segunda-feira, 25 de maio de 2015

Excentricidades do PRD – Partido Democrático Renovador

Não pretendo expor qualquer lição, não sou militante de qualquer partido político (embora tenha já desempenhado funções de representação partidária numa autarquia), muito menos do novo PDR. Em todo o caso, a cidadania impõe-me a capacidade política e o direito à política.
Como muitos outros cidadãos, esperava que a aparição de novas agremiações políticas trouxesse à ribalta partidária uma lufada de ar fresco e insuflasse um pouco de sangue novo no espectro político totalmente autista e esclerosado.
Marinho e Pinto, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados que não tem tido papas na língua, prometia essa nova postura quando se fez eleger eurodeputado com outro dos dirigentes do Movimento Partido da Terra (MPT) nas últimas eleições para o Parlamento Europeu. Das muitas vezes que o ouvi, sobretudo no programa televisivo “Justiça Cega”, quase sempre reconheci a sua razão e, quando não a tinha, as alternativas de outrem não pareciam melhores.
Todavia, o seu estágio meteórico no MPT e algumas das contradições entre o que disse sobre os eurodeputados e a prática nem sempre consequente com a denúncia fragilizaram a sua credibilidade política.
Apesar de tudo, deu a cara pela criação de um novo partido – o PDR – que, ao nível da designação (não sei se o consegue a nível programático), pretende ser a síntese dos dois grandes partidos da I República de Portugal e a simbiose da política partidária norte-americana.
A 24 de maio, a Assembleia Nacional de Filiados elegeu-o formalmente como Presidente do Partido Democrático Renovador. A mesma reunião magna aprovou a declaração de princípios e os estatutos. Todavia, a eleição do Conselho Nacional, que também estava prevista na sessão, por não ter sido ultrapassada a polémica em torno desta matéria, ficou adiada para o próximo dia 6 de junho – curiosamente o dia previsto para a apresentação pública do programa eleitoral do PS.
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Não fiquei a conhecer os princípios que enformam o partido nem os seus estatutos. No entanto, a sua organização e as primeiras declarações do líder merecem alguns reparos.
É fácil um novo partido pretender assumir-se como diferente dos outros, mas é difícil ser consequente com essa propalada diferença e aguentá-la por muito tempo. Recorde-se o que se passou como o defunto PRD, criado sob a égide de Ramalho Eanes, ao tempo o ainda inquilino do palácio de Belém. Dizia-se emergente das bases, mas partiu da Presidência da República ou com o seu patrocínio. Fez um grupo parlamentar com base nos 18% dos votos nas eleições legislativas de 1985 e foi-se eclipsando até desaparecer, não sem antes ter dado lugar a um partido de pendor nacionalista, embora sob a mesma sigla.
Marinho e Pinto, o recém-eleito presidente do PDR, declarou defender os 40 anos como idade mínima para os juízes, como uma das medidas do pacote da Justiça que a nova formação partidária leva às urnas em outubro.
E ainda, no âmbito das demais medidas urgentes para a reforma da Justiça, o líder do novo partido quer também ver os juízes a declararem o seu património. A esse respeito, assegurou que “a esmagadora maioria dos juízes tem as mãos limpas” (e quem não deve não teme), mas entende que o facto de serem titulares de órgãos de soberania aconselha este escrutínio. Assim, defende que, tal “como o Presidente da República, os deputados, os ministros e os presidentes das câmaras municipais, também os juízes devem declarar o seu património”.
Fez também saber que, se, após as legislativas de outubro, o PDR estiver em condições de condicionar a formação de uma maioria e de participar no Governo, haverá outra alteração na vida dos juízes: “só poderão ficar um máximo de seis anos na mesma terra”. Das duas, uma: “ou o sexénio [a norma de um máximo de seis anos], ou perdem o subsídio associado” – sentenciou.
Não será também permitida a atividade sindical nas magistraturas. Neste quadro discursivo, recebeu sob a forma de forte aplauso a resposta à inflamada pergunta: “Titulares de órgãos de soberania organizados em sindicatos como proletários?” (vd Público, de 25 de maio).
Ora, eu concordo em absoluto com estas medidas enunciadas por Marinho e Pinto. Não sei é se, em vez de estar a preparar uma vitória eleitoral em outubro ou uma votação que lhe permita condicionar a governança nesse sentido, não estará antes a criar um anticorpo programático engrossando o lóbi corporativo das magistraturas.
Com efeito, os magistrados, nomeadamente os judiciais, enquanto titulares de órgãos de soberania, devem ter como condições de exercício: uma idade madura, que garanta, para lá da ciência e da tecnicidade, uma sólida experiência de vida e uma inquestionável dose de bom senso (ao Presidente da República exige-se a idade de 35 anos. Os juízes, tal como o PR, tomam decisões importantes a solo); a declaração de rendimentos junto do TC, à semelhança dos demais titulares de cargos públicos em regime de permanência; a limitação de exercício no mesmo lugar (talvez o período de 6 anos seja exíguo, mas poderia pensar-se nos 9 anos como para os juízes do TC); e a abstenção da criação ou manutenção das associações sindicais, já que os órgãos de soberania não podem dialogar entre si ao nível do proletariado nem como trabalhadores por conta de outrem (Ninguém admitiria a existência de um sindicato de deputados, de ministros ou de secretários de Estado). Marinho e Pinto tem razão, mas duvido que tenha êxito nesta cruzada pré-anunciada!
