Já de há uns anos a esta
parte a Comunicação Social tem feito eco de factos de violência juvenil, muitas
vezes conexos com a atividade escolar ou com situações formalmente à margem da
escola. O próprio Dr. Pinto Monteiro, quando era Procurador-Geral da República,
denunciou várias situações, inclusive a de alunos que entravam na escola com
armas dos pais.
Ao Dr. Pinto Monteiro passou
a ser dado pouco crédito por motivos de ordem diversa da concernente à escola
ou aos jovens e adolescentes. Por seu turno, as entidades ligadas à
problemática escolar aduziam a índole isolada dos casos apontados. Porém, um
considerável número de professores, pessoal não docente e mesmo alunos foram
vítimas de agressões em ambiente escolar ou por via da escola – a que os responsáveis
deram muito pouca atenção. Por outro lado, eram severamente causticados pela
opinião pública os casos de maior dureza da parte de professores para com
alunos, tendo alguns chegado à barra dos tribunais e terminando em condenação
ou em solução indemnizatória resultante de acordo entre as partes, não raro sub iudice.
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Recentemente, a opinião
pública foi sacudida como os casos da Figueira da Foz e de Leiria, de dois
rapazes de 17 e 12 anos agredidos por colegas da escola, que são exemplos de
violência e bullying conhecidos porque foram divulgados através das
redes sociais e da comunicação social.
Também se soube que um jovem
de 17 anos eliminou, em termos ainda mal esclarecidos, um adolescente de 14
anos em Salvaterra de Magos – caso que suscitou uma onda de indignação geral. Pergunta-se
o que é feito do programa “escola segura” criado por Guterres.
“Estes são os que conhecemos graças à
democratização das tecnologias da informação. E os outros?”, interroga- se Rui
Pedro Duarte, deputado do PS e coordenador do grupo de trabalho sobre
indisciplina escolar, criado pela Comissão Parlamentar de Educação, Ciência e
Cultura, criado no ano transato para responder a um fenómeno presente, e que
estará a aumentar.
O grupo de deputados já terminou os seus
trabalhos e apresentou hoje, dia 20 de maio, as suas conclusões em conferência
realizada no auditório do edifício novo da Assembleia da República.
Nesta conferência, foram oradores, além dos
representantes dos grupos parlamentares, o presidente do Conselho Nacional de Educação,
David Justino, o diretor de um agrupamento escolar de Vila Nova de Gaia,
Filinto Lima, e o professor da Universidade do Minho João Lopes. E uma das suas
conclusões é que os casos mediáticos de violência juvenil são apenas a parte
visível da realidade.
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Já na sua audição parlamentar em outubro
passado, João Lopes revelou dados dos estudos que coordenou sobre o tema numa
altura em que, segundo o que referiu, a indisciplina está a aumentar na sala de
aula: cerca de 15% dos professores
perdem mais de 40% do seu tempo a tentar disciplinar os alunos; e 60% não
tiveram até hoje qualquer formação específica para lidar com o problema.
Agora, Pedro Duarte faz uma hipotética crítica
de oportunidade à criação do grupo de trabalho, no caso de este ter sido
pensado como ponto de partida para possíveis alterações legislativas, uma vez
que “este timing pode não ser o melhor”, segundo ele, uma vez que a
publicação do relatório final será já perto do fim da legislatura. Todavia, faz
ressaltar o aspeto positivo: “o trabalho feito dá uma base de maior
consistência para que, no futuro, grupos parlamentares ou governos possam
legislar sobre isso e criar novos instrumentos.”
O importante – sustenta o deputado coordenador
do grupo de trabalho sobre indisciplina escolar – é que o interesse não saia da
esfera política, agora que dois episódios mediáticos colocaram este assunto na
agenda.
