domingo, 3 de maio de 2015

Dia da Mãe ou Dia do Rosto Materno de Deus!

No primeiro domingo de maio, a mulher mãe está de parabéns. Festeja-se a sua condição de mãe como única, mesmo que tenha resultado de vários episódios de maternidade. A um tempo se homenageia a mãe que vive rodeada dos seus filhos e aquela que os tem fisicamente longe do quotidiano e se honram a memórias daquelas mães que já nos contemplam a partir do empíreo da eternidade.
É a celebração do dom da maternidade e da postura e ações que a maternidade implica e convoca, necessária sobretudo num tempo de crise da natalidade, na depreciação da maternidade, na criação de inúmeros óbices ao seu condigno exercício – que resultam das estruturas injustas da sociedade, do excesso de mercantilização da vida e também (porque não dizê-lo?) do comodismo e da incapacidade de ultrapassagem das dificuldades da parte de algumas mulheres, que recusam a maternidade ou não sabem lidar bem com ela.
Por outro lado, é preciso reconhecer que, em todos e cada um dos dias do ano, a mãe merece atenção, carinho, cuidados e veneração.
No âmbito da comemoração do Dia da Mãe, a Comissão Episcopal do Laicado e Família (CELF), da CEP, em comunicado adrede preparado, “saúda todas as mães e compartilha a enorme alegria e gratidão que esta data significa para elas e para as suas famílias”. Recordando que o primeiro amor que a pessoa experimenta usualmente é o do pai e da mãe, acentua que “é no seu olhar amoroso, raiz e fundamento da vida, que o filho reconhece a sua individualidade e vai construindo e assumindo a sua própria história”. Porém, o documento sublinha que “é sobretudo no sorriso materno que a criança encontra a primeira e feliz mensagem de acolhimento” e, nela, a afirmação do valor da vida, a valia da “confiança tranquila e serena numa verdadeira relação de amor”, da força sustentacular da existência humana e espiritual por parte da doação generosa do amor materno, oferecido sem limites e sem reservas.
Oportunamente, a CELF faz suas as palavras do Papa Francisco que afirma que “as mães são o antídoto mais forte contra o individualismo egoísta”, pois, enquanto “indivíduo” significa o “que não se pode dividir”, as mães “dividem-se” a partir de quando “recebem um filho para o dar ao mundo e fazer crescer”.
Ou dito de outro modo, as mães multiplicam as suas palavras de reforço amoroso, oferecem os seus gestos de entrega e dedicação, desdobram-se em tarefas e atividades para que nada falte, sobretudo quando a debilidade, a saúde, a educação ou o bem-estar o exigem. São mestras na resistência à fadiga e às adversidades, na paciência silenciosa, na organização do tempo que parece sempre estar a faltar, no estabelecimento de cumplicidades com o fruto de suas entranhas, na proliferação de recomendações e conselhos, na construção do caráter, na invenção de recursos e de soluções e na intervenção audaz quando o perigo espreita. E raramente exigem correspondência, gratidão ou cobram qualquer tipo de contrapartidas.
Alguém afirmou recentemente que “a mãe tem um papel único” e que “isso torna ainda mais difícil e exigente para a mulher conjugar tudo o que ela sente como um pelouro dela própria” (vd Paula Martinho da Silva, in Ecclesia, 3 de maio). Por isso, a CELF não perde o ensejo de destacar “o valor fundamental das mães na família, na sociedade e na Igreja”, e de “lembrar que o seu estatuto e missão bem merecem a melhor atenção a nível político, legislativo, laboral e social, para que se sintam mais apoiadas e dignificadas na sua tarefa insubstituível de humanização da sociedade”. Na esteira do discurso papal, sublinha que “são elas que testemunham a beleza da vida”. Por outro lado, sobressai a advertência de que “a sociedade sem as mães seria uma sociedade desumana, porque as mães sabem testemunhar sempre, mesmo nos piores momentos, a ternura, a dedicação, a força moral”.
E, consistiria uma injustiça à CELF e às mães não meditarmos este segmento discursivo do comunicado, em que se destaca o papel das mães na ultrapassagem da crise atual, se protesta contra a violência (eu diria “blasfema” e “sacrílega”) de que algumas são vítimas, se agradece o testemunho de amor e dedicação e se impetra a proteção da mãe das mães, a Virgem Maria, o arquétipo transcendental da mulher e da mãe:
Em tempo de redobradas dificuldades socioeconómicas, acentuamos a importância do papel assumido por muitas mães no equilíbrio difícil da sobrevivência de tantos lares, repudiamos e lamentamos a violência de que algumas são vítimas e agradecemos-lhes o seu testemunho de amor e dedicação permanente às causas nobres do bem comum, a começar pela família. Felicitamos as mães, rezamos por elas, sobretudo por aquelas sobre as quais mais pesa o ‘martírio materno’. Pedimos a Maria, mãe de Jesus e nossa mãe, que as acompanhe e proteja com a sua solicitude materna para que, confiando no Senhor, sejam fortes e corajosas na sua missão familiar e educativa, testemunhando sempre a alegria do Evangelho. 
