O bispo emérito de Setúbal, D. Manuel da Silva Martins, recebeu,
no passado dia 20 de maio, dia
da restauração da independência de Timor-Leste, merecida e pública distinção pelo seu empenho nesta
magna causa. Com efeito, ao ser condecorado,
em Lisboa, com a medalha da “Ordem de Timor-Leste”, atribuída pelo Presidente Taur
Matan Ruak, apresentou-se como uma das vozes que defendeu “sempre” os direitos
deste país lusófono.
O emérito prelado declarou à Agência Ecclesia que, na cerimónia da entrega da condecoração, realizada na
cidade de Lisboa, afirmou ter-se envolvido “na defesa daquele povo com muita
paixão”, paixão que se manifestou de múltiplas e variadas formas, “desde cartas,
conferências, intervenções na rádio e na TV até numa ida à ONU”.
Segundo o prelado, mesmo no seio da Igreja Católica, as
opiniões dividiam-se em relação a Timor-Leste e na Secretaria de Estado do
Vaticano havia quem defendesse “a anexação por motivos de convivência pacífica
e proteção da Indonésia”, ou melhor, os poucos católicos que vivem naquele
grande país, então sob regime ditatorial.
O cardeal Agostino Casaroli (secretário de Estado Vaticano de 1979
até 1990) chegou a
escrever a D. Manuel Martins, na altura bispo de Setúbal, para que este
evitasse seguir o discurso “do povo que protestava”, uma posição que era
replicada pela Nunciatura Apostólica em Lisboa.
Relativamente a este tipo de posições o insigne Bispo compreende
que são coisas que acontecem, mas assegura que nunca desanimou, pois, considera
que seria “um crime”, como “cidadão, cristão e bispo” não intervir e não sofrer
por aquelas pessoas, assegurando que agira assim na convicção de que “a alma da
Igreja devia comungar com esta gente que sofria imenso”.
No entanto, o Bispo explicitou que as intervenções que
realizou na década de 90, até à proclamação da restauração da independência do
país, no dia 20 de maio de 2002, vinham alinhadas com os pronunciamentos do
Papa João Paulo II (e
neles se baseavam),
nomeadamente a respeito dos Balcãs. A este respeito, “o Papa defendia que todos
os povos que são nação, que têm uma língua, uma cultura, têm direito a decidir
o seu destino, a sua soberania” – afirmou.
Foi a convite de D. Carlos Ximenes Belo, na altura bispo de
Díli, que D. Manuel Martins visitaria Timor-Leste. “Já eram independentes e
estavam em campanha eleitoral para a formação do primeiro governo, mas tudo
aquilo cheirava a fumo” – recordou.
É óbvio que, passados estes anos, o bispo emérito de Setúbal
não está arrependido “de ter defendido aquele povo” e mostra-se feliz pela
“sensibilidade para os Direitos Humanos”, reconhecendo que a sua luta por esta
causa não foi em vão.
Não deixa de falar das “muitas cartas” que enviou a
personalidades da Igreja Católica em Portugal e da sociedade civil para
solicitar uma intervenção da ONU no território timorense. Reconhece que fez “tudo
o que pode como cidadão, cristão e como bispo”. “Realizámos várias campanhas” –
especifica – “eu como presidente da Pax
Christi (como efeito
presidia à secção portuguesa deste organismo internacional) mandei muito pedidos a bispos de
todo o mundo para que se juntassem a esta causa e juntos pedirmos à ONU que
acabasse com esta injustiça”.
Evocando a memória da alegria que, em tempo, manifestou pela
independência de Timor-Leste, “que era bem merecida”, “muito justa”, desejando
que se construa um Estado “verdadeiramente democrático”, garantiu estar “convencido
de que, depois deste primeiro passo, se vão criar condições para um Estado
verdadeiramente democrático, onde os direitos humanos sejam respeitados e
defendidos”.
- cf http://www.agencia.ecclesia.pt/noticias/nacional/timorleste-d-manuel-martins-recebe-distincao-por-empenho-na-causa-da-independencia/, ac.
2015.05.21
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Na cerimónia da entrega da medalha da
“Ordem de Timor-Leste”, pelas mãos da embaixadora de Timor-Leste em Portugal,
Maria Natália Carrascalão, realizada no Hotel Marriott, em Lisboa, foram também
condecorados o professor Adriano Moreira, Luísa Teotónio Pereira, João Soares, a
rádio TSF, o grupo de solidariedade ‘A Paz é Possível em Timor-Leste’ e os
jornalistas Adelino Gomes e José Vegar.
Alguns dos galardoados
reagiram com surpresa e emoção, como é natural e usual. Foi precisamente “com surpresa
e emoção” que o
jornalista Adelino Gomes diz acolher o anúncio da condecoração pela República
de Timor-Leste com a medalha do país.
Contou que, em
1975, fora enviado pela RTP a Timor para fazer a cobertura da guerra civil. Era
a sua primeira vez naquele território. “Ninguém entrava lá já há muito tempo –
explica – Portugal era a potência colonial. Era necessário ir ver o que se
estava a passar. Informações que chegavam falavam em milhares de mortos e eu
ofereci-me na televisão. Trabalhava na RTP na altura – aliás não fui o único –
acabei por ser selecionado e fui para lá. Não conhecia Timor e encontrei a
guerra civil já na parte final”.
