A Ascensão do Senhor, uma das grandes festas do calendário
litúrgico, celebra a ascensão de Jesus aos
céus por seus próprios meios e remonta, pelo menos, ao final do
século IV. O
dia é tradicionalmente comemorado na quinta-feira da VI semana da Páscoa, o
quadragésimo dia após o domingo da Ressurreição. Todavia, em alguns lugares do
catolicismo, sobretudo onde o dia não é considerado feriado, transferiu-se a
solenidade (assim designada liturgicamente por ser uma
festa de 1.ª categoria) para o domingo seguinte, o VII da Páscoa. É o que se passa
em Portugal depois da reforma litúrgica subsequente ao Concílio Vaticano II.
No entanto, esta é uma das festas ecuménicas
(ou seja, das celebradas universalmente), com o mesmo status das solenidades da Paixão, da
Páscoa e do Pentecostes. É mesmo considerada como um dos grandes marcos teofânicos
da narrativa evangélica direta sobre a vida de Jesus, juntamente com o batismo,
a transfiguração, a crucifixão e a ressurreição.
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Quanto ao facto
celebrado, a ascensão é um evento significativo referenciado em diversos lugares
do Novo Testamento: Jesus, que morrera crucificado e descera à mansão dos mortos,
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu aos céus com o seu
corpo físico, embora glorioso, na presença dos onze apóstolos. Na principal
narrativa bíblica da ascensão, a dos Atos dos Apóstolos (At 1,1-11), dois anjos (dois
homens vestidos de branco) interpelam aqueles galileus e informam-nos de que a segunda
vinda de Jesus ocorrerá da mesma forma que a da ascensão (cf At 1,9-11). A narrativa indica
que a ascensão se deu quarenta dias após a ressurreição, no “monte das
Oliveiras”, perto de Jerusalém. Ali, Jesus “apresentou-se vivo, dando
disto muitas provas, aparecendo-lhes por espaço de quarenta dias e falando das
coisas concernentes ao reino de Deus”
(At 1,3). E, depois de
instruir os apóstolos, “Jesus
elevou-se à vista deles, e uma nuvem o recebeu e ocultou aos seus olhos” (At 1,9).
Os evangelhos incluem dois breves relatos
do evento: Mc 16,19; e Lc 24, 50-53.
Segundo Marcos, após a ressurreição, Jesus “manifestou-se
aos onze, quando estavam à mesa”;
e, durante a refeição, ordenou-lhes: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda a criatura” (cf Mc 16,14-15). E, embora sem
referência ao local, relata a ascensão nestes termos: “Depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e sentou-se à
direita de Deus” (Mc 16,19).
De acordo com Lucas, Jesus conduziu os onze discípulos
até Betânia, localidade próxima de Jerusalém. E o evangelista relata assim a
ascensão: “Ele levou-os até
Betânia e, levantando as mãos, os abençoou. Enquanto os abençoava, apartou-se
deles e elevava-se aos céus. Eles, tendo-O adorado, voltaram para Jerusalém com
grande alegria (Lc 24,50-52).
A bênção de Jesus inerente à ascensão é interpretada
como sendo um ato sacerdotal no qual Jesus deixa os discípulos aos cuidados de
Deus Pai. O regresso dos discípulos a Jerusalém encerra a narrativa de Lucas no
mesmo lugar onde ela começou.
Há ainda mais segmentos discursivos no Novo Testamento que
podem ser interpretadas como referências à ascensão:
- “E, se virdes o Filho do homem subir para onde
estava antes?” (Jo 6,62).
- “…porque vou para o Pai, e já não me vereis” (Jo 16,10) – na última ceia.
- No episódio conhecido com do “Noli me tangere”, Jesus ordena a Maria Madalena: “Não me toques; porque ainda não subi ao
Pai, mas vai a meus irmãos e diz-lhes que subo para meu Pai e vosso Pai, para
meu Deus e vosso Deus” (Jo 20,17).
No livro dos Atos (cf At 2,30-36), na Carta aos Efésios (Ef 4,8-10) e na 1.ª carta a Timóteo (1Tm 3,16), a ascensão é citada como um facto consumado,
enquanto, na carta aos Hebreus, Jesus aparece entronizado nos céus à
direita de Deus Pai (cf Heb 10,12).
A ascensão é
professada explicitamente nos diversos símbolos da fé, nomeadamente o Credo dos Apóstolos e o Credo Niceno-constantinoplitano,
assegurando que Jesus subiu aos céus.
É certo que o Jesus
Seminar, fundado por Robert Funk, considera os relatos sobre a ascensão de
Jesus como invenções da comunidade cristã da era
apostólica. Elegem a ascensão, presumidamente um facto neotestamentário,
como um modo eficiente para desacreditar as supostas
aparições de Jesus na comunidade cristã da era apostólica,
reivindicadas por muitos. E o teólogo Rudolph Bultmann escreveu:
“A cosmologia do Novo Testamento é essencialmente
mística; o mundo é visto como sendo uma estrutura em três camadas, com a terra
no centro, o céu acima e as profundezas em baixo. O céu é a morada de Deus e
dos seres celestiais – anjos... Ninguém que seja velho o suficiente para pensar
por conta própria supõe que Deus viva num céu”.
