sábado, 30 de maio de 2015

Maré de tautologias e desproporção

O Diário da República, do dia 29 de maio, publicou na sua I série o novo Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR), que o Presidente da República, entretanto, promulgara. Ora, este novo normativo legal é encarado como “uma tragédia” por uma considerável franja de militares, nomeadamente oficiais e sargentos.
Entre outras medidas, o EMFAR estabelece que a idade de passagem à reforma suba dos 65 para os 66 anos, condições mais apertadas para pedir a passagem à reserva (conforme os postos, mas, em média, 60 anos de idade e 40 anos de serviço, cumulativamente, contra os atuais 55 de idade e 40 de serviço), a alteração da percentagem de bonificação do tempo de serviço de 15% para 10% e o aumento dos tempos mínimos de permanência para a promoção em alguns postos.
Estas alterações da condição militar aplicar-se-ão a partir de 2016.
Ora, como em muitos outros casos, também no atinente às forças armadas, Parlamento, Governo e Presidente da República não tiveram em consideração a especificidade da condição militar e a missão a que os militares são chamados, mesmo com especialíssimo risco de vida. Por outro lado, o EMFAR não prevê forma de conveniente uma suavização da prestação do serviço militar nos últimos anos de carreira, tendo em conta as naturais situações de desgaste, alquebramento e debilidade. É o predomínio do igualitarismo alastrante da parte do atual Governo, contra o postulado do tratamento diferente de entidades e situações diferentes, na lógica da equidade.
Como reação clara a este despeito institucional e protesto veemente, um conjunto de militares na reforma, dos três ramos das Forças Armadas, propuseram-se entregar, no próprio dia da publicação do novo EMFAR, ao Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas as medalhas ganhas em combate na guerra colonial, como forma de protesto pela promulgação deste novo Estatuto dos Militares. E pretendiam simultaneamente entregar um documento justificativo deste gesto.
A este respeito, o coronel Pereira Cracel, presidente da AOFA (Associação de Oficiais das Forças Armadas), declarou ao Observador on line: “Este ato tem um significado importantíssimo para os militares, pois são medalhas ganhas em situações de guerra. Alguns podiam não estar cá hoje”. O presidente da AOFA esclarece que o ato é “simbólico, em nome dos oficiais, dos outros militares e dos antigos combatentes, em todas as situações, muitos deles sem poderem exprimir o que lhes vai na alma devido às restrições a que são sujeitos os seus direitos de cidadania”. E acrescenta que “fazem-no, dando público testemunho do sentimento de profundo descontentamento que essa revisão vem provocar e alertando para as consequências não negligenciáveis sobre as próprias Forças Armadas, de que o Presidente da República é, por inerência, o Comandante Supremo”.
Mas os quatro militares – os coronéis Vargas Cardoso, do Exército, Tasso de Figueiredo, da Força Aérea, e Valadas Ganhão, em representação das forças armadas, acompanhados pelo já mencionado presidente da AOFA – que se deslocaram ao Palácio de Belém não conseguiram atingir o objetivo. Foram impedidos de entrar no palácio. As medalhas destes militares na reforma vão agora chegar ao presidente da República, mas por correio.
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Perante o exposto, pode perguntar-se qual a razão de ser do título como que se encima esta reflexão.
Ora, a tautologia (do grego ταὐτολογία – “dizer a mesma coisa”) é, em retórica, um termo ou texto que expressa a mesma ideia de formas diferentes. Como vício da linguagem poderá ser considerada sinónimo de pleonasmo ou redundância. A origem do termo vem do grego tautó, que significa “a mesma coisa”, mais logos, que significa “assunto, tratado, palavra”. Portanto, tautologia é dizer sempre a mesma coisa em termos diferentes.
Na filosofia e em outras áreas das ciências humanas, diz-se que um argumento é tautológico quando se explica por si próprio, às vezes redundante ou falaciosamente. Por exemplo, dizer que “o mar é azul porque reflete a cor do céu e o céu é azul por causa do mar” é uma enunciação tautológica. Um exemplo de dito popular tautológico é “tudo o que é demais sobra”. Da mesma maneira, um sistema é caraterizado como tautológico quando não apresenta saídas à sua própria lógica interna.
E, em política, tautologia será a apresentação de uma explicação com dados que já todos conhecem, sem que se acrescente qualquer novidade informativa ou conceptual.
Assim, quando o Presidente da República, durante uma visita a Tabuaço, foi confrontado com o mal-estar dos militares a propósito da publicação da revisão do EMFAR, referiu que o diploma fora concertado entre o Governo e as chefias militares. Ora isso já toda a gente sabia. Restava saber se a matéria foi ou não concertada com as associações em causa. Mais: dada a obrigação constitucional da sujeição das forças armadas ao poder político, é muito raro as chefias militares oporem qualquer ponto de vista que vá em sentido contrário ao dos decisores políticos (que, no geral, parecem não gostar das forças armadas) – o que, a meu ver, se torna excessivo em termos de inibição. Penso que, embora os militares sejam chamados a imolar-se pela Pátria, se necessário, até à última gota de sangue, não se lhes pode exigir um martírio diário ou uma situação de humilhação. Antes de serem militares, são cidadãos e não “mancebos” no sentido romano.
Aliás, o Presidente da República atirou-nos com outro mimo tautológico nestes dias a propósito da recondução de Carlos Costa como governador do Banco de Portugal: o ser competente e ter sido nomeado por um Governo do Partido Socialista. Ora já todos sabemos da competência técnica do governador, pelo que é excrescente o Chefe de Estado mandar-nos ler o currículo desta personalidade, como sabemos que o governador foi nomeado em 2010 por causa do êxodo de Vítor Constâncio para o BCE. O que está em causa é simplesmente o desempenho dos últimos dois anos como escudo atrás do qual o governo escondeu a sua responsabilidade sobre a forte perturbação do sistema financeiro português. Aí o Presidente, até em termos semelhantes, esteve em linha com o Governo e a maioria parlamentar que o apoia, que se desculpou com a nomeação, em 2010, pelo Governo anterior e com o seu bom desempenho, à parte alguns erros de percurso.
No atinente à desproporção, basta reparar no seguinte:
A AOFA, no estrito respeito pela hierarquia, antes de os supramencionados militares se dirigirem para Belém, telefonou ao tenente-general Carvalho dos Reis, chefe da Casa Militar do Presidente da República, a avisá-lo do que iriam fazer.
Porém, ao chegarem às imediações do Palácio presidencial, os quatro militares depararam com um cordão policial que estava à sua espera como se de uma grandiosa manifestação se tratasse. Nem os deixaram passar a rua (vd JN, de hoje, dia 30 de maio).
Não há dúvida da desproporção: um cordão policial para impedir a aproximação de quatro homens, em comparação com uma poderosa força de intervenção policial que permitiu, em tempo, a escalada de acesso ao Parlamento, bem como, há uma quinzena, um subcomissário da PSP carregou sobre um adepto de clube que parece que o insultou e alegadamente o terá cuspido. Mas, também desproporcionadamente (em sentido contrário), o Corpo de Intervenção da PSP vai para o Marquês, no mesmo dia, com equipamento aligeirado, por ordem superior, como quem vai para uma festa – os ruidosos festejos do Benfica bicampeão.

Bem gostaria de que aquela fosse a minha polícia, aquele fosse o meu Parlamento, aquele fosse o meu Presidente. Será que estes vão mudar ou teremos que esperar outros ou forjá-los?!

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