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Também neste dia, embora não me sinta muito à vontade para um desenvolvimento razoável desta vertente, queria evocar a mulher e a mãe como expressão especial do rosto materno de Deus.
No contexto do seu sorriso e da sua postura aparentemente informal, o papa João Paulo I causou surpresa, ao afirmar que “Deus é Pai e Mãe”. Com efeito, ao comentar, em 10 de setembro de 1978 à recitação do Angelus, a cimeira pela paz no Médio Oriente entre Carter, Sadat e Begin, citou palavras de cada um deles. Mas deu especial atenção a Begin, que, ao recordar que o povo hebraico, passando outrora momentos difíceis, dirigira ao Senhor o seu lamento, “abandonaste-nos, abandonaste-nos!”. Mas o Senhor respondeu-lhe por meio do profeta Isaías: “Não. Acaso, pode uma mulher esquecer-se do próprio filho? Mas ainda que ela se esquecesse dele, nunca Deus esquecerá o seu povo” (cf Is 49,15). E o Pontífice garantia:
“Somos objeto, da parte de Deus, dum amor que não se apaga. Sabemos que tem os olhos sempre abertos para nos ver, mesmo quando parece que é de noite. Ele é papá; mais ainda, é mãe. Não quer fazer-nos mal, só nos quer fazer bem, a todos. Os filhos, se por acaso estão doentes, possuem um título a mais para serem amados pela mãe. Também nós, se por acaso estamos doentes de maldade, fora do caminho, temos um título a mais para que o Senhor nos ame.”.
Deus é espírito e, por isso, os que O adoram, devem adorá-Lo em espírito e verdade (Jo 4,24). Deus é espírito e, como tal, é invisível. Tornou-se visível de forma eminente em Cristo (Quem me vê, vê o Pai – Jo 14,9). Mas Deus torna-se visível em cada homem e em cada mulher, já que o ser humano foi criado – homem e mulher – à imagem e semelhança de Deus (cf Gn 1,26.27) e de Deus recebeu o mandamento de crescer, multiplicar-se, encher e dominar a terra (cf Gn 1,28).
Como peculiar do homem, ressalta a paternidade; e, como peculiar da mulher, foi-lhe atribuída a propriedade da função maternal (cf Gn 2,24; 3,30).
Ao contrário das religiões politeístas, em que os deuses e deusas (muitos e muitas, já que os homens e mulheres também são muitos e muitas e têm muitas virtudes e defeitos e passam por muitas circunstâncias) são feitos à imagem e às semelhanças dos homens, o judaísmo, o islão e o cristianismo reconhecem e adoram um só Deus, que fez o homem – varão e mulher – à sua imagem e semelhança. E, enquanto para os pagãos Se lhes afigurou como o “Deus Desconhecido”, de quem Paulo quis falar aos atenienses (At, 17,23), quanto ao povo bíblico, o Senhor “revelou-Se muitas vezes e de muitos modos aos nossos pais, nos tempos antigos pelos profetas” – neste sentido, os patriarcas, Moisés e Josué, os juízes, os reis, os sábios e os profetas no sentido estrito – “mas, nestes dias, que são os últimos, falou-lhe por Seu Filho” (Heb 1,1-2), “nascido de uma mulher “(Gl 4,4). Ele é que é o resplendor da glória do Pai e imagem fiel da sua substância (Heb 1,3). Os outros homens e mulheres – incluindo Maria, que tem na economia da salvação um papel relevante, com o SIM em Nazaré, em Belém, no Egito, em Nazaré, no Templo, em Caná, no Calvário junto à Cruz e no acompanhamento aos discípulos – para serem imagem de Deus, não precisam de ser substancialmente deuses ou deusas, mas devem aceitar o dom da participação na vida divina e desempenhar a função para que foram talhados, o homem para a paternidade (física e/ou espiritual) e a mulher para a maternidade (física e/ou espiritual). Quanto ao mais crescer, encher e povoar a terra e aperfeiçoar a obra divina pelo trabalho será tarefa comum ao homem e à mulher (Gn 1,28). São semelhantes entre si (vd Gn 2,18.23-25).
Na casa de Nazaré, antes da teofania aquando do Batismo de Jesus no Jordão (cf Mt 3,17; Mc 1,11; Lc 3,22) ou no Tabor em que Ele é proclamado Filho dileto de Deus Pai (Mt 17,5; Mc 9,7; Lc 9,35), era José quem espelhava o lado paterno de Deus e Maria o lado materno de Deus, apesar de José não ser o pai biológico de Jesus. Ambos, porém, faziam com que o Menino crescesse em estatura, sabedoria e graça diante de Deus e dos homens (cf Lc 2,52). Recebera de Maria a geração (que José assumira como sua em obediência voluntária ao mandato divino – cf Mt 1,20-25), o transporte e alento nas entranhas, o aleitamento, a guarda das palavras que ouvia e dos factos que presenciava. De ambos recebia o alimento, a educação, o cumprimento das disposições da Torah, a aprendizagem do trabalho e, em suma, a guarda e proteção ou os cuidados maternos e paternos. Um dos títulos de José é o de Pai nutrício do Menino Jesus.
