sexta-feira, 15 de maio de 2015

A Troika na alavancagem da tomada de medidas de direita

Decorreu nos dias, 13 e 14 de maio, no ISCTE/IUL, o Fórum das Políticas Públicas 2015, em torno do tema “Políticas Públicas para o novo ciclo político – mais crescimento económico e menos desigualdade”. A coordenação dos trabalhos ficou a cargo da e ex-ministra da Educação do XVII Governo Constitucional Maria de Lurdes Rodrigues e de Pedro Adão e Silva.
Trata-se de uma iniciativa anual dos professores dos cursos de políticas públicas do ISCTE-IUL (Instituto Universitário de Lisboa) e constitui um espaço de debate sobre temáticas setoriais. É composto por um painel de políticos e peritos que, nos anos mais recentes, tiveram experiência concreta de desenho, concretização, gestão ou avaliação de políticas públicas.
A participação no Fórum constitui uma oportunidade única para os estudantes alargarem os seus conhecimentos operativos sobre as principais controvérsias nos diferentes domínios de aplicação das políticas públicas (cf site do ISCTE/IUL). 
Vários oradores usaram da palavra na abordagem dos mais diversos subtemas em torno do grande tema acima referenciado, incluindo o programa “Quadratura do Círculo”, da SIC Notícias, emitido excecionalmente a partir do ISCTE/IUL.
O fórum analisou a execução do memorando de entendimento (MdE) e quer lançar o debate sobre o que é preciso mudar nas políticas. Espera-se que o consiga.
No âmbito do fórum, procedeu-se ao lançamento do livro Governar com a troika: Políticas públicas em tempos de austeridade, em que vem compilado o trabalho de análise das várias edições do MdE e dos dez relatórios de avaliação da troika – trabalho levado a cabo pelos investigadores e coordenadores do Fórum das Políticas Públicas 2015.
E a principal conclusão a que chegaram aqueles investigadores e coordenadores foi a de que “o memorando de entendimento (MdE) que Portugal assinou com a troika foi uma ‘espécie de alavanca’ que permitiu ao Governo ‘implementar políticas que de outra forma não teria sido capaz porque encontraria pontos de veto políticos e sociais (através dos partidos, Presidente e parceiros sociais) e institucionais (como o Tribunal Constitucional)’. São palavras atribuídas no Público, de 14 de maio (pg 8), pela pena de Maria Lopes, ao politólogo Pedro Adão e Silva. Ou seja, a Troika foi a “alavanca” para o Governo aplicar políticas da agenda de direita durante os últimos quatro anos e cujo desvinculamento se torna difícil realizar no contexto europeu.
No quadro da avaliação “globalmente negativa” dos impactos do programa de ajustamento feita pelo Fórum através de vários estudos setoriais, identificam-se impactos negativos: na economia, que definhou, decresceu e está a arrancar a medo; no emprego, que se tornou precário e baixou assustadoramente, implicando o êxodo para o estrangeiro de centenas de milhares de pessoas; no aumento das desigualdades, esboroando a classe média; e no afastamento agudo (que se espera não se torne crónico) da trajetória de aproximação aos países desenvolvidos.
A troika serviu de alavanca às políticas de direita de um Governo, que não se importava de governar com o FMI, mas a quem tentou, logo que pôde, reembolsar o montante que lhe devia; que assumiu a troika não por ela, mas por nós e quis ir além da troika; que prometeu um ajustamento sem mais cortes, sem mais impostos, bastando eliminar as gorduras do Estado, mas os cortes vieram e foram fundos e cegos e os impostos tiveram um aumento brutal com o recurso a taxas mais pesadas e a imposição de sobretaxas. Além disso, foram criados novos impostos em nome da proteção ambiental.
Maria de Lurdes Rodrigues, da coordenação do Fórum, recorda que o Governo começou por tentar aplicar a tese da “austeridade expansionista”, com a “convicção ideológica de que, se fizesse um ajustamento rápido, a economia ia crescer”.
E, referindo números, revela que de uma assentada se fizeram cortes de 10 mil milhões de euros – suspenderam-se os investimentos públicos, cortaram-se salários, pensões e subsídios de férias e de Natal. Ora, como vinca a antiga ministra da Educação socialista e doutora em Sociologia, “nada disto estava previsto no memorando”. Afinal, segundo crê, tratava-se de uma “entrada de leão, a matar” que demonstra já a “orientação ideológica” do atual executivo. E o resultado contrariava cada vez mais as previsões que Governo gizara, dando azo a que viessem novos “improvisos”: mais cortes e aumento de impostos, sobretudo IVA e IRS.
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Por seu turno, Pedro Adão e Silva, outro membro da coordenação do fórum, declarando que “esta não é a direita de 1975”, cita um dos vários membros deste executivo consultados para o estudo que “reconhece que o MdE foi um conjunto de coisas que o Governo queria fazer e que foi instrumental ter o memorando como reforço e constrangimento externo”. Por outro lado, o ilustre politólogo também considera que o MdE foi uma “oportunidade para redistribuir poder nas várias áreas”.
Diogo Freitas do Amaral, que, no painel de abertura do fórum, sob o título “A construção de compromissos políticos”, lembrou o mercado do arrendamento (a legislação que protegia os inquilinos passou a favorecer os senhorios), o do trabalho, nas áreas sociais – com a transferência dos recursos públicos para o setor privado.
