sexta-feira, 1 de maio de 2015

O Dia do Trabalhador em 2015

O dia primeiro de maio como dia do trabalhador remonta à primeira manifestação de 500 mil trabalhadores em Chicago e na greve geral em todo o território dos Estados Unidos em 1886.
Até àquele ano, os trabalhadores jamais pensaram exigir o respeito pelos seus direitos; limitavam-se a trabalhar. Agora, o grande objetivo da luta dos trabalhadores era a redução do tempo diário de trabalho das 10 para as 8 horas.
Durante os episódios manifestatários, ocorreram escaramuças de que resultaram mortes de trabalhadores, na rua, pela polícia, e condenação à morte de cinco manifestantes e à prisão perpétua de dois. Foi a Revolução de Haimarcet ou a Revolta de Haimarcet.  
Três anos depois, em 20 de junho de 1889, a 2.ª Internacional Socialista, reunida em Paris, decidiu convocar anualmente uma manifestação com o escopo de lutar pelas 8 horas de trabalho diário, sendo escolhida a data de 1 de maio em homenagem às lutas sindicais de Chicago.
E a manifestação de 1 de maio de 1891 terminou com a morte de dez manifestantes em consequência da intervenção da polícia.
Este novo episódio dramático acabou por reforçar a índole do dia como o momento da jornada de luta dos trabalhadores e, meses depois, a Internacional Socialista, em Bruxelas, proclamou este dia como dia internacional de reivindicação de melhores condições laborais.
No dia 23 de abril de 1919, o Senado francês ratificou as 8 horas de trabalho e proclamou o dia 1 de maio como feriado e, um ano depois, a Rússia fez o mesmo. No Brasil, dizem alguns que é usual os Governos anunciarem neste dia o aumento do salário mínimo.
Em Portugal, os trabalhadores assinalaram o dia 1 de maio logo em 1890, o primeiro ano da sua realização internacional. Porém, as ações do Dia do Trabalhador limitavam-se inicialmente a alguns piqueniques de confraternização, com discursos pelo meio, e a algumas romagens aos cemitérios em homenagem aos operários e ativistas caídos na luta pelos direitos laborais.
Com as alterações qualitativas assumidas pelo sindicalismo português no fim da Monarquia, o movimento sindical ganhou, ao longo da I República, uma índole fortemente reivindicativa, consolidada e ampliada; e o 1.º de maio adquiriu também caraterísticas de ação de massas, até que, em 1919, após algumas das mais gloriosas lutas do sindicalismo e dos trabalhadores portugueses, foi conquistada e consagrada na lei a jornada de oito horas para os trabalhadores do comércio e da indústria.
Até no Estado Novo, os portugueses tornearam, em parte, os obstáculos do regime à expressão das liberdades. As greves e as manifestações realizadas em 1962, um ano após o início da guerra colonial em Angola, ganharam relevo e simbolismo. Nesse período, apesar das proibições e da repressão, houve manifestações dos pescadores, dos corticeiros, dos telefonistas, dos bancários, dos trabalhadores da Carris e trabalhadores da CUF. No dia 1 de maio, manifestaram-se 100 mil pessoas em Lisboa, 20 mil no Porto e 5 mil em Setúbal.
Ecoam como marco indelével na história do operariado português as revoltas dos assalariados agrícolas do Alentejo, que tiveram o seu grande impulso a 1 de maio de 1962. Mais de 200 mil operários agrícolas, que até ali trabalhavam de sol a sol, participaram nas greves realizadas e impuseram ao patronato agrário e ao Governo a jornada de oito horas de trabalho diário.
No entanto, o 1.º de maio mais extraordinário realizado até hoje, em Portugal, com direito a singular destaque na História, foi o que se realizou no rescaldo da revolução abrilina de 1974.
Foi um dia de genuína unidade dos trabalhadores portugueses, constituindo-se em feriado nacional. A partir do ano seguinte, o feriado mantém-se e a festa continua a realizar-se, mas com grupos diferentes sob lideranças diferentes, em que sobressaem a CGTP/Intersindical, de um lado, e a UGT, do outro.
O Dia do Trabalhador também tem sido turbulento na Turquia, muitas vezes violento e mortal. Este ano fica assinalado por uma originalidade: o regime não quis proibir diretamente a manifestação tradicional na Praça Taksim. Mas o dia começou uma formação policial com ação completamente desproporcionada para impedir o desfile e a concentração de trabalhadores e intelectuais no local histórico.
À medida que os trabalhadores iam conseguindo algumas conquistas laborais, o Dia do Trabalhador agregava a si a dimensão de “Festa do Trabalho”.
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Em Portugal, o 1.º de maio de 2015 fica marcado pela greve dos pilotos da TAP, com a postura crítica de largos setores de opinião, inclusive dentro do próprio grupo de que surgiu a declaração da greve e com o lamentável espetáculo dos governantes a pedir por misericórdia aos pilotos que parem com a greve, a incitar os pilotos a não acatarem as decisões do seu sindicato e a apontar-lhes o dedo da responsabilidade pelo alegado descalabro da empresa. A este espetáculo assiste o Presidente da República a olhar para o episódio, dizendo que já tudo foi dito aos pilotos, não havendo mais nada a acrescentar e pedindo a Deus que não a aconteça à TAP o que aconteceu a algumas das suas congéneres europeias.
