Decorreu nos dias, 13 e 14
de maio, no ISCTE/IUL, o Fórum das
Políticas Públicas 2015, em torno do tema “Políticas Públicas para o
novo ciclo político – mais crescimento económico e menos desigualdade”. A
coordenação dos trabalhos ficou a cargo da e ex-ministra da Educação do XVII
Governo Constitucional Maria de Lurdes Rodrigues e de Pedro Adão e
Silva.
Trata-se de
uma iniciativa anual dos professores dos cursos de políticas públicas do
ISCTE-IUL (Instituto
Universitário de Lisboa)
e constitui um espaço de debate sobre temáticas setoriais. É composto por um
painel de políticos e peritos que, nos anos mais recentes, tiveram experiência
concreta de desenho, concretização, gestão ou avaliação de políticas públicas.
A
participação no Fórum constitui uma oportunidade única para os estudantes
alargarem os seus conhecimentos operativos sobre as principais controvérsias
nos diferentes domínios de aplicação das políticas públicas (cf site do ISCTE/IUL).
Vários
oradores usaram da palavra na abordagem dos mais diversos subtemas em torno do
grande tema acima referenciado, incluindo o programa “Quadratura do Círculo”,
da SIC Notícias, emitido excecionalmente a partir do ISCTE/IUL.
O
fórum analisou a execução do memorando de entendimento (MdE) e quer lançar o debate sobre o que é
preciso mudar nas políticas. Espera-se que o consiga.
No âmbito do
fórum, procedeu-se ao lançamento do livro Governar com a troika: Políticas públicas em tempos de austeridade, em que vem compilado o trabalho de análise
das várias edições do MdE e dos dez relatórios de avaliação da troika – trabalho levado a cabo pelos investigadores e coordenadores
do Fórum das Políticas Públicas 2015.
E a principal conclusão a
que chegaram aqueles investigadores e coordenadores foi a de que “o memorando
de entendimento (MdE) que Portugal assinou com a troika foi uma ‘espécie de alavanca’ que permitiu ao Governo ‘implementar políticas que de outra forma não teria sido capaz porque encontraria pontos
de veto políticos e sociais (através dos partidos, Presidente e parceiros sociais) e institucionais (como o Tribunal Constitucional)’. São palavras atribuídas no Público, de 14 de maio (pg 8), pela pena de Maria Lopes, ao politólogo
Pedro Adão e Silva. Ou seja, a Troika foi a “alavanca” para o Governo
aplicar políticas da agenda de direita durante os últimos quatro anos e cujo
desvinculamento se torna difícil realizar no contexto europeu.
No quadro da avaliação “globalmente negativa” dos
impactos do programa de ajustamento feita pelo Fórum através de vários estudos
setoriais, identificam-se impactos negativos: na economia, que definhou,
decresceu e está a arrancar a medo; no emprego, que se tornou precário e baixou
assustadoramente, implicando o êxodo para o estrangeiro de centenas de milhares
de pessoas; no aumento das desigualdades, esboroando a classe média; e no afastamento
agudo (que se espera não se torne
crónico) da trajetória de aproximação aos países desenvolvidos.
A troika serviu de alavanca às políticas de
direita de um Governo, que não se importava de governar com o FMI, mas a quem
tentou, logo que pôde, reembolsar o montante que lhe devia; que assumiu a troika
não por ela, mas por nós e quis ir além da troika; que prometeu um ajustamento
sem mais cortes, sem mais impostos, bastando eliminar as gorduras do Estado,
mas os cortes vieram e foram fundos e cegos e os impostos tiveram um aumento
brutal com o recurso a taxas mais pesadas e a imposição de sobretaxas. Além
disso, foram criados novos impostos em nome da proteção ambiental.
Maria de Lurdes Rodrigues, da coordenação do
Fórum, recorda que o Governo começou por tentar aplicar a tese da “austeridade
expansionista”, com a “convicção ideológica de que, se fizesse um ajustamento
rápido, a economia ia crescer”.
E, referindo números, revela que de uma
assentada se fizeram cortes de 10 mil milhões de euros – suspenderam-se os
investimentos públicos, cortaram-se salários, pensões e subsídios de férias e
de Natal. Ora, como vinca a antiga ministra da Educação socialista e doutora em
Sociologia, “nada disto estava previsto no memorando”. Afinal, segundo crê,
tratava-se de uma “entrada de leão, a matar” que demonstra já a “orientação
ideológica” do atual executivo. E o resultado contrariava cada vez mais as
previsões que Governo gizara, dando azo a que viessem novos “improvisos”: mais
cortes e aumento de impostos, sobretudo IVA e IRS.
***
Por seu turno, Pedro Adão e Silva, outro
membro da coordenação do fórum, declarando que “esta não é a direita de 1975”, cita
um dos vários membros deste executivo consultados para o estudo que “reconhece
que o MdE foi um conjunto de coisas que o Governo queria fazer e que foi
instrumental ter o memorando como reforço e constrangimento externo”. Por outro
lado, o ilustre politólogo também considera que o MdE foi uma “oportunidade para
redistribuir poder nas várias áreas”.