Não obstante, o
próprio protestantismo afirma o facto da Ascensão. Assim, a Confissão de Fé
de Westminster (parte da tradição reformada do calvinismo e muito
influente na tradição presbiteriana), no artigo quarto do capítulo oito, afirma:
“No terceiro dia, Ele levantou-se dos mortos
com o mesmo corpo que havia sofrido e com o qual ele ascendeu ao céu e lá está
sentado à direita do Pai, intercedendo, e deve retornar, para julgar homens e
anjos no fim do mundo”.
E a II Confissão
Helvética explicita, no seu capítulo 11, o propósito e o significado
da ascensão de Cristo: Cristo verdadeiramente ascendeu aos céus. Cremos que
nosso Senhor Jesus Cristo, na sua própria carne, ascendeu além do céu visível
para o altíssimo céu, ou seja, a morada de Deus e dos abençoados, à direita de
Deus Pai. Embora ela signifique uma participação igual na glória e na
majestade, ela também é tomada como significando um certo local sobre o qual o
Senhor, falando no evangelho, diz: “Pois
vou preparar-vos lugar” (Jo 14,2). E Pedro também diz: “ao qual é necessário que o céu receba
até aos tempos da restauração de todas as coisas” (At 3,21).
Na teologia da Igreja Ortodoxa e das Igrejas
Orientais, a ascensão é assumida como o ápice do mistério da Encarnação, no
sentido de que ela não só marca o fim da presença física de Jesus entre os
apóstolos, mas também porque ela consuma a união de Deus e do homem quando
Jesus ascendeu em seu corpo humano glorificado para se sentar à direita
de Deus Pai. A ascensão e a transfiguração figuram de forma
proeminente na doutrina da theosis (realização de semelhança
a Deus
ou união com Deus, que é o
estágio final do processo de transformação e, como tal, o objetivo da vida
espiritual). A ascensão
corporal ao céu é também entendida como o símbolo final das duas naturezas de
Cristo: a humana e a divina.
E o Catecismo da Igreja Católica dedica à Ascensão
todo o artigo 6 (n.os 659-667) sob o título “Jesus subiu aos céus
e está sentado à direita de Deus, Pai todo-poderoso” e, no seu n.º 668,
explicita o significado da ascensão: “A
ascensão de Cristo aos céus significa a sua participação, em sua humanidade, no
poder e autoridade de Deus”.
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A ascensão é
tema recorrente na arte e
literatura cristãs. Já pelo século VI, a iconografia lhe tinha reservado lugar
de relevo; e, no século IX, as cenas evocativas deste evento cristológico
passaram a decorar a cúpula de algumas igrejas. Os Evangelhos de Rabbula (por volta do ano 586) incluem algumas das mais antigas
imagens da Ascensão do Senhor.
Muitos quadros
da Ascensão têm duas partes, uma superior (celeste)
e uma inferior (terrena). Cristo ascendendo aparece, por
vezes, com uma faixa ou a fazer um sinal de bênção com a mão direita. Este
gesto significa que Jesus, com a mão direita apontada para as pessoas abaixo
dele, está a abençoar a igreja inteira. Na mão esquerda, aparece, por vezes,
com um evangelho ou um rolo, reforçando
seu papel de mestre, profeta e pregador.
A
representação da Igreja Ortodoxa da
Ascensão é uma grande metáfora para a natureza mística da Igreja. Em muitos
ícones orientais, Maria (protótipo
da Igreja) aparece no centro da cena na parte terrena
da representação, de mãos elevadas e geralmente acompanhada pelos apóstolos.
A tradição consagrou o monte das Oliveiras, referido
no livro dos Atos, como o Monte da
Ascensão. Antes
da conversão de Constantino em
312 d.C., os cristãos acreditavam que a Ascensão teria ocorrido a partir de uma
“caverna” no Monte das Oliveiras. Em 384, o local da Ascensão já era venerado
no atual local aberto, num morro acima a partir da caverna.
A Capela da Ascensão em Jerusalém é um
local sagrado para cristãos e
muçulmanos e acredita-se que ela marque o local donde Jesus ascendeu aos
céus. Na pequena igreja/mesquita circular está uma pedra com uma marca que
alguns creem tratar-se das pegadas de Jesus.
Por volta de
390, uma rica matrona romana financiou
a construção da igreja original, chamada de “Eleona Basilica” (em grego – elaion, jardim das oliveiras: de elaia, oliveira): os termos são parónimos do termo grego éleos, que significa “misericórdia” (o tratamento dos ferimentos era feito com vinho azeite
– Lc 10,34). Esta
igreja, que foi destruída pelos persas sassânidas em 614, foi reconstruída pelos
cruzados; depois, foi destruída quase na totalidade por muçulmanos, que
deixaram apenas uma estrutura octogonal de 144 m2 chamada de martírio – memorial ou edícula. O local
foi finalmente adquirido por dois emissários de Saladino em 1198 e desde então é
propriedade do waaqf de Jerusalém. E a Igreja Ortodoxa
Russa mantém o Convento da Ascensão no alto do monte das Oliveiras.