Já sabíamos que o Presidente e o seu Governo, bem como a Administração da empresa já tinham dito tudo o que tinham a dizer. É espantosa esta incapacidade de incitar à negociação, de persuadir, de servir como instância de recurso em momento de crise aguda! Por onde andam a magistratura de influência presidencial, a capacidade do Governo em definir políticas públicas e a mítica genialidade de Fernando Pinto? Já sabíamos que quem deita a TAP no abismo são os trabalhadores, nunca as administrações nem os governos! Que hipocrisia…
Também este 1.º de maio fica envolvido num episódio ambivalente: a greve dos trabalhadores dos supermercados e a promoção em 50% da generalidade dos produtos em duas das grandes cadeias de supermercados. Incrível: 50% para o trabalho; e 50% para estas empresas! E os trabalhadores da GALP anunciam uma greve para 21 e 22 de maio contra o congelamento de salários, já há quatro anos, em contraste com os alegados lucros de um bilião e 300 mil milhões de euros no ano transato.
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 Em 1955, o Papa Pio XII, assumindo que a Igreja Católica se mostrou sensível aos problemas do mundo do trabalho, desde sempre, mas especialmente desde Leão XIII – tempo em que surgiu na sua real magnitude a chamada “questão social” – quis dar uma dimensão cristã à “Festa do Trabalho”. Em conformidade com esta sua vontade, colocou esta festa sob a égide e proteção de São José. É então instituída a festa de São José Operário na convicção de que ninguém como este homem justo, eficaz e discreto – carpinteiro de profissão – poderia ensinar melhor aos outros trabalhadores a sublime dignidade do trabalho, o qual não constitui apenas uma necessidade para o homem, mas também a participação na ação criadora e próvida de Deus, a cuja imagem e semelhança foi criado o homem (cf Gn 1,26.27).
Operário durante a sua vida inteira, José teve o próprio Filho de Deus, Jesus Cristo, como companheiro de trabalho na oficina de Nazaré, com o qual aprendeu – pelas perguntas e respostas, colaboração e obediência – o valor, a dignidade e o impacto do trabalho, bem como a sua vertente pedagógica. Foi efetivamente Jesus, segundo a Constituição Pastoral da Igreja (GS,67), quem ensinou que o trabalho nos associa ao Criador, dando-nos a possibilidade de desenvolver, aperfeiçoar, acabar e coroar a obra da criação divina. O trabalho constitui, por outro lado, uma via de serviço à comunidade dos irmãos universais e, dada a sua vertente penosa, associa-mos à obra redentora de Cristo.
Porém, para que o trabalho manifeste as dimensões acima enunciadas, importa que não se transforme em instrumento de escravização, espezinhamento, exploração, degradação do homem, meio de despersonalização e mercantilização do ser humano.
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Segundo a Bíblia e a Doutrina Social da Igreja, negar o salário a quem trabalha é um dos quatro pecados que bradam ao céu: Olhai que o salário que não pagastes aos trabalhadores que ceifaram os vossos campos está a clamar: e os clamores dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do universo! (cf Dt, 24,14-15; Tg 5,4; CIC – Catecismo da Igreja Católica, 2445).
Quando se fala de salário, deve ter-se em conta o salário justo (Vd CIC, 2434), que “é o fruto legítimo do trabalho”, de modo que “recusá-lo ou retê-lo, pode constituir grave injustiça”. Para calcular a remuneração equitativa, há que ter em conta as necessidades de cada um e o contributo que presta. “Tendo em conta as funções e a produtividade de cada um, bem como a situação da empresa e o bem comum, o trabalho deve ser remunerado de maneira a assegurar ao homem e aos seus os recursos necessários a uma vida digna no plano material, social, cultural e espiritual” (GS 67, §2).
Pelas constrições ou pressões a que a ele pode ficar associado, “o acordo das partes não basta para justificar moralmente o montante do salário”.
Equivale a negar o salário: não pagar o salário justo; atrasar injustificadamente o seu pagamento; inventar pretextos para não efetuar o pagamento honesto pelo serviço prestado; não ter em conta a família do trabalhador e o seu futuro; e, sobretudo, humilhar o trabalhador.
A quem é servido cabe, única e simplesmente, o dever de estimular o servidor com salário digno, com respeito à sua pessoa, ao seu trabalho e à sua família, promovendo-lhe a vida, a dignidade e a alegria. É conveniente recordar o que garante Cristo: “Todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos a Mim o fizestes” (Mt 25,40).
Lutar por decentes condições de trabalho é legítimo, mesmo com recurso à greve:
“A greve é moralmente legítima, quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado. Mas torna-se moralmente inaceitável quando acompanhada de violências, ou ainda quando por feita com objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum.” (CIC, 2435).

