quinta-feira, 28 de maio de 2015

Acolhimento a refugiados em Portugal

O que se tem passado no Mediterrâneo, que de berço-museu da civilização ocidental se transformou em hidrovala comum de inúmeros cadáveres, alertou a sensibilidade socialsolidária de muitos para o que ali se passa, mas também para o que sucede com as diferentes ondas de refugiados que se evadem dos seus contextos sociogeográficos por via das guerras, das perseguições étnicas e religiosas ou das catástrofes naturais.
A este respeito, a Comissão Europeia resolveu atribuir quotas a cada um dos Estados-Membros da UE, em conformidade com as possibilidades e as condições específicas de cada país. Como era de esperar, alguns Estados, que não os de menores recursos, preparam-se para contestar, aduzindo as suas razões, em grande parte de cariz eleitoralista, para não dizer xenófobo.
Em relação a esta matéria, por ocasião do encerramento da grande exposição “Da Alma de Portugal”, comemorativa dos 150 anos do Diário de Notícias (DN) e com o apoio exclusivo dos Jogos Santa Casa, o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Dr. Pedro Santana Lopes, fala sobre a ajuda que a instituição prepara para os refugiados e aquela que já presta diariamente a crianças, jovens, idosos e sem-abrigo.
E a grande afirmação que aflora na sua entrevista a André Macedo, diretor do DN, em que deu conta dos planos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa para receber refugiados em Portugal, é que “Já estamos a trabalhar para receber os refugiados. Temos de dar o exemplo.” Porém, admite que se trata de “um trabalho que vai durar anos”.
Dado o interesse da problemática, respigam-se os aspetos mais significativos da entrevista (vd DN on line, de hoje, 28 de maio).
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Sobre o aumento estimado do número de refugiados que Portugal poderá receber em relação ao que estava previsto e tendo em conta o número de pessoas que a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa apoia em regime de permanência, o provedor, que manifestara a intenção de receber uma parte substancial dos novos refugiados, explica-se: que manifestou essa abertura, falando na região de Lisboa, quando o número avançado era de cerca de 700; e que, de momento, o número de acolhidos pela instituição a que superintende já ultrapassa os dois mil.
Porém, observando o princípio das responsabilidades, assegura que hoje, por acordo entre a Santa Casa e o Governo, a Santa Casa tem efetivamente “essa responsabilidade mais do que qualquer entidade na região de Lisboa”, região para onde “se dirige a generalidade dos refugiados”. E é a Santa Casa a entidade que os deve acolher, o que já faz há muitos anos, “mas sempre com responsabilidades repartidas”. Mas “agora, a responsabilidade é praticamente exclusiva”, pois, a “questão dos refugiados envolve muitas vezes aspetos complexos”. Estes refugiados, “que alguns intelectuais políticos teimam, no bom sentido, em querer classificar como refugiados políticos”, são, acima de tudo, “refugiados económicos, sociais”. Por isso, postulam “uma resposta que não seja habitada pelos instintos egoísticos da parte de todos os que têm responsabilidades no continente europeu e, nomeadamente, na União Europeia”.
E aponta o dedo: “O Reino Unido disse logo que não queria receber mais. Outros países também torceram o nariz”. Mas “Portugal tem essa tradição, faz parte da identidade enquanto povo essa capacidade de acolher”. E, no contexto de Portugal, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa – bem como as outras Misericórdias e outras instituições como as Misericórdias (as IPSS) – tem uma obrigação acrescida.
Entretanto, o provedor garante que “já estamos a trabalhar nesse sentido”. Conta com um apoio financeiro significativo da UE para este processo de acolhimento de refugiados, que, neste momento, se cifra em cerca de seis mil euros por cada refugiado.
A Santa Casa tem vindo a identificar os espaços onde os receber (em Lisboa, fora de Lisboa, em colaboração com a rede da união das misericórdias e com as autarquias), os recursos humanos disponíveis e aqueles que é necessário recrutar para as diferentes áreas, e também a fazer o estudo repartido por camadas geracionais, por famílias, para casos em que as pessoas chegam sozinhas, sem o respetivo agregado familiar. É o trabalho de preparação para “para estarmos prontos quando nos disserem que eles vão começar a chegar”.
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No atinente à dinâmica do trabalho, pressupõe que irá “durar anos”. É necessário colocar a “questão da coordenação”, prover à “integração social dos refugiados”, organizar “o processo educativo para os mais jovens, preparar o estudo das hipóteses de equivalência ou de regimes excecionais”. Se é certo que “a Santa Casa tem algum know-how na matéria”, também é verdade que “este caso é absolutamente excecional e liga-se com pessoas que também não são de língua portuguesa”, que “é também um aspeto que tem de ser cuidado”. Mostra-se também convencido de que as expectativas dos refugiados serão muito baixas neste momento: “querem é que uns braços os recebam”.
