É reconhecido pelas instâncias internacionais o direito das
pessoas à migração. Todo e qualquer cidadão tem o direito e até o dever de
procurar noutro país as condições de vida e de trabalho que o seu país lhe não
proporcione por insuficiência de recursos ou por más políticas. E, por
consequência, o país de origem não pode caprichosamente vetar a saída de seus
nacionais, se não lhe garante condições, não só de sobrevivência, como também
de vida condigna através do trabalho satisfatoriamente remunerado, não
demasiado pesado e suficientemente articulável com as responsabilidades
familiares e sociais de cada um, bem como com o direito ao justo repouso (períodos
de descanso e férias)
e à proteção na doença, na invalidez e na velhice.
Por outro lado, os países devem acolher, no quadro das suas
possibilidades, sem obstáculos de ordem ideológica (rácica
ou xenófoba),
as pessoas que a eles se dirigem para o encontro do sustento e/ou do
reagrupamento familiar.
Têm ainda os Estados que concertam a comunidade das nações a
obrigação de vigiar por que os seres humanos que fogem atemorizados dos seus
territórios de origem – por falta de condições socioeconómicas ou por via dos
conflitos bélicos ou catástrofes naturais – caiam nas malhas de grupos
organizados que, à custa da desgraça alheia, são criadores de falsas ilusões de
emprego, promotores de situações espezinhadoras e escravizantes, fazendo do
tráfico humano uma ocasião de negócio, fonte de lucro fácil e, tantas vezes,
maré de miséria e morte.
Tão pouco se afigura aceitável que um país como Portugal
entenda ser via de solução dos problemas dos cidadãos a emigração e, depois,
pedir-lhes que entreguem no país o produto do trabalho que desenvolveram em
terra estrangeira ou lhes peçam, quando dá jeito à governação, que regressem
sem mais ou acenando-lhes com a aprovação burocrática de meia dúzia de projetos
de investimento ou de empreendedorismo a coberto de magríssimo bolo orçamental.
É óbvio que há outros fluxos de mobilidade que são de
aplaudir: o turismo; a formação interinstitucional baseada na reciprocidade; a
permuta internacional do trabalho de investigação; e mesmo a experiência
temporária de trabalho no estrangeiro. Torna-se, porém, confrangedor que um
Governo se resigne a comprometer o seu sistema educativo, nomeadamente o
patamar do ensino superior para, por falta de políticas de emprego e de fixação
de recursos humanos qualificados, engrossar as qualificadas hostes laborais em
países estrangeiros, que oscilam entre o tratamento humano, com a conveniente
apreciação, e o simples aproveitamento para serviços e níveis que os seus
nacionais enjeitam desde que tenham oportunidade de o fazerem.
***
Graças ao estabelecimento de um programa de ajustamento,
cujo desenvolvimento além do próprio programa desencadeou a crónica espiral recessiva
de que estamos a sair demasiado lentamente, a economia definhou, estagnou e
cresce a medo, o emprego tornou-se precário e rarefeito, os impostos,
contribuições, taxas e tarifas agravaram-se brutalmente. Entretanto, o Governo sugeriu
uma solução para os portugueses descontentes: a solução emigratória.
E, nos últimos quatro anos, perto de meio milhão de
portugueses tentaram o futuro no estrangeiro – uns com mais sorte ou com menos.
Porém, estes novos emigrantes, contam-se milhares e milhares de jovens
altamente qualificados pelas nossas instituições de ensino superior.
Recentemente, o Governo lançou, em grandes parangonas, um
grande programa de apoio aos emigrantes que se resumiu a um “miniestrado” de
apoio àquele que “VEM”, com um suporte orçamental exíguo e consubstanciável na
viabilização de umas poucas dezenas de projetos. Obviamente, muitos põem de
lado qualquer hipótese de regresso a um país que os mandou emigrar e que hoje
não apresenta – nem do lado do poder instituído nem da parte daqueles que se
arrogam o estatuto de alternativa à atual governança – um coeficiente real de
confiança que lhes galvanize a vontade e a capacidade de projetar o futuro no
território nacional.
Com efeito, o PS de Costa encomendou um estudo sobre o
cenário macroeconómico como base de trabalho para um programa eleitoral. Visto,
numa primeira fase, com uma invejosa desconfiança, a ponto de o sujeitarem ao
interrogatório de 29 questões e o quererem submeter ao juízo da UTAO e do CFP (era
a posição do PSD, que não quer o mesmo procedimento para os seus documentos), agora ocorreu o ato de desistência
dessa pretensa sujeição à análise das entidades fiscalizadoras das contas
públicas. É que pessoas da área do próprio PSD vieram, embora com algum olhar
crítico, elogiar a postura global do estudo, por trazer a “política” para o
debate público e as medidas testadas não se desviarem na sua essência do
contexto europeu e do entendimento sobre aquilo que o superior interesse
nacional ditará, ainda que lido de forma diferente. Alguns dizem que
ironicamente o PSD terá receado que a UTAO viesse a validar as conclusões do
estudo e outros vêm mesmo a sugerir que o PSD deveria apresentar um pedido de
desculpa ao país por o ter feito sofrer tanto e sem tanta necessidade.
