O Diário da República, do dia 29 de maio,
publicou na sua I série o novo Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), que o Presidente da República, entretanto, promulgara. Ora,
este novo normativo legal é encarado como “uma tragédia” por uma considerável
franja de militares, nomeadamente oficiais e sargentos.
Entre
outras medidas, o EMFAR estabelece que a idade de passagem à reforma
suba dos 65 para os 66 anos, condições mais apertadas para pedir a
passagem à reserva (conforme os postos, mas, em média, 60 anos de idade e 40 anos de
serviço, cumulativamente, contra os atuais 55 de idade e 40 de serviço), a alteração da
percentagem de bonificação do tempo de serviço de 15% para 10% e o aumento dos
tempos mínimos de permanência para a promoção em alguns postos.
Estas alterações
da condição militar aplicar-se-ão a partir de 2016.
Ora,
como em muitos outros casos, também no atinente às forças armadas, Parlamento,
Governo e Presidente da República não tiveram em consideração a especificidade
da condição militar e a missão a que os militares são chamados, mesmo com especialíssimo
risco de vida. Por outro lado, o EMFAR não prevê forma de conveniente uma suavização
da prestação do serviço militar nos últimos anos de carreira, tendo em conta as
naturais situações de desgaste, alquebramento e debilidade. É o predomínio do
igualitarismo alastrante da parte do atual Governo, contra o postulado do
tratamento diferente de entidades e situações diferentes, na lógica da
equidade.
Como reação
clara a este despeito institucional e protesto veemente, um conjunto de
militares na reforma, dos três ramos das Forças Armadas, propuseram-se
entregar, no próprio dia da publicação do novo EMFAR, ao Presidente da
República e Comandante Supremo das Forças Armadas as medalhas ganhas em combate
na guerra colonial, como forma de protesto pela promulgação deste novo Estatuto
dos Militares. E pretendiam simultaneamente entregar um documento justificativo
deste gesto.
A este
respeito, o coronel Pereira Cracel, presidente da AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas), declarou ao Observador on line: “Este ato tem um
significado importantíssimo para os militares, pois são medalhas ganhas em
situações de guerra. Alguns podiam não estar cá hoje”. O presidente da AOFA esclarece que o ato é “simbólico, em
nome dos oficiais, dos outros militares e dos antigos combatentes, em todas as
situações, muitos deles sem poderem exprimir o que lhes vai na alma devido às
restrições a que são sujeitos os seus direitos de cidadania”. E acrescenta que
“fazem-no, dando público testemunho do sentimento de profundo descontentamento
que essa revisão vem provocar e alertando para as consequências não
negligenciáveis sobre as próprias Forças Armadas, de que o Presidente da República
é, por inerência, o Comandante Supremo”.
Mas os quatro
militares – os coronéis Vargas Cardoso, do Exército, Tasso de Figueiredo, da
Força Aérea, e Valadas Ganhão, em representação das forças armadas,
acompanhados pelo já mencionado presidente da AOFA – que se deslocaram ao
Palácio de Belém não conseguiram atingir o objetivo. Foram impedidos de entrar
no palácio. As medalhas destes militares na reforma vão agora chegar ao
presidente da República, mas por correio.
***
Perante o exposto, pode
perguntar-se qual a razão de ser do título como que se encima esta reflexão.
Ora, a tautologia (do grego ταὐτολογία
– “dizer a mesma coisa”) é, em retórica, um termo ou
texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como vício da linguagem poderá ser considerada sinónimo de pleonasmo
ou redundância. A origem do termo vem do grego tautó, que significa “a mesma
coisa”, mais logos, que
significa “assunto, tratado, palavra”. Portanto, tautologia é dizer sempre a
mesma coisa em termos diferentes.
Na filosofia e em outras áreas das ciências humanas,
diz-se que um argumento é tautológico quando se explica por si próprio, às
vezes redundante ou falaciosamente. Por exemplo, dizer que “o mar é azul porque
reflete a cor do céu e o céu é azul por causa do mar” é uma enunciação
tautológica. Um exemplo de dito popular tautológico é “tudo o que é demais
sobra”. Da mesma maneira, um sistema é
caraterizado como tautológico quando não apresenta saídas à sua própria lógica
interna.
E, em política, tautologia será
a apresentação de uma explicação com dados que já todos conhecem, sem que se acrescente
qualquer novidade informativa ou conceptual.
Assim, quando o Presidente da
República, durante uma visita a Tabuaço, foi confrontado com o mal-estar dos militares
a propósito da publicação da revisão do EMFAR, referiu que o diploma fora
concertado entre o Governo e as chefias militares. Ora isso já toda a gente
sabia. Restava saber se a matéria foi ou não concertada com as associações em
causa. Mais: dada a obrigação constitucional da sujeição das forças armadas ao
poder político, é muito raro as chefias militares oporem qualquer ponto de
vista que vá em sentido contrário ao dos decisores políticos (que, no geral, parecem não
gostar das forças armadas) – o que, a meu ver, se torna excessivo em termos de inibição. Penso
que, embora os militares sejam chamados a imolar-se pela Pátria, se necessário,
até à última gota de sangue, não se lhes pode exigir um martírio diário ou uma
situação de humilhação. Antes de serem militares, são cidadãos e não “mancebos”
no sentido romano.
Aliás, o Presidente da República
atirou-nos com outro mimo tautológico nestes dias a propósito da recondução de
Carlos Costa como governador do Banco de Portugal: o ser competente e ter sido
nomeado por um Governo do Partido Socialista. Ora já todos sabemos da
competência técnica do governador, pelo que é excrescente o Chefe de Estado mandar-nos
ler o currículo desta personalidade, como sabemos que o governador foi nomeado
em 2010 por causa do êxodo de Vítor Constâncio para o BCE. O que está em causa
é simplesmente o desempenho dos últimos dois anos como escudo atrás do qual o governo
escondeu a sua responsabilidade sobre a forte perturbação do sistema financeiro
português. Aí o Presidente, até em termos semelhantes, esteve em linha com o
Governo e a maioria parlamentar que o apoia, que se desculpou com a nomeação, em
2010, pelo Governo anterior e com o seu bom desempenho, à parte alguns erros de
percurso.
No atinente à desproporção,
basta reparar no seguinte:
A AOFA, no estrito respeito pela
hierarquia, antes de os supramencionados militares se dirigirem para Belém,
telefonou ao tenente-general Carvalho dos Reis, chefe da Casa Militar do Presidente
da República, a avisá-lo do que iriam fazer.
Porém, ao chegarem às imediações
do Palácio presidencial, os quatro militares depararam com um cordão policial que
estava à sua espera como se de uma grandiosa manifestação se tratasse. Nem os deixaram
passar a rua (vd JN, de hoje, dia 30 de maio).
Não há dúvida da desproporção:
um cordão policial para impedir a aproximação de quatro homens, em comparação
com uma poderosa força de intervenção policial que permitiu, em tempo, a
escalada de acesso ao Parlamento, bem como, há uma quinzena, um subcomissário
da PSP carregou sobre um adepto de clube que parece que o insultou e
alegadamente o terá cuspido. Mas, também desproporcionadamente (em sentido contrário), o Corpo de Intervenção da PSP
vai para o Marquês, no mesmo dia, com equipamento aligeirado, por ordem superior,
como quem vai para uma festa – os ruidosos festejos do Benfica bicampeão.
Bem gostaria de que aquela fosse
a minha polícia, aquele fosse o meu Parlamento, aquele fosse o meu Presidente. Será
que estes vão mudar ou teremos que esperar outros ou forjá-los?!
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