Quero anotar que é de entender no seu justo
sentido a expressão “que o interesse não saia da esfera política”, ou seja, que
o legislador e o gestor da coisa pública assumam deveras a importância desta
matéria. Porém, o seu interesse não pode ficar circunscrito à política, mas
abranger todos os agentes educativos e sociais. Nem pais, em nome do prestígio
familiar, nem escola, em nome da imagem da instituição, podem deixar de
reconhecer os factos e, quando necessário, sinalizá-los a quem de direito. Não
será mais lícito a ninguém branquear situações para não ter o incómodo de as
enfrentar.
Que importa pregar bom comportamento aos
filhos, se o pai insulta na frente deles o agente policial ou se a mãe discute
azedamente a desculpar as atitudes desviantes e perturbadoras do filho? Ou que
importa lamentar a falta de autoridade do Estado ou dos pais se o agente da
autoridade dá lições de moral aos pais diante dos filhos ou se o professor
diante dos alunos se dirige em termos incorretos ao encarregado de educação ou
se este ameaça o professor? Situações destas acrescentam uma valia
indisciplinar à tendência natural das crianças, adolescentes e jovens às
atitudes e comportamentos que dão nas vistas.
Por outro lado, os agentes educativos e
sociais esquecem-se frequentemente de que as cenas de violência que enxameiam
os filmes e as produções televisivas são altamente replicáveis.
Depois, os comportamentos “autoafirmativos” e
“de dar nas vistas” levam à indisciplina (desrespeito das regras, comportamento perturbador e desviante);
e esta pode descambar em violência já na própria aula e na escola, mas
sobretudo fora da escola – na rua ou em lugares mais propícios. Por sua vez, a
violência adolescente e juvenil reforça a indisciplina na sociedade (clubes, espetáculos, sítios de reunião…)
e na rua.
***
O jovem referenciado na Figueira da Foz, que, à
altura dos factos, tinha 16 anos, foi alvo de socos e estaladas, durante pelo
menos dez minutos. É certo que o episódio ocorreu fora da escola, mas foi
filmado e alguém o divulgou nas redes sociais um ano depois de acontecer.
O deputado acima referido interroga-se sobre
“quantos mais casos destes aconteceram, depois deste, sem nós sabermos”.
Depois, assegura que o que agora é conhecido e discutido é apenas uma parte da
realidade, uma espécie de ponta do icebergue.
Em Leiria, um miúdo de 12 anos foi
violentamente agredido por colegas, mas nenhum vídeo foi colocado na Internet.
A violência correspondia a um padrão. A agressão dos últimos dias foi a mais
violenta, pelo que o jovem teve de ser levado para o hospital. A situação
durava há vários meses, mas só agora se tornou pública. O colégio terá agido há
algum tempo, mas as agressões continuaram e agravaram-se, passando a ocorrer não
no colégio, mas no interior do autocarro escolar. Não obstante, a situação
foi-se arrastando até se tornar insustentável.
Para a deputada do PSD, Maria da Conceição Caldeira,
a visibilidade dada pela comunicação social e pelas redes sociais a casos como estes
é aquilo que explica a perceção de que a violência na escola aumentou muito. Porém,
a deputada diz que “aumentou, mas não na proporção daquilo que nos é mostrado”.
Para esta parlamentar é preciso distinguir “a indisciplina que acontece com
naturalidade em espaços com centenas de alunos” da violência e da indisciplina e
violência que se transformam em bullying (mais adiante virá uma referência ao conceito de
bullying).
Por consequência, “a atuação tem de ser diferente” consoante a situação.
A referida deputada reconhece que a solução
passa, entre outras coisas, por formar professores e pessoal não docente, para
melhor prevenirem e lidarem com situações de conflito, mas também por “dotar as
escolas com os meios necessários para fazerem face a este problema”. Ora isso
não tem acontecido, como verifica Rui Pedro Duarte, que lembra os cortes de 700
milhões de euros, impostos no Orçamento do Estado para este ano, ao ensino básico
e ao secundário. E este deputado socialista questiona-se se “são estes cortes compatíveis
com o combate à indisciplina e violência em meio escolar”. E a formação para
fazer face ao conflito tem de ser uma prioridade.
