Um grupo de investigadores levou
a cabo um estudo, coordenado por José Augusto Pacheco, presidente do Instituto
de Educação da Universidade do Minho, sobre o impacto e os efeitos da avaliação
externa das escolas, que desde o ano letivo de 2006/2007 tem sido praticada por
equipas constituídas por elementos da Inspeção-Geral da Educação e Ciência (IGEC) e por
professores/investigadores do Ensino Superior na área das Ciências da Educação.
Esta avaliação externa das
escolas e agrupamentos de escolas, que se pretende articulada com as práticas
decorrentes da cultura de autoavaliação assumida em cada organização escolar,
vem estabelecida de forma expressa e detalhada na Lei n.º 31/2002, de 20 de
dezembro, que tem por objeto, no desenvolvimento do art.º 49.º da Lei n.º
46/86, de 14 de outubro (Lei de
Bases do Sistema Educativo) – ou do art.º 52.º na redação que lhe foi dada
pela Lei n.º 49/2005, de 31 de agosto – o sistema de avaliação da educação e do
ensino não superior. E, nos termos do n.º 2 do art.º 9.º do Decreto-lei n.º
75/2008, de 22 de abril, que a redação que lhe foi dada pelo Decreto-lei n.º
137/2012, de 2 de julho, mantém, o relatório de autoavaliação é um dos
“instrumentos de autonomia dos agrupamentos de escolas e das escolas não
agrupadas, para efeitos da respetiva prestação de contas”. Por outro lado,
segundo o n.º 3 do art.º 57.º do mencionado Decreto-lei n.º 75/2008, de 22 de
abril, a conclusão do procedimento da avaliação externa é um dos requisitos
para a celebração de contratos de autonomia (requisito mantido pela atual redação).
Por força do art.º 2.º da
mencionada Lei n.º 31/2002, de 20 de dezembro, “o sistema de avaliação
abrange a educação pré-escolar, o ensino básico e o ensino secundário da educação
escolar, incluindo as suas modalidades especiais de educação, e a educação
extraescolar” (n.º 1).
Porém, embora o n.º 2 deste artigo determine que o sistema de avaliação se
aplica “aos estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino básico e secundário
da rede pública, privada, cooperativa e solidária”, só neste ano letivo é que a
IGEC está a programar a avaliação externa dos estabelecimentos do ensino
particular e cooperativo.
Será que as escolas e o próprio MEC
querem mesmo a avaliação? Entre a lei e a sua aplicação efetiva mediaram 4 anos.
E chega ao ensino privado passados 13 anos.
O referido estudo foi
apresentado, nos passados dia 8 e 9 de maio, no Seminário Internacional “Avaliação Externa de
Escolas”, que teve lugar no Auditório
B2, do Complexo Pedagógico II, no Campus de Gualtar da Universidade do Minho, em
Braga. O seminário contou com a presença
de Ivor
Goodson, David Justino, Luís Capela, Carlinda Leite, Carlos Barreira, Pedro
Rodrigues, Isabel Fialho, Fernando Gonçalves, José A. Pacheco, Graça Bidarra,
João Monteiro, José Saragoça, Maria José Silvestre, José Carlos Morgado e
Sandra Valadas, entre outros.
O modelo de avaliação externa em causa, experimentado no ano
letivo de 2006/2007, passou, depois, por um primeiro ciclo que, tendo abrangido
todos os agrupamentos de escolas e escolas não agrupadas, terminou no ano
letivo de 2010/2011. Cada ação avaliativa foi objeto do respetivo relatório,
tendo cada unidade orgânica sujeita à avaliação externa podido exercer o
direito ao contraditório e, além de diversos estudos académicos, foi objeto de
relatório global elaborado no âmbito da então Inspeção Geral da Educação (IGE), como o próprio período
experimental fora objeto de relatório próprio elaborado pelo respetivo grupo de
trabalho que lançou e desenvolveu a experiência. De momento, já algumas escolas
e agrupamentos foram sujeitos àquela modalidade de avaliação externa pela
segunda vez, embora alguns configurem unidade orgânica diferente, mercê da
formação de nos agrupamentos e da agregação de agrupamentos.
O estudo apresentado, nestes dias, no âmbito do predito
seminário internacional, abrange os dois ciclos avaliativos, mas incide
especialmente sobre as unidades escolares avaliadas neste segundo ciclo
avaliativo desde 2011/2012 a 2103/2014, não tendo ainda sido concluído este
ciclo avaliativo.
Consultando vários ficheiros da página web da IGE/IGEC, fazemos algumas verificações, como as que, a
seguir se discriminam.