Diogo Freitas do Amaral, que, no painel de
abertura do fórum, sob o título “A construção de compromissos
políticos”, lembrou o mercado do arrendamento (a legislação que protegia os inquilinos passou a favorecer os
senhorios), o do trabalho, nas áreas sociais – com a transferência dos
recursos públicos para o setor privado.
O ideólogo da fundação do CDS/PP acabou por mostrar
a sua desilusão: “41 anos depois do 25 de Abril, temos finalmente um partido de
direita em Portugal, que nada tem a ver nem com o PSD de Francisco Pinto
Balsemão e Francisco Sá Carneiro nem com o CDS dos seus fundadores e imediatos
sucessores. Estamos numa realidade completamente diferente.”
Freitas do Amaral não poupa o Governo na sua crítica
severa, pois afirma que as políticas públicas vigentes mostram que se foi “mais
além do memorando no sentido da liberalização e desestatização, enfim, no
sentido preconizado pelo neoliberalismo”.
Por sua vez, Artur Santos Silva, que
participou no mesmo painel inaugural do fórum, alinha com a crítica de Freitas
do Amaral, considerando que, desde 2011, houve “erros gritantes no caminho
percorrido”. O primeiro foi o “modelo económico que esteve por trás do memorando
de entendimento”.
E João Cravinho, antigo ministro e deputado
socialista, que interveio com Valente de Oliveira no momento do lançamento do
livro acima referenciado, disse que o MdE fora “concebido sobre ilusões e distorções”
e questionou-se se o documento, se fosse feito agora, seria igual. Aí adiantou
que “o grande problema é que seria concebido da mesma maneira, talvez a única
diferença fosse o FMI”.
Cravinho, que identificou no MdE um
“enviesamento ideológico”, elogiou ironicamente a capacidade de Passos Coelho
de “mudar e muito a cabeça de muita gente”, considerando este fenómeno a única
explicação para a sua boa posição nas sondagens e até poder vir a ganhar as
eleições. A pari, deu conta da
existência de um “desgaste profundo das ideias do contrato social” e de que a
própria Europa está “sem projeto político e social”. E conclui que o futuro é,
por isso, incerto, assegurando que mesmo na economia as premissas não têm bases
sustentadas: “A ideia do crescimento da economia através das exportações é pura
ilusão, é lunático. (...) O grande problema da socialdemocracia europeia é
criar uma nova classe empresarial.”
O fórum abordou ainda as seguintes
problemáticas:
- “Há uma tensão entre a eficiência na gestão dos serviços
públicos e a universalidade no acesso?” – por João Cardoso Rosas, Augusto Santos
Silva e Vítor Bento;
- “A transferência de competências da administração
central deve fazer-se prioritariamente para as autarquias ou para instituições
privadas do 3.º setor?” – por Renato Miguel do Carmo, António Costa e Pedro
Santana Lopes;
- “É possível promover o crescimento económico sem um programa
de investimento público?” – por Ricardo Paes Mamede, Elisa Ferreira e Joaquim
Ferreira do Amaral.
***
Sem entrar no detalhe de todos os painéis, ressalta
que estes últimos quatro anos, em que se tentou o controlo do défice das contas
públicas, mas se intensificou a dívida, asilaram um “cenário da direita mais à
direita”, que “dilui o espaço e as condições de compromisso, que é naturalmente
mais ao centro”, e que será necessário para o futuro a curto prazo, numa altura
em que se aproxima um novo ciclo político.
Maria de Lurdes Rodrigues, do seu lado, apesar
de muito crítica, considera que “ainda é possível construir compromissos”,
baseada na história das políticas públicas de que apresenta inúmeros exemplos,
como o Serviço Nacional de Saúde, o sistema de educação, a ciência, os fundos
comunitários. Porém, esses compromissos, segundo a socióloga e professora de políticas
públicas, têm de ser construídos “em torno de objetivos concretos” e não sob a
forma de acordos de coligação, que são mais “abstratos”, sendo o Parlamento e o
Conselho Económico e Social os locais por excelência para a consecução dos preditos
compromissos.
Pedro Adão e Silva, por seu turno, anota que os
partidos se afastaram mais e que houve um movimento desviante no seu
posicionamento ideológico e programático, que ameaça ser irreversível. Mas o
politólogo descortina pelo menos algo de positivo na forma como o MdE estava
estruturado, já que obrigou à substantivação das promessas eleitorais e à
disciplina orçamental. “À parte dos objetivos (que não foram atingidos) e do conteúdo, o facto de
termos um programa de governo minucioso – que é o que o documento era – com
metas quantificadas e com estimativas dos impactos (apesar de falharem),
permite a implementação de uma cultura permanente de avaliação. A partir de agora,
nenhum partido poderá apresentar programas eleitorais que não tenham a mesma
lógica de base. Tanto assim é que o PS já o fez com o seu estabelecimento do cenário
macroeconómico; e o PSD irá fazê-lo, para mostrar credibilidade idêntica à
partida.
Finalmente, este elemento da coordenação do
fórum lamenta que a fiscalização e avaliação como a que se passou a fazer com a
criação da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) não se tenham estendido às restantes
políticas públicas.
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Em suma, há que apostar na delineação de
políticas em bases sólidas, duradouras e equitativas.
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