Do seu lado, a deputada Diana Ferreira, do PCP,
aduz como “fator incontornável” desta presença da indisciplina “a situação
económica e social das famílias portuguesas” – não propriamente ao nível das
causas, mas como fator de explicação da indisciplina e violência. E
exemplifica: “Uma criança que não tem luz em casa ou um sítio para estudar, ou está
sem acompanhamento familiar, porque os pais trabalham por turnos, terá mais
tendência a ter comportamentos de indisciplina e a ter insucesso e abandono
escolar”. Por fim, conclui: “Indisciplina, insucesso e violência encontram-se muitas
vezes associados e não podem ser dissociados daquela que é a realidade social e
económica do país.”
Rui Pedro Duarte, que se apoia no aumento das
ocorrências de natureza criminal em meio escolar expresso no Relatório Anual
de Segurança Interna (RASI),
relativo a 2014, considera que este é um problema de que a tutela não pode
lavar as mãos: “O ministro podia começar por ouvir as escolas, comentar este
aumento da violência e dialogar com as forças de segurança”.
Entre as “dimensões para uma solução” que Rui
Pedro Duarte apresentou na conferência estão: o compromisso dos pais com a
escola; a formação dos docentes e do pessoal não docente para a gestão de
conflitos; e uma autonomia escolar que permita estabilizar professores e
funcionários; bem como uma maior dotação de recursos para, entre outras coisas,
pôr termo a um ambiente de precariedade geral nas escolas. Por fim, virá a
revisão do Estatuto do Aluno de modo a torná-lo “um instrumento de valorização
e de corresponsabilização do aluno” e não de mera punição, já que a dimensão
punitiva não funcionou, pelo menos até hoje, pois, “não se conhece um caso em
que tenham sido aplicadas multas aos pais”.
Finalmente, uma informação sobre o bullying. Trata-se
de uma palavra inglesa utilizada para descrever atos intencionais e repetidos de violência física ou psicológica, praticados por um
indivíduo ou grupo de indivíduos, causando dor e angústia e executados no
quadro de uma relação desigual de poder. É um problema à escala mundial, deixando
a agressão física ou moral repetitiva marcas para o resto da vida na
pessoa atingida. O agressor inferioriza o outro e impõe-se sobre ele
na tentativa de o espezinhar em termos físicos e psicológicos, satisfazendo
assim o seu ego. Quase sempre não tem o apoio de uma boa educação, com conselhos
e amparos apropriados. Já a vítima é alguém com medo das possíveis
consequências de sua reação, e é por isso que não reage, reprimindo-se a si
mesma.
Sucede,
porém, que em 20% dos casos, o praticante de bullying também é vítima (forte sobre os fracos, mas fraco sob os
fortes). Nas escolas, a
maioria dos atos de bullying ocorre fora da visão dos adultos e
grande parte das vítimas não reage ou fala sobre a agressão sofrida.
Pelo facto de
ser um fenómeno que só recentemente ganhou mais atenção, o assédio escolar
ainda não possui um termo específico consensual, sendo o termo inglês bullying constantemente utilizado pelos meios
de comunicação social de língua portuguesa. Entretanto, existem termos
alternativos como acossamento, ameaça, assédio e intimidação, além dos mais informais e populares judiar
e implicar e outros utilizados pelos
próprios estudantes em diversas regiões.
Ademais,
alguns dicionários da língua portuguesa indicam
a palavra “bulir” como equivalente a “mexer com, tocar, molestar, causar incómodo
ou apoquentar, produzir apreensão em, fazer caçoada, fazer pouco, achincalhar, zombar
e falar sobre, entre outros” Por
isso, são corretos os usos dos vocábulos derivados, também inventariados pelo
dicionário, como bulimento (o ato ou efeito de bulir) e bulidor (aquele
que pratica o bulimento).
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Não há pois, necessidade de utilizar palavras
pedidas por empréstimo a línguas estrangeiras (estrangeirismos), mas o importante é delinear a ação correta
e agir em conformidade.
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