Nas memórias
que guarda desse trabalho, ressalta a morte de cinco jornalistas australianos: Umas
horas depois de ter saído de Balibó começou a invasão por terra, antes da grande
invasão de 7 de dezembro. Isto foi na noite de 15 para 16 de outubro. Começou a
invasão por terra, exatamente pela zona de Balibó e foram executados os
jornalistas que lá estavam, que eram cinco, também da televisão, de dois canais
comerciais da televisão australiana.
Mas Adelino
Gomes não poupa no elogio à TSF, ao salientar com gosto a distinção que foi
feita à TSF, porque a TSF nasceu em 1987, acontecimento de que, segundo diz, se
lembra muito bem. Ao mesmo tempo, destaca o papel central de Manuel Acácio nesse
processo, pois, no curso de formação da TSF, ele relevou de forma pioneira a
questão de Timor. “Portanto, a TSF na sua génese, no seu ADN, trazia já Timor
como trabalho de casa, no processo de formação dos seus futuros grandes
jornalistas e, por isso, eu sinto-me muito honrado de poder ser agraciado num
dia em que a TSF vai ser também agraciada” assegura.
Recordo-me de
que, em tempos, Ana Gomes, que foi embaixadora de Portugal na Indonésia (1999-2003) e lutadora diplomática pela causa
de Timor (contribuindo
para a mudança de ótica política do Ministro Ali Alatas, Ministro dos Negócios
Estrangeiros indonésio),
apesar de ser algo crítica do desempenho de Durão Barroso como Primeiro-Ministro
e Presidente da Comissão Europeia, reconheceu que, antes de ele entrar no
Ministério dos Negócios Estrangeiros como Secretário de Estado dos Assuntos Externos
e Cooperação (1987-1992) e, depois, como Ministro dos Negócios
Estrangeiros (1992-1995), a causa de Timor era praticamente
ignorada na diplomacia.
Por seu turno
e ao invés de Adelino Gomes, o bispo emérito de Setúbal, despido de falsa
humildade, mas também com natural modéstia, reage de forma cândida e realista,
sentindo-se honrado com a distinção: “Podia dizer que não mereço ou que me
custa aceitar, mas não digo isso. Eu mereço, desde o início da causa de Timor
que me senti muito ligado a esta causa. Um povo tem o direito a escolher o seu
futuro, o modo como quer viver” – confessou.
- cf http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Portugal/Interior.aspx?content_id=4550291&page=-1,
ac. 2015.05.21
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Não é esta a
primeira vez que Dom Manuel Martins recebe uma tão merecida e alta distinção,
mas esta é, do meu ponto de vista, a que faltava e talvez a mais justa e
adequada.
A 10 de
dezembro de 2013, durante a sessão comemorativa do 65.º aniversário da
Declaração Universal dos Direitos do Homem, no Salão Nobre da OA, a Comissão
dos Direitos do Homem da Ordem dos Advogados (OA) distinguiu o Bispo Emérito de Setúbal com o Prémio Ângelo d’ Almeida
Ribeiro – prémio instituído pela OA para distinguir anualmente as personalidades
ou entidades nacionais que mais se tenham destacado na defesa dos direitos dos
cidadãos, segundo o que estipula o regulamento do galardão.
- cf http://www.diocese-setubal.pt/site/index.php?name=News&file=article&sid=2480,
ac.2015.05.21
Foi também agraciado pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da
Ordem Militar de Cristo, durante as comemorações do 10 de junho de 2007, em
Setúbal, e com o Galardão dos Direitos Humanos da Assembleia da República, em
10 de dezembro de 2008.
A propósito
da homenagem do 10 de junho de 2007, o JN,
de 11 daquele mês e ano, retém algumas afirmações e recomendações pertinentes
de Dom Manuel Martins:
“Só tenho uma
mensagem a dar” – acabou por dizer face à insistência dos jornalistas – “Sejam
portugueses de corpo e alma. Não se deixem dobrar”.
Antiga voz
crítica dos governos de Cavaco Silva, depois de ser agraciado, voltou a
defender os direitos do seu rebanho de então. “O povo de Setúbal é dos mais
interventivos do país: uma das marcas da cidadania é não se deixar comer,
manipular ou gozar” – esclareceu, manifestando-se preocupado com o desemprego e
a crise económica que o distrito enfrenta.
Revelou ainda
ter sido “portador de muitas mensagens para que Cavaco Silva se candidatasse à
Presidência da República”. Muitos lhe pediram que dissesse ao Chefe de Estado
para avançar. E foi isso que fez, segundo contou, pois, apesar de alguns passos
menos certos enquanto primeiro-ministro, ele e “o povo veem nele um homem com
inteireza de caráter”.
Sobre a
condecoração que lhe foi atribuída, o prelado emérito adiantou ter-se
questionado se a deveria receber ou não, mas que optara por aceitar a
distinção, “pois tal gesto poderá fazer bem” à Igreja que serviu e – penso eu –
ainda serve.
***
E é este o
homem da Igreja, cidadão de corpo inteiro, sem papas na língua, com uma humildade
feita do realismo aliada à verdade, que se admira mesmo que hic et nunc dele tenha de se discordar. É
de homens como este que a Igreja Católica e a Sociedade precisam. E eles
existem, graças a Deus, não podem é ficar no escuro ou nas brumas da memória.
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