O próprio Cristo, quando se lamentou sobre Jerusalém, evoca e assume a atitude maternal de Deus:
“Jerusalém, Jerusalém! Tu que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os seus pintainhos debaixo das asas, mas tu não quiseste!” (Mt 23,37; Lc 13,34).
A cada passo, o discurso veterotestamentário coloca em Sião a faculdade maternal da geração, parto, amamentação e reunião descrita e inspirada pelo esposo divino (cf Br 4,29 – 5,9), sendo ele que abre a matriz para que a esposa dê à luz (cf Is 66,7-14).
Também os apóstolos, nomeadamente Pedro e Paulo, se apresentam como dispensadores de recomendações e cuidados maternais:
Como crianças recém-nascidas, ansiai pelo leite espiritual, não adulterado, para que ele vos faça crescer para a salvação, se é que já saboreastes como o Senhor é bom (1Pe 2,2-3).
Quanto a mim, irmãos, não pude falar-vos como a simples homens espirituais, mas como a homens carnais, como a criancinhas em Cristo. Foi leite que vos dei a beber e não alimento sólido, que ainda não podíeis suportar. (1Cor 3,12).
É de ler ou reler o belo livro de Leonardo Boff, O Rosto Materno de Deus (1979), produzido à luz da Bíblia e dos dados da antropologia.
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Tudo o que se diga sobre Deus é figura, metáfora, linguagem análoga da nossa própria realidade – retirando o que soe a imperfeição, e elevando ao máximo as perfeições. Por outro lado, a linguagem teológica exprime-se dentro da mentalidade cultural de cada povo e tempo, sempre passível de mudanças conforme os enfoques de valores humanísticos. Foi e é salutar para a sã reflexão teológica e a prática pastoral ampliar o enfoque no amor maternal de Deus abordado na Bíblia. Em Isaías (cf Is 49,15), já citado, Deus proclama que o seu amor pelo seu povo é maternal e é maior que o de qualquer mãe por seu bebé. É importante “contemplar” e valorizar a face feminina de Deus no contexto atual de valorização da mulher, do relevo da sua dignidade e direitos próprios, da afirmação da sua liderança social; e, ao mesmo tempo apelar à consciencialização da importância e dignidade da mulher na sociedade e na Igreja, fazendo-a reclamar e dando-lhe ou reconhecendo-lhe funções de liderança, bem como incitá-la a resistir à tentação do egoísmo e do hedonismo comodista, que a precipita em crise e vazio. A pari, é urgente combater toda a espécie de atropelo à dignidade da mulher, como a escravização, o tráfico de mulheres, a prostituição, a mercantilização do corpo, mesmo através da publicidade e da pornografia, a desvalorização da maternidade e da família. Ora, quando o ataque é à dignidade da pessoa (imagem e semelhança de Deus, expressão do rosto divino) estamos no rumo da blasfémia (ultraje à obra de Deus) ou do sacrilégio (desrespeito pelo sagrado – a vida em dignidade).
Homem e mulher podem perceber por si e em si mesmos, na intimidade masculina e feminina do corpo e do espírito, que Deus é a fonte da vida, a origem do bem, a pauta do amor. A sexualidade deve ser valorizada como algo de sagrado. Ela contém em si a misteriosa e profunda marca da semelhança com o Criador, semelhança presente também na geração humana de Jesus. Ele é o rosto divino do humano e rosto humano do divino. Os seus traços fisionómicos e linhas psíquicas são os do “filho de Maria” (Mt 2,11; 13,55). Foi por ela e nela que Jesus integrou a nossa humanidade no ser divino (vós sois deuses – Sl 82/81,6;Jo 10,34). Ele fez-se um de nós, igual a nós em tudo, menos o pecado (Heb 4,15). Maria, a Esposa do Espírito Santo, ao exercer a sua função maternal em todos os cuidados com o Filho, recebia do Esposo em cada dia a sabedoria de viver plenamente para o amor. Ela é a Sede da Sabedoria.
O vulto materno de Deus resplandece hoje através dela, na multiplicidade das devoções, títulos, festas e romarias, imagens e santuários e mulheres que se dedicam às causas mais nobres e ao amparo dos mais débeis. Não é deusa nem precisa de o ser. Mas, depois de Jesus, ninguém foi maior do que a Cheia de Graça, a criatura mais sublime que saiu das mãos de Deus.

Seria incompatível com as passagens bíblicas imaginar a vida de Maria num mar de rosas. Ela conviveu com as incompreensões das pessoas (Lc 4,28). Passou pelas incertezas humanas. Foi de Caná ao Calvário e do Calvário ao Cenáculo (da espera orante do Espírito Santo). A sua disponibilidade maternal de educadora, de “perpétuo socorro” e de “auxílio dos cristãos” encoraja-nos nas dificuldades e tentações. Nós veneramo-La e invocamo-La como mãe peregrina nos caminhos de Deus e dos homens, discípula, modelo e irmã nossa, próxima de Deus e da nossa realidade. Como arquétipo e mãe da Igreja, Ela a inspira na sua função de mãe e mestra, guarda e guia!

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