***
O Papa Paulo
VI, na sequência do decreto conciliar Inter
Mirifica (sobre os
meios de comunicação social), instituiu o VII domingo da Páscoa como o Dia Mundial das Comunicações
Sociais, que em Portugal coincide com a solenidade da Ascensão. E, todos os
anos, ele enviou e, depois, os sucessores enviam à Igreja e ao Mundo uma
mensagem específica de reflexão para este dia.
Neste
alinhamento e vincando as suas opções pastorais e apostólicas, o Papa Francisco
também enviou a sua para este ano de 2015, sob o tema “Comunicar a família: ambiente
privilegiado do encontro na gratuidade do amor”.
O tema justifica-se por estar a Igreja e o
Mundo em reflexão entre as duas assembleias sinodais sobre a família e pelo
facto de ser a família o primeiro espaço de aprendizagem do ato de comunicar.
Talvez se encontre no bloqueio comunicacional da família nos dias de hoje a
grande razão por que a Comunicação Social se comporta de forma tão lacunar,
mercantil, teimosa, seletiva e agressiva.
Não resisto a transcrever três segmentos da
mensagem papal para este XLIX Dia Mundial das Comunicações Sociais:
Sobre a função comunicacional da família,
- Na família, é sobretudo a capacidade de se abraçar, apoiar,
acompanhar, decifrar olhares e silêncios, rir e chorar juntos, entre pessoas
que não se escolheram (exceto os
membros do casal – penso eu) e todavia são tão importantes uma para a
outra… é sobretudo esta capacidade que nos faz compreender o que é
verdadeiramente a comunicação enquanto descoberta e construção de proximidade.
Sobre a família como escola
de comunicação, acolhimento e de bênção,
- Num
mundo onde frequentemente se amaldiçoa, insulta, semeia discórdia, polui com as
murmurações o nosso ambiente humano, a família pode ser uma escola de
comunicação feita de bênção.
E isto, mesmo nos lugares onde parecem
prevalecer como inevitáveis o ódio e a violência, quando as famílias estão
separadas entre si por muros de pedras ou pelos muros mais impenetráveis do
preconceito e do ressentimento, quando parece haver boas razões para dizer
‘agora basta’; na realidade, abençoar em vez de amaldiçoar, visitar em vez de
repelir, acolher em vez de combater é a única forma de quebrar a espiral do
mal, para testemunhar que o bem é sempre possível, para educar os filhos na
fraternidade.
Sobre a capacidade dos meios de comunicação na
dificultação e na facilitação da comunicação em família e entre as famílias,
- Os meios mais modernos de hoje,
irrenunciáveis sobretudo para os mais jovens, tanto podem dificultar como
ajudar a comunicação em família e entre as famílias.
. Podem-na dificultar, se se
tornam uma forma de se subtrair à escuta, de se isolar apesar da presença física,
de saturar todo o momento de silêncio e de espera, ignorando que “o silêncio é
parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras ricas de conteúdo”
(Bento XVI, Mensagem do XLVI Dia Mundial
das Comunicações Sociais, 24/1/2012);
. Podem-na favorecer, se ajudam a
narrar e compartilhar, a permanecer em contacto com os de longe, a agradecer e a
pedir perdão, a tornar possível sem cessar o encontro. Descobrindo diariamente
este centro vital que é o encontro, este “início vivo”, saberemos orientar o
nosso relacionamento com as tecnologias, em vez de nos deixarmos arrastar por
elas.
***
Cristo, ao
subir aos céus, terminou a sua ação visível e direta no mundo. Ficou a Igreja,
a comunidade dos discípulos e servidores (orante, militante e alegre), animada pelo Espírito Santo, do Pentecostes, encarregada
de testemunhar o Ressuscitado, de anunciar o perdão dos pecados e a vida divina
e de fazer discípulos em toda a parte. Em suma, compete-lhe, ou melhor, compete-nos
a todos e a cada um, enquanto rosto de Cristo, continuar a obra dele, na
certeza de que Ele está connosco todos os dias até à consumação dos séculos (cf Mt 28,20) e coopera connosco confirmando a
Palavra com os sinais que a acompanham (cf Mc 16,20). Não vale a pena ficarmos embasbacados a olhar para o céu (cf At 1,11), mas devemos receber a força do
Alto (cf Lc 24,49) e ser testemunhas de Jesus e
anunciar em seu nome a conversão para o perdão dos pecados a todos os povos (cf
Lc 24,47-48).
Ora, o
discípulo de Cristo, no cumprimento da sua missão, não pode deixar de utilizar de
modo proficiente qualquer dos meios que a natureza e o progresso colocaram ao
serviço do homem para comunicar com o semelhante. Não basta dizer ou querer; é
preciso utilizar os meios disponíveis. E, entre os meios disponíveis, estão
aqueles que o homem, pondo a render os talentos de que Deus o dotou, inventou a
partir do maravilhoso conhecimento científico e técnico. E importa usá-los, não
contra Deus ou contra o homem, mas ao serviço do homem e segundo o querer de Deus
– e na promoção da sadia comunicação familiar e interfamiliar.
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