a presença de Deus nos trajetos da cidade humana e nos traços da alma das suas gentes. Muitos procuram “encontrar Deus em momentos, os mais diversos, e por caminhos, às vezes os mais estranhos” – procura que “assume tantas vezes a forma de grito lancinante de povos em dor e de pessoas em sofrimento”. São muitos os rostos com que nos cruzamos, em cada dia e em cada passo dado nas nossas ruas, “que nos pedem que lhes mostremos Deus”:
Estão no meio de nós e fazem parte do povo que somos e a quem Deus diariamente nos envia. São pessoas com rostos de crianças, de jovens, de idosos, de famílias inteiras abençoadas e felizes. Mas são também rostos desfigurados de gente sem família, sem pão, sem alegria e sem experiência de bênçãos recebidas”. E “são nossos concidadãos e nossos irmãos”!

E a cidade humana “é feita, também, de estrangeiros que nos visitam e que nós recebemos com aumentada alegria”, que “procuram Deus na beleza da paisagem, na monumentalidade dos nossos edifícios, no acolhimento que lhes damos e no testemunho de fé que lhes oferecemos”. Mas, para poderemos mostrar Deus, diz o prelado, temos que ser pessoas “contemplativas do seu rosto”, “testemunhas da sua bondade” e “multiplicadores da sua misericórdia”. Para tanto, devemos deter-nos, “por alguns momentos, em cada dia, a contemplar e a adorar o mistério da Santíssima Trindade”, pois, “só pela adoração de Deus e pela contemplação do mistério do seu amor encarnado em Cristo e continuado pela ação do Espírito na Igreja, tornaremos possível a proximidade com os irmãos, venceremos as distâncias que deles nos separam e encontraremos forças para nos determos no caminho, sempre que é necessário cuidar dos mais frágeis”.
E o que é adorar? Dom António Francisco explica:
Adorar é olhar com confiança para Deus que nos dá a vida, a paz, a reconciliação e a misericórdia. É descobrir o conforto da presença de Deus, o dom da sua ternura, a dádiva do seu amor: “adoramos com todo o nosso coração Aquele que nos amou primeiro” (1 Jo 4,10).
“Adorar é construir a unidade entre Deus, a humanidade e a natureza, ao jeito de São Francisco de Assis, que cantava a glória de Deus a partir do cântico das criaturas e dos hinos do louvor humano. Neste sentido, “cumpre-nos unir neste louvor e nesta adoração a Deus, o amor à nossa terra, por Ele criada, a alegria de aqui viver e o sentido da missão que Deus nos confia. Louvamos e adoramos a Deus, de quem recebemos a vida, em Quem encontramos a salvação e que nos fortalece e santifica com os dons necessários para o caminho. Se “a cidade faz-nos vizinhos e concidadãos”, contudo, “só Deus nos faz irmãos”.

Porém, o prelado portuense não deixa de reconhecer que “adorar foi sempre caminho percorrido e ato diariamente renovado pela Igreja, ao longo da sua história”, na correspondência à postura dos discípulos (“quando O viram adoraram-No” – Mt 28,17), no recebimento do mandato: “Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito”, disse Jesus aos apóstolos (Mt 28,16-20). Depois, formula o seu voto de missão e apostolado em consonância com o programa do Papa, assumido localmente como lema de cada um e de cada comunidade:

“Que seja, hoje e aqui, esta a bela missão dos discípulos missionários de Jesus, que todos somos, e o caminho oferecido pela Igreja do Porto a todos que nos procuram e a todos aqueles a quem somos enviados a anunciar a alegria do evangelho”.

Sem comentários:

Enviar um comentário