Quanto ao facto de Portugal não possuir a mesma capacidade de acolhimento, do ponto de vista económico, que os países do Norte da Europa, o que induziria grande parte dos novos refugiados a demandar esses países, Santa Lopes admite que “sim”. Todavia, e “não comparando de todo”, considera que, “tal como acontece com esta falange imensa de turistas que cada vez mais nos visita, quando conhecerem Portugal vão-se esquecer do Norte da Europa rapidamente”. Por outro lado, assegura que “estamos a preparar-nos para os receber como deve ser”, achando que “temos de dar este exemplo”. E continua a apontar o dedo à Europa, pensando “que fica muito mal haver uma só voz [que seja] na União Europeia que diga: Eu não quero”. Trata-se de “um continente que andou por todo o mundo, à descoberta de novos povos”. Não lhe fica bem, que, “agora perante este drama”, haja “uma voz que diga: não quero”.
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No concernente à experiência que a Santa Casa tem para receber e ao trabalho desenvolvido no dia a dia, assegura que se trabalha muito nesta zona de Lisboa com idosos, com uma população de sem-abrigo, que aumentou muito com a crise, e também com crianças.
A este respeito, expande as suas declarações de modo bem informal:
Tenho 500 filhos na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Fora da Santa Casa tenho cinco; na Santa Casa são 500. Também com jovens, com os sem-abrigo. E trabalhamos muito com pessoas de idade. Temos uma tarefa para décadas, que é mudar aquilo que nós chamamos o paradigma do envelhecimento. É acabar com aquilo que todos nós sabemos, conhecemos e rejeitamos e, quando vemos, dizemos assim: “Quando chegar àquela idade eu não quero”.
Todavia, não resiste a falar do Norte da Europa e sobre as caraterísticas das suas populações:
No Norte da Europa há mais exercício, as pessoas são mais como uma linha, não têm tantas artroses, não têm tanta gordura. Porque têm alimentação mais regrada, porque fazem mais exercício desde cedo.
Já em Portugal, “as pessoas chegam a uma certa idade e já não se conseguem mexer, as famílias têm dificuldade em tomar conta delas e são postas num lar ou centro de dia”.
Ora este modelo tem de ser posto em causa. E, nas palavras do provedor, “a Santa Casa cada vez mais o põe em causa e trabalha numa perspetiva de intergeracionalidade”.
E dá exemplo de tipologias de experiências-piloto na lógica intergeracional e intercultural:
Uma casa polivalente: para pessoas aposentadas, um espaço, tem de ter sempre apartamentos para universitários ou às vezes para agregados familiares a meio do percurso normal de vida. Depois temos um espaço comum, em refeições, em leisure (distração, entretenimento), onde as pessoas podem estar juntas a tomar o pequeno-almoço, à hora de jantar. E depois, ao mesmo tempo, estamos a desenvolver metodologias, programas de trabalho que levem, imagine, os mais novos, logo de manhã, a puxarem pelos mais idosos e irem fazer exercício físico. À noite, a capacidade também dos mais idosos de se “vingarem”, a contar um episódio das suas vidas que lhes possa servir de lição.
E adianta que “estamos a fazer isso já com pessoas que estão nas suas casas”.
Depois, aduzindo que não podem construir-se os novos espaços todos de uma vez, explicita:
Há um lar que temos no Palácio dos Marqueses de Minas, no Bairro Alto, que vai mudar para outro espaço da Santa Casa. O novo espaço, que já existe – este não é construído de novo –, já vai ser habitado nessa lógica. Tudo o que fazemos hoje em dia, quer seja construção nova quer seja nos espaços que já temos, é obrigatório ser nessa lógica de comunhão intergeracional. Têm de acabar estes estigmas: “Ali é a casa dos velhos, ali é a casa dos mais novos”.
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No respeitante ao trabalho que tem sido feito com os sem-abrigo de Lisboa, assegura que se trata de um trabalho que, “infelizmente, continuará a existir sempre”. Porém, refere que, se nos ativermos aos dados estatísticos, de há dois anos para agora, diminuiu em cerca de 10% o número de sem-abrigo que se encontram nas ruas de Lisboa. No entanto, esta diminuição não se pode atribuir à recuperação económica, mas a uma “razão, que é óbvia”: A maior parte saiu da Baixa por causa dos turistas. Foram para outras zonas da cidade, como Benfica, Amoreiras. Não querem a agitação dos turistas. Isto vai continuar.
Está convicto de que não há hipótese de os sem-abrigo algum dia acabarem, “até porque há pessoas que fazem aquela opção e nós temos de respeitar”.
Acrescenta que “nós melhorámos muito e estamos a melhorar, em articulação com a câmara”.
Contrariando a tendência de algumas instituições lutarem vergonhosamente entre si “por espaço de comando”, noticia que “entre a câmara e a Santa Casa há imensa colaboração”. Conta mesmo o caso da mitra:
No Beato, há uma coisa chamada mitra, de que todos já ouvimos falar. Um pouco antes do meu mandato [como provedor], a mitra e outros equipamentos passaram para a Santa Casa. É impressionante como as sociedades vivem sem saberem o que têm no meio. Nenhum de nós faz ideia daquilo que estava lá. Dezenas de pessoas – ainda estão algumas – que não vinham fora daqueles portões, algumas há décadas. Aquilo era ainda um pouco ao abrigo do estatuto da mendicidade, do anterior regime. E ficava no meio de Lisboa.
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Confessa que, em quase quatro anos como provedor, ficou muito surpreendido com a vulnerabilidade das pessoas, afirmando que é precisa alguma resistência psicológica para fazer o dia adia numa instituição como esta, no meio de uma crise como aquela que atravessamos, pois há muitos pedidos, muito desespero.

É, pois, importante que os poderes e a sociedade civil estejam totalmente abertos ao sofrimento alheio e ao bem comum! 

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