Quanto à organização do partido, o líder explicou que o PDR não vai ter uma direção com hierarquia em pirâmide tradicional dos partidos portugueses: “Teremos a direção nacional que é a Comissão Política de 9 a 13 membros. Teremos um Conselho Nacional que é a Assembleia representativa do partido. E teremos estruturas concelhias.”
Ficam de fora quaisquer estruturas intermédias que funcionam normalmente ao nível distrital, que agrupam as concelhias e servem de ligação à direção. Para isto Marinho e Pinto apoia-se na tradição municipal – “Queremos recuperar a velha tradição municipalista portuguesa”. E acrescentou: “Queremos dignificar uma das grandes conquistas, talvez a maior a seguir à liberdade, que o 25 de Abril nos trouxe, o poder autárquico democrático”.
À partida, nada teria contra esta opção organizativa. Porém, a não existência de uma estrutura distrital não condiz com a atual definição dos círculos eleitorais, que tem base distrital. Irá o partido fazer comícios em todos os concelhos? Vai pedir ao Governo ou a uma empresa que lhe faça as contas do apuramento de votos em cada círculo eleitoral?
Depois, é inócua a promessa seguinte: “Avançarmos daqui para um futuro projeto de regionalização do país, através das assembleias municipais”. Mas isto é o que existe de momento com as comunidades intermunicipais. A regionalização estribada na lúcida e espontânea vontade das assembleias municipais está condenada ao fracasso. Veja-se o que se passou com a “cerimónia” da agregação de freguesias. Se não fosse a pressão quase diária do Governo e o trabalho da UTRAT (Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território), criada junto da Assembleia da República, ainda a intempestiva procissão da reforma administrativa territorial estaria no adro!
Depois, criação de regiões de cujos titulares dos respetivos órgãos sejam escolhidos por inerência de outros cargos e/ou por eleição indireta nas assembleias municipais, obrigado! Dispenso. Se houvesse vontade política, a regionalização já estaria feita. Bastava ter começado por legitimar as atuais equipas das comissões de coordenação e desenvolvimento regional (CCDR) através de eleição de âmbito regional, dotá-las de atribuições nas áreas que ainda se encontram dispersas, constitui-las em governo provisório regional e mandatá-las para preparar eleições para as respetivas assembleias regionais em datas e com regulamento eleitoral a acordar entre os presidentes desses governos provisórios regionais, bem como preparar a forma de constituir os governos regionais regulares.
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Ademais, não parece sustentável a opção futura de que a bancada que o partido venha a ocupar no hemiciclo de São Bento viverá em regime de liberdade de voto. Não que o princípio não corresponda à lógica da genuína democraticidade, que faz corresponder um voto a cada pessoa. Todavia, a renúncia absoluta à disciplina de voto torna inviável uma posição sólida sobre questões estruturantes como as Opções do Plano e as matérias orçamentais.   
No entanto, a opção constitui um pertinente clamor contra a dependência umbilical dos grupos parlamentares em relação às respetivas direções partidárias e a irracional sujeição de cada deputado ao coletivo, ditada pelo crónico aparelhismo de partido.
O líder do PDR falou bem sobre os pobres e a pobreza: “Pode-se ser pobre e ter dignidade”, mas “a pobreza é uma mancha enorme sobre este país, é imperativo de um Estado moderno, democrático e social combatê-la, pois os direitos sociais são verdadeiros direitos humanos”.
Porém, ter proposto, no âmbito social, “o fim das taxas moderadoras na saúde para idosos com menos rendimentos, crianças e jovens que não trabalham” parece prometer o que já existe.
À semelhança do PS, também o PDR de Marinho e Pinto navegou a partir dos contributos externos pedidos a especialistas, que somam 150 páginas e constituem o núcleo sobre o qual será construído o programa do partido para as eleições legislativas. Entre esses contributos, destaca-se o objetivo de promover a igualdade do litoral com o interior. Resta saber como se consegue tal objetivo ou se apenas ele fica emoldurado no papel. Tudo dependerá da aprovação em Conselho Nacional, cuja eleição, prevista para o dia 24 de maio, ficou adiada para o dia 6 de junho, como já foi referido.
A eleição para este órgão foi o momento mais polémico da Assembleia Nacional de Filiados. Concorriam àquele órgão duas listas, sendo uma apoiada pela direção. Todavia, uma inusitada assistência às urnas levantou suspeitas. Cidadãos que se inscreveram, na véspera, para a Assembleia Nacional de Filiados votavam sem os seus nomes constarem dos cadernos eleitorais – o que, dado o seu número, teria influência num corpo de 650 eleitores. Muitos dos que pretendiam votar eram de nacionalidade brasileira e apontados como membros da Igreja Maná.
Foi garantido que incidentes como este não se repetirão.

Veremos qual e como será o efeito Marinho em outubro.

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