Depois
de Belém ter feito saber que o estudo macroeconómico, gizado por 12 economistas
convidados para o efeito pelo líder do PS e vertido no relatório Uma Década para Portugal, constitui uma base para entendimento político e de
Manuela Ferreira Leite haver manifestado concordância de fundo (por limitar a
apresentação de promessas que se sabe não serem cumpríveis), vêm agora duas figuras insuspeitas da área da atual
maioria governativa pronunciar-se. Refiro-me a Vítor Bento e a Eduardo Catroga.
Vítor Bento, chairman
da SIBS e conselheiro de Estado, em entrevista ao Expresso, de 9 de maio, publicada no caderno de Economia, embora critique algumas das
medidas evidenciadas por Mário Centeno, tece encómios ao relatório apresentado
publicamente por Costa e por ele assumido, se não à letra, ao menos como sólida
base de trabalho para o programa eleitoral.
Como aspeto positivo principal, salienta o facto de o
estudo cumprir um objetivo político ao reposicionar o PS no terreno da
credibilidade que lhe é peculiar, a do centro esquerda – dado que o partido
ficara com um problema de credibilidade em virtude do resgate e da “crise a que
o governo anterior acabou por conduzir o país”. Por outro lado, o facto de ter
havido perguntas do PSD e as subsequentes respostas do PS “introduziu uma
novidade saudável no debate político, o que de alguma forma vai limitar o
espaço para se fazerem promessas vãs. Embora o estudo defina “o quadro das restrições
e das possibilidades”, não obsta a que a discussão seja “sempre política”. E “para
a condução da sociedade é a política que conta”. Ademais, o estudo mostra a possibilidade
da convergência política em áreas consideráveis da governação.
Também, pelos vistos, o PSD está a trabalhar num
programa do género do que o PS elaborou. Assim, “quando chegar a altura do
confronto, haverá propostas dos dois lados.
Quanto às medidas, o economista exprime as suas reservas.
Sabe que o trabalho se baseia no “cenário macroeconómico da Comissão Europeia”
sobre o qual ensaia “algumas medidas”. Porém, os resultados, também em sua
ótica, são discutíveis. E apesar de não dispor de um modelo para fazer a
aferição, parece-lhe haver algum “otimismo nas contas”. Além disso, não se tratando
de um programa político, constitui “um conjunto de ideias que estão a ser
testadas junto da opinião pública, dos militantes e dos próprios dirigentes do
partido”, de que sairá “um programa político” que acolherá algumas daquelas
ideias e rejeitará outras.
Sublinhando que, por um lado, o estudo reconhece muito
do que foi feito, e, por outro, que é preciso restituir dinheiro aos
portugueses, declara não perceber a vantagem da redução da TSU, defendendo que
esse objetivo seria conseguido pelo lado da redução do IRS, que é a principal sede
de tributação do rendimento, e não se poria em causa a receita da segurança
social.
***
Por seu
turno, Eduardo Catroga, ex-ministro das Finanças de Cavaco e atual chairman da
EDP, em entrevista ao Público, de
11 de maio, elogia o documento Uma Década para Portugal, dizendo
que a proposta de Costa é “uma viragem do
PS a caminho do centrão político” – mas deixa alguns reparos.
Catroga recebeu os jornalistas do referido periódico “com uma resma de
documentos, todos eles anotados”: o Programa
de Estabilidade, enviado pelo Governo para Bruxelas; o relatório Uma Década para Portugal, do PS; e as 8 Lições de
História Económica, de Jean-Marc Daniel.
Crítico em relação ao documento socialista, o
ex-ministro também não poupa o PSD, que, no seu entender, “devia pedir desculpa
aos portugueses” por se ter atrasado no processo de redução da despesa pública.