Sobre a responsabilidade dos empresários, a doutrina é clara:
“Têm, perante a sociedade, a responsabilidade económica e ecológica das suas operações. Estão obrigados a ter em consideração o bem das pessoas, e não somente o aumento dos lucros. Estes são necessários, pois permitem realizar investimentos que assegurem o futuro das empresas e garantam o emprego.” (CIC, 2432).

Também sobre o acesso ao trabalho e ao exercício da profissão, o CIC (2433) estabelece:
“Deve ser aberto a todos sem descriminação injusta: homens e mulheres, sãos e deficientes, naturais e imigrados. Por sua vez, a sociedade deve, nas diversas circunstâncias, ajudar os cidadãos a conseguir um trabalho e um emprego.”.

Quanto às obrigações para com a Segurança Social e sobre o desemprego, o CIC (2436) dispõe:
“É injusto não pagar aos organismos de segurança social as quotas estabelecidas pelas autoridades legítimas”.
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O desemprego devido à falta de trabalho é, quase sempre, para quem dele é vítima, um atentado à sua dignidade e uma ameaça ao equilíbrio da vida. Para além do prejuízo pessoalmente sofrido, derivam dele numerosos riscos para a respetiva família.”.
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Não se pense, porém, que esta doutrina é uma questão de Igreja e Religião. A nossa CRP inscreve o direito ao trabalho e os direitos dos trabalhadores no capítulo I dos direitos e deveres económicos.
Assim, o art.º 58.º, consagrando o direito ao trabalho estabelece:
1. Todos têm direito ao trabalho.
2. Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover: a) a execução de políticas de pleno emprego; b) a igualdade de oportunidades na escolha da profissão ou género de trabalho e condições para que não seja vedado ou limitado, em função do sexo, o acesso a quaisquer cargos, trabalho ou categorias profissionais; c) a formação cultural e técnica e a valorização profissional dos trabalhadores.

E sobre os direitos dos trabalhadores, salário, repouso e obrigações do Estado, o art.º 59.º dispõe:

1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de a “trabalho igual salário igual”, de forma a garantir uma existência condigna;
b) A organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal e a permitir a conciliação da atividade profissional com a vida familiar;
c) A prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde;
d) Ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas;
e) À assistência material, quando involuntariamente se encontrem em situação de desemprego;
f) A assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional.
2. Incumbe ao Estado assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito, nomeadamente:
a) O estabelecimento e a atualização do salário mínimo nacional, tendo em conta, entre outros fatores, as necessidades dos trabalhadores, o aumento do custo de vida, o nível de desenvolvimento das forças produtivas, as exigências da estabilidade económica e financeira e a acumulação para o desenvolvimento;
b) A fixação, a nível nacional, dos limites da duração do trabalho;
c) A especial proteção do trabalho das mulheres durante a gravidez e após o parto, bem como do trabalho dos menores, dos diminuídos e dos que desempenhem atividades particularmente violentas ou em condições insalubres, tóxicas ou perigosas;
d) O desenvolvimento sistemático de uma rede de centros de repouso e de férias, em cooperação com organizações sociais;
e) A proteção das condições de trabalho e a garantia dos benefícios sociais dos trabalhadores emigrantes;
f) A proteção das condições de trabalho dos trabalhadores estudantes.
3. Os salários gozam de garantias especiais, nos termos da lei.

Por outro lado, no âmbito dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores (no quadro mais geral dos direitos liberdades e garantias pessoais), a CRP garante: a segurança no emprego (art.º 53.º); o direito dos trabalhadores criarem comissões de trabalhadores para defesa dos seus interesses e os direitos das mesmas (art.º 54.º); a liberdade sindical, direitos e deveres com ela conexos (art.º 55.º); os direitos das associações sindicais e contratação coletiva (art.º 56.º); e o direito à greve e a proibição do lock-out (art.º 57.º).

Julgo, pois, oportuno e talvez necessário que os empresários, os trabalhadores e o Governo agreguem à “Festa do Trabalho” uma reflexão profunda sobre os direitos e deveres consagrados pela História, garantidos pela Constituição e, para os crentes, bem presentes no seu catecismo a partir da sua Bíblia. Também os códigos do trabalho deveriam ser refletidos à luz da CRP, mais que à luz das diretivas da Comissão Europeia.

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