Cada ação de avaliação externa parte da análise
dos documentos fundamentais do agrupamento ou escola, previamente enviados à
equipa constituída no âmbito da IGEC (regulamento interno, projeto educativo, projeto curricular, relatórios de
autoavaliação e planos de melhoria, plano estratégico anual e plano anual de
atividades, bem como outros documentos relevantes produzido pela unidade orgânica)
do documento de caraterização do agrupamento ou escola, complementado pela
respetiva sessão pública de apresentação, das informações prestadas nos
diversos painéis de entrevistados, em especial da parte da equipa de
autoavaliação, dos indicadores de sucesso académico dos alunos e das respostas
aos questionários de satisfação dos diversos setores da comunidade.
A avaliação abrange três domínios: resultados; prestação do
serviço educativo; e liderança e gestão. Cada um dos domínios é avaliado
através de diversos campos de análise (nove ao todo). Assim, no âmbito dos resultados,
são apreciados descritores agrupados por três campos de análise: os resultados
académicos; os resultados sociais; e o reconhecimento da comunidade (e não apenas resultados académicos como refere o JN de 9 de
maio). No
concernente à prestação do serviço
educativo, são apreciados também três campos: o planeamento e articulação;
as práticas de ensino; e a monitorização do ensino e das aprendizagens. E, no
quadro da liderança e gestão, são
apreciados também três campos: a liderança; a gestão; e a autoavaliação e
melhoria. Ultrapassou-se assim o complexo de mais de uma centena de questões de
análise que levavam à avaliação dos cinco domínios selecionados (e 19 campos de análise) para o primeiro ciclo
avaliativo: resultados (sucesso académico;
participação e desenvolvimento cívico; comportamento e disciplina; valorização
e impacto das aprendizagens); prestação do serviço educativo (articulação e sequencialidade; acompanhamento da prática
letiva em sala de aula; diferenciação e apoios; abrangência do currículo e valorização
dos saberes e da aprendizagem); organização e gestão escolar (conceção, planeamento e desenvolvimento da atividade; gestão dos
recursos humanos; gestão dos recursos materiais e financeiros; participação dos
pais e outros elementos da comunidade; equidade e justiça); liderança (visão e estratégia; motivação e empenho; abertura à inovação;
parcerias protocolos e projetos); e capacidade de autoavaliação e autorregulação (autoavaliação; sustentabilidade do processo).
Depois, a cada domínio é atribuída uma menção avaliativa em
conformidade com o desempenho demonstrado – insuficiente, suficiente, bom,
muito bom e excelente. Acrescentou-se, neste segundo ciclo, a última e mais
elevada das menções. E, finalmente, são identificados os pontos fortes que
devem ser reforçados e os pontos a melhorar. E com base nestes deve ser
elaborado e desenvolvido o respetivo plano de melhoria. (vd site da IGEC)
***
A
investigação, que decorreu ao longo de três anos, foi financiada pela Fundação
Para a Ciência e Tecnologia (FCT) e envolve, para além da
Universidade do Minho, instituição que coordena o estudo, as universidades do
Porto, de Coimbra, de Lisboa, de Évora e do Algarve, num trabalho de
investigação nacional que representa, segundo o que revelou o professor José
Augusto Pacheco à Lusa, “o primeiro grande estudo feito a nível nacional sobre
o impacto dos efeitos da avaliação externa na escola e na comunidade”.
Do
estudo ressaltam algumas conclusões, que se respigam a partir do que veio
publicado na imprensa, sobretudo, Educare,
JN e DN.
-
A classificação máxima (excelente) e a mínima (insuficiente) estão quase ausentes: a menção de excelente foi atribuída a 0,5% das 1619
unidades orgânicas avaliadas, só no domínio da liderança e gestão; e a de insuficiente foi atribuída a também 0,5%,
mas no domínio dos resultados.
-
As avaliações, por norma, são elevadas, mas esses resultados não se repercutem
nas classificações dos alunos ao nível interno, nem nas provas finais nem nos exames
nacionais.
- O modelo de avaliação
externa, até agora aplicado exclusivamente nas escolas públicas, tem “uma
aceitação bastante global”, embora mais do lado dos diretores que dos
professores, tendo-se verificado algum “alheamento dos professores em relação
ao processo de avaliação externa”.
- Apenas 30% das escolas contestaram os resultados da
avaliação externa, que tem uma relação direta entre esta avaliação e a valorização
crescente dos resultados académicos.
- De acordo com
os resultados preliminares da investigação, a avaliação externa das escolas tem
contribuído para o “reforço do alinhamento da avaliação externa com a
autoavaliação das escolas”, sendo “um efeito bastante visível” que a
autoavaliação resulta dos processos externos.
- Outro dos efeitos é a incidência na organização administrativa (que não financeira), patente, por exemplo, na uniformização de documentos e na componente pedagógica, como articulação curricular, critérios de avaliação, e, sobretudo, na “valorização dos resultados académicos”.