Estabelece a grande diferença entre o país de 2015 e o
de 2011. Se há quatro anos, o país coroava uma década de estagnação económica com
uma situação de pré-bancarrota – “sem credibilidade externa”, com “taxas de
juro astronómicas”, sem financiamento “do lado dos mercados”, com “desequilíbrios
excessivos no défice público (nas contas externas, no stock da
dívida pública, no endividamento público e privado) ao ponto de “ter de recorrer a um programa de assistência
financeira” – agora, “recuperou a credibilidade externa”, condição necessária à
retoma das “condições de financiamento normal”.
Quanto aos anos da troika,
reconhece a dureza do ajustamento, “com uma grande taxa de sacrifício para as famílias e para as empresas”,
repercutido “no corte dos salários, pensões e no aumento da taxa de desemprego”.
No entanto, não estranha a dureza do período de ajustamento já que também
alguns países “que não tiveram programas formais da troika, como a
Itália, a França ou até como a Espanha, também tiveram que fazer programas
fortes de ajustamento macroeconómico”. No caso de Portugal, o país, quatro anos
depois, equilibrou “as contas externas”, estabilizou “o crescimento da dívida
pública” e “da dívida externa líquida”. E encetou “uma recuperação económica
ainda frágil”.
Assegura que, “com ou sem programa da troika”,
os excessos que políticas erradas de 15 anos deixaram criar teriam sempre os
seus custos.
No atinente ao aumento do desemprego
e da pobreza, constata que esta experiência, aliás como as de 1977 e de 1983, e
“todos os programas de ajustamento a
nível internacional” evidenciam sempre a “contração da atividade económica”, a “quebra
de poder de compra dos salários” e “das pensões”, bem como o “aumento das
desigualdades sociais”. Estes efeitos ficam minorados, que não evitados, com o
financiamento externo.
No concernente a consensos e com referência ao discurso
presidencial abrilino sobre o necessário entendimento entre os partidos, Catroga
responde afirmativamente a uma pergunta provocatória, se ainda guarda a fotografia que
tirou com Teixeira dos Santos no seu Blackberry. E explicita:
“Claro que guardo, e fará sempre parte do meu álbum das recordações. Isso,
os consensos, é fundamental. O ponto fraco da nossa história democrática destes
quarenta anos é ainda não termos atingido o grau de maturidade que outras
democracias já mais velhas atingiram, de haver entendimentos interpartidários
mais frequentes.”.
Acusa os partidos políticos de ainda estarem “muito marcados
ideologicamente”, ao invés do que sucede em democracias mais desenvolvidas, em
que existem apenas, embora bastantes, “nuances
diferenciadoras. E anota a existência de uma esquerda “que não quer ser poder”
e que “representa cerca de 20% do eleitorado”. Entende que estes são fatores condicionam
o PS, que ainda tem uma ala mais à esquerda, a qual, por exemplo, terá impedido
o chefe da altura de subscrever o acordo de consenso que o Presidente da República
solicitou em 2013.
Se entendeu que, em 2011, o PS deveria pedir desculpa aos portugueses por terem de abdicar de parte dos
seus rendimentos, hoje acha que o PSD também o deveria fazer por ter insistido
em cortes de salários e subsídios aumento de impostos em vez de reduzir
drasticamente a despesa do Estado. O partido e o Governo deveriam fazer um
exercício sério de autocrítica para verificarem o que falhou e para reperspetivarem
o futuro.
Não podemos esquecer que Eduardo
Catroga aparece no lugar de destaque das negociações do memorando de entendimento
em 2011, a dar a cara pela bondade do documento e a reivindicar para si grande
fatia do mérito do programa de ajustamento.
Bastará pedir desculpa?
Recordo que Passos Coelho,
em maio de 2010, pediu desculpa aos portugueses por, ao contrário do que tinha
garantido, ter colaborado num programa de estabilidade e crescimento (PEC) elaborado
pelo Governo de Sócrates. Porém, Passos era na ocasião o líder do maior partido
da oposição e não o líder do Governo. De resto, o pedido de desculpa não induziu
nele uma postura coerente, o propósito firme de emenda. Vamos ver se, mesmo
assim, o povo o vai absolver no próximo mês de outubro.
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