O ideólogo da fundação do CDS/PP acabou por mostrar a sua desilusão: “41 anos depois do 25 de Abril, temos finalmente um partido de direita em Portugal, que nada tem a ver nem com o PSD de Francisco Pinto Balsemão e Francisco Sá Carneiro nem com o CDS dos seus fundadores e imediatos sucessores. Estamos numa realidade completamente diferente.”
Freitas do Amaral não poupa o Governo na sua crítica severa, pois afirma que as políticas públicas vigentes mostram que se foi “mais além do memorando no sentido da liberalização e desestatização, enfim, no sentido preconizado pelo neoliberalismo”.
Por sua vez, Artur Santos Silva, que participou no mesmo painel inaugural do fórum, alinha com a crítica de Freitas do Amaral, considerando que, desde 2011, houve “erros gritantes no caminho percorrido”. O primeiro foi o “modelo económico que esteve por trás do memorando de entendimento”.
E João Cravinho, antigo ministro e deputado socialista, que interveio com Valente de Oliveira no momento do lançamento do livro acima referenciado, disse que o MdE fora “concebido sobre ilusões e distorções” e questionou-se se o documento, se fosse feito agora, seria igual. Aí adiantou que “o grande problema é que seria concebido da mesma maneira, talvez a única diferença fosse o FMI”.
Cravinho, que identificou no MdE um “enviesamento ideológico”, elogiou ironicamente a capacidade de Passos Coelho de “mudar e muito a cabeça de muita gente”, considerando este fenómeno a única explicação para a sua boa posição nas sondagens e até poder vir a ganhar as eleições. A pari, deu conta da existência de um “desgaste profundo das ideias do contrato social” e de que a própria Europa está “sem projeto político e social”. E conclui que o futuro é, por isso, incerto, assegurando que mesmo na economia as premissas não têm bases sustentadas: “A ideia do crescimento da economia através das exportações é pura ilusão, é lunático. (...) O grande problema da socialdemocracia europeia é criar uma nova classe empresarial.”
O fórum abordou ainda as seguintes problemáticas:
- “Há uma tensão entre a eficiência na gestão dos serviços públicos e a universalidade no acesso?” – por João Cardoso Rosas, Augusto Santos Silva e Vítor Bento;
- “A transferência de competências da administração central deve fazer-se prioritariamente para as autarquias ou para instituições privadas do 3.º setor?” – por Renato Miguel do Carmo, António Costa e Pedro Santana Lopes;
- “É possível promover o crescimento económico sem um programa de investimento público?” – por Ricardo Paes Mamede, Elisa Ferreira e Joaquim Ferreira do Amaral.
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Sem entrar no detalhe de todos os painéis, ressalta que estes últimos quatro anos, em que se tentou o controlo do défice das contas públicas, mas se intensificou a dívida, asilaram um “cenário da direita mais à direita”, que “dilui o espaço e as condições de compromisso, que é naturalmente mais ao centro”, e que será necessário para o futuro a curto prazo, numa altura em que se aproxima um novo ciclo político.
Maria de Lurdes Rodrigues, do seu lado, apesar de muito crítica, considera que “ainda é possível construir compromissos”, baseada na história das políticas públicas de que apresenta inúmeros exemplos, como o Serviço Nacional de Saúde, o sistema de educação, a ciência, os fundos comunitários. Porém, esses compromissos, segundo a socióloga e professora de políticas públicas, têm de ser construídos “em torno de objetivos concretos” e não sob a forma de acordos de coligação, que são mais “abstratos”, sendo o Parlamento e o Conselho Económico e Social os locais por excelência para a consecução dos preditos compromissos.
Pedro Adão e Silva, por seu turno, anota que os partidos se afastaram mais e que houve um movimento desviante no seu posicionamento ideológico e programático, que ameaça ser irreversível. Mas o politólogo descortina pelo menos algo de positivo na forma como o MdE estava estruturado, já que obrigou à substantivação das promessas eleitorais e à disciplina orçamental. “À parte dos objetivos (que não foram atingidos) e do conteúdo, o facto de termos um programa de governo minucioso – que é o que o documento era – com metas quantificadas e com estimativas dos impactos (apesar de falharem), permite a implementação de uma cultura permanente de avaliação. A partir de agora, nenhum partido poderá apresentar programas eleitorais que não tenham a mesma lógica de base. Tanto assim é que o PS já o fez com o seu estabelecimento do cenário macroeconómico; e o PSD irá fazê-lo, para mostrar credibilidade idêntica à partida.
Finalmente, este elemento da coordenação do fórum lamenta que a fiscalização e avaliação como a que se passou a fazer com a criação da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) não se tenham estendido às restantes políticas públicas.
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Em suma, há que apostar na delineação de políticas em bases sólidas, duradouras e equitativas.

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