- Outro dos efeitos é a incidência na organização administrativa (que não financeira), patente, por exemplo, na uniformização de documentos e na componente pedagógica, como articulação curricular, critérios de avaliação, e, sobretudo, na “valorização dos resultados académicos”.
- De acordo com os
relatórios internacionais, como os da OCDE, o modelo tem de incorporar a
observação de aulas e de entrar mais nos processos educativos e não tanto nos
resultados.
- A centração da avaliação
nos resultados, nomeadamente os das provas finais do ensino básico e os dos
exames finais do ensino secundário, induz a adoção de “práticas concordantes”
com a valorização desses resultados.
- A avaliação, ao colocar a ênfase nos resultados e não na aprendizagem, está a
transformar a escola em estrutura virada para os resultados das provas finais e
dos exames, deixando de lado os aspetos que poderiam favorecer a diferenciação
de escola para escola.
- Ao centrar-se
em aspetos administrativos e pontuais, a avaliação tem contribuído mais para mudanças administrativas e pontuais
que para a melhoria da qualidade da própria escola, sobretudo ao nível dos
processos de aprendizagem.
- Havendo uma preocupação cada vez mais
crescente das escolas com os resultados, com a consequente valorização dos
exames nacionais (há uma
relação causa-efeito entre a avaliação externa das escolas e a avaliação
externas das aprendizagens – os exames), “as
escolas tomam medidas para a valorização das disciplinas sujeitas a exames
nacionais, usando os créditos horários para mais aprendizagens dessas matérias”
– o que faz com que os professores, sobretudo das disciplinas que não têm
provas nacionais, “não se sintam envolvidos” no processo de avaliação da
escola.
***
Por isso, os investigadores das várias
universidades envolvidas no projeto (Minho,
Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Algarve)
entendem que o modelo de avaliação devia ser alterado, devendo, por exemplo,
incidir em “aulas observadas” – o que “permitiria envolver mais os professores”
e gizar-se um figurino de avaliação adaptado a cada tipo de escola, já que
atualmente escolas de ensino regular, artístico ou profissional são avaliadas
de acordo com os mesmos parâmetros”.
Como ponto positivo, este modelo de avaliação
externa das escolas parece ter melhorado a prestação de contas, é tolerado
pelas escolas e melhora a relação das escolas com a comunidade,
“O facto de só 30% das escolas avaliadas terem
apresentado contraditório – conclui o estudo – significa que pelo menos os
diretores não contestam o modelo e a avaliação”. Esquece-se de que muitas vezes
não se apresenta o contraditório pela não esperança de que ele sirva para
alguma coisa. Por outro lado, como se trata de uma avaliação externa, os
resultados da escola “são valorizados pela comunidade”.
***
Sem excluir a seriedade de muitos desempenhos,
é preciso referir que alguns dos bons resultados da avaliação externa devem-se,
segundo me parece, à capacidade de apresentação da informação por parte de alguns
diretores, ao ensaio dos intervenientes nos diversos painéis de entrevista
promovido por alguns dirigentes e a certa cumplicidade de algumas das equipas de
avaliação externa (que
também acham bem não mostrar as mazelas todas). Não se
regista uma ação avaliativa que não seja avisada e preparada!
Por outro lado, alguns participantes em
painéis ou alguns dos que respondem a alguns inquéritos aproveitam o ensejo para
destilar o vírus da insatisfação contra as politicas educativas, a sobrecarga de
trabalho, a sua teimosia de ver as coisas a seu modo ou o acinte para com o diretor,
bem como a sensação de vitimização por obras feitas intempestivamente – ou não –
no perímetro escolar, lacunas ou indisposição contra elementos da comunidade (autarquias, alguns professores, alguns
encarregados de educação).
A centração desviante da avaliação – nos aspetos
administrativos, em vez dos pedagógicos; nos resultados, sem considerar o processo;
no ensino em vez das aprendizagens; nos exames ou provas finais, em vez da
avaliação interna – mostra bem como a prática está longe do espírito da Lei de
Bases dos Sistema educativo. É escandalosa a proliferação de guias de preparação
para as provas finais e exames nacionais – promovida pelo MEC e pelas editoras –
e a moda dos testes intermédios organizados pelo IAVE-IP, bem como as aulas suplementares
de preparação para s provas finais, induzida pelo MEC. Se a isto juntarmos a
ameaça da futura exigência da certificação da qualidade a atribuir a cada
unidade orgânica, é bom de ver que não estamos perante uma verdadeira avaliação
escolar que induza a melhoria, mas o mecanismo da concorrência neoliberal entre
escola e escola, escola pública e escola privada – sob a capa da automelhoria, autoconhecimento,
autorregulação e prestação de contas.
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