***
Por
seu turno, à semelhança do que fez em 2008, o Presidente da República (vd
Público, de 16 de maio) encomendou um estudo vertido em
relatório sob o título Emprego, Mobilidade, Política e Lazer: situações
e atitudes dos jovens portugueses numa perspetiva comparada, da
autoria de Mariana Costa Lobo, Vítor Sérgio Ferreira e Jussara Rowland (do
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa).
O
estudo, apresentado no dia 15, na Fundação Champalimaud, em Lisboa, dá pouca
esperança às preocupações que o Presidente exprimiu, na abertura da IV Conferência Internacional Portugal e os
Jovens, Novos Rumos, Outra Esperança. Cavaco Silva pretende que os jovens regressem
e mostra-se apreensivo com o afastamento que mostram em relação à política. Com
efeito, os números evidenciam que a maioria dos jovens não se interessa “nada” por
política e está aberta à possibilidade de trabalhar no estrangeiro. São 70% dos
jovens entre os 15 e os 24 anos os que admitem ir para o estrangeiro, já que
têm expectativas baixas em relação ao futuro próximo no país.
São
os filhos de pais mais escolarizados e os que já frequentaram uma universidade
num país da UE os que mais se declaram abertos à hipótese de trabalhar no
estrangeiro. As razões invocadas são sobretudo as melhores oportunidades de
emprego e de condições de trabalho. O estudo refere que os jovens dos 15 anos aos
24, na sua maioria ainda em fase de formação, se distinguem “por serem o grupo
etário que mais aponta motivações relacionadas com o seu desenvolvimento pessoal,
nomeadamente a nível da aquisição de novas competências, na acumulação de novas
experiências e ampliação das suas redes de solidariedade”.
Além
disso, os nossos jovens estão mais insatisfeitos agora com a democracia do que em
2007. Enquanto, em 2007, era de 33,8% a percentagem dos jovens, entre os 15 e
os 24 anos, que entendiam que a democracia funcionava bem, em 2015, a
percentagem reduz-se para 17,3%. E, se em 2007 era de 23,5% a percentagem dos
jovens que não se interessavam “nada” pela política, agora a percentagem subiu
para 57,3%.
Perante
a frase “daqui a dois anos, a crise terá terminado e a situação do emprego em
Portugal será melhor do que hoje”, a maioria discordou: 60,8% entre os 15 e os
24 anos; e 66,5% entre os 25 e os 34. Ressalta, ainda, que boa parte dos jovens
nunca viajou de férias pelo estrangeiro (60,6% entre os 15 e 24
anos; e 53,3% entre 25 e 34).
Por
outro lado, a proporção de jovens sem trabalho há mais de um ano é “muito
significativa”. Entre os inquiridos, dos 15 aos 24 anos, 38,2% estão sem
emprego há mais de um ano; mas, entre os 25 e os 34 anos a percentagem chega
aos 52,8%. No entanto, o desemprego de longa duração tem valores
“inexpressivos” nos jovens com formação superior; e a estabilidade e a segurança
são os fatores mais valorizados no atinente ao trabalho, com percentagens que
ultrapassam os 80% em todas as idades.
Mário
Centeno, economista e coordenador do cenário macroeconómico do PS, considera
que “é a formação que permite aos jovens ultrapassarem os desafios no mercado de
trabalho”; e aponta a necessidade de “valorizar o retorno aos investimentos em
educação no contexto nacional”, de garantir “às famílias as condições de
financiamento do ensino” e de “estimular o emprego, aumentando as contratações”.
Por
sua vez, Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, afirmou que
Portugal tem as condições para ser “um dos mais atrativos” países para os
jovens, mas é preciso saber como os atrair.
***
Citando
Florbela Espanca, o Presidente Cavaco afirmou que “as palavras são
como as cantigas: leva-as o vento”. Isto para defender que os jovens precisam
de “respostas concretas” e não de “meras palavras” para resolver os problemas.
“Portugal não pode desperdiçar o imenso capital humano dos seus jovens” – acentuou
assegurando que é preciso “um esforço acrescido” para que regressem a Portugal
os “que, por diversos motivos, optaram por fixar-se no estrangeiro”.
Segundo Cavaco Silva, é agora, quando “os
laços com o seu país ainda se mantêm vivos, que devemos fazer um esforço
acrescido” para que voltem, até porque, se nada for feito, “o país perderá duplamente:
perde o investimento feito na formação de uma geração de excelência”; e perde o
seu contributo para, “com o seu talento e a sua iniciativa, ajudarem Portugal a
regressar a uma trajetória sustentável de crescimento económico e de criação de
emprego e riqueza”.
O Presidente ainda sublinhou que, sendo a
geração “mais qualificada” de sempre, é a que enfrenta os “grandes desafios”:
“Os jovens do nosso tempo terão de lidar com a incerteza de uma forma que não
conhecemos no passado. À incerteza e à insegurança quanto ao futuro alia-se a
decisão sobre onde trabalhar e fazer frutificar o seu talento, em Portugal ou
no estrangeiro” – afirmou.
Porém,
não sei se o desejo do Presidente terá realização a médio prazo. Costa parece
pouco audaz na inovação em relação ao status
político da EU. E a leitura que se faz do relatório Uma década para Portugal não permite concluir por uma alteração
significativa da política de emprego, rendimento e segurança no futuro dos que “trabalharam”.
E
a coligação pré-eleitoral ontem firmada com as devidas assinaturas e um jantar
entre os dois partidos subscritores do acordo, em Guimarães, prometem dar-nos mais
do mesmo, a coberto de belas palavras.
O presidente do PSD garantiu que a coligação não entra no leilão
das promessas fáceis, ilusões ou facilidades; prometeu responsabilidade,
prudência e exigência; e criticou quem acha que tem “um direito natural a
governar” (o
PS). Chegou mesmo
a declarar que “as pessoas sabem com o que podem contar da nossa parte: com
responsabilidade, com prudência, com exigência. É desta massa que será feita a
recuperação do nosso país”.
Sobre a postura eleitoral do PS, Passos Coelho sublinhou que “muitos
meses depois de ação do Governo e de ação da nova oposição parece que pela oposição
se começa a perguntar se a vitória está assim tão adquirida”.
Por seu turno, o Presidente do CDS-PP afirmou que a coligação de direita para as
eleições legislativas assenta no “interesse nacional”, salientou que a missão
de tirar o país da bancarrota está cumprida e acusou a oposição de prometer
apenas ilusões.
Salientando que cada um dos partidos tem “valores próprios” e “princípios
diferentes”, mas que Portugal e os portugueses são razões acima de “todas as
outras”, Paulo Portas acusou o PS de “falta de humildade” por não ter
reconhecido os “gravíssimos erros” que levaram Portugal à troika e afirmou que “não
há necessidade” de deitar “tudo fora” e “voltar à casa de partida”.
“Agora que a emergência terminou”, o líder centrista questionou “quem
gera mais confiança para investir em Portugal”, “aqueles que tudo confiam ao
mundo de ilusões e promessas que nunca se sabe como se pagam” ou a coligação
que tem um “plano viável”.
***
Finalmente, parece que o Presidente da
República deveria deixar de afirmar e reafirmar a sua independência face aos
partidos, a sua equidistância em relação aos mesmos ou a sua posição
suprapartidária. Em tempo de crise, o Presidente deve, no quadro da
hermenêutica da assunção dos podres presidenciais, assumir-se como o provedor
dos cidadãos e o garante do regular funcionamento das instituições democráticas
(E os partidos também são
instituições democráticas!). Para tanto, o Chefe do Estado tem de ser “ponte”
entre o poder político e as estruturas militares, entre o mundo político e a dita
sociedade civil, e entre os diversos partidos, sobretudo os que têm assento no Parlamento.
Ora, para exercer o serviço de “ponte”, o
Presidente não pode acastelar-se na independência, equidistância e
superioridade – mas arregaçar as mangas e mediar. Tem mesmo de pesar sobre cada
uma das margens para que pretende fazer ponte e, com elas, deixar-se atravessar
pelo incómodo do superior interesse nacional – ou seja, “cheirar” a político, a
partidos, a militares, a cidadãos… a interesse nacional.
Estará o atual presidente e o futuro disponível
para isso? Estarão disponíveis para isso (aceitar a ponte presidencial), os demais convocados a
servir o interesse nacional?
Ora, a principal razão do afastamento da política e do país por parte dos jovens e dos restantes cidadãos está precisamente nos políticos, nos
partidos e nas demais instituições democráticas – ensimesmadas, esclerosadas,
dominadas pelos aparelhos, pelo tachismo e pelo carreirismo.
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