O Primeiro-Ministro do
Governo de Portugal foi em visita de Estado a Aguiar da Beira, vila e sede de concelho
no distrito da Guarda.
No âmbito dessa visita,
foi-lhe dada a oportunidade de inaugurar uma queijaria industrial e, como é óbvio,
fez o discurso de circunstância, de que a imprensa respigou preciosas pérolas
encomiásticas, não propriamente no atinente ao empreendedorismo dos responsáveis
pela “Sabores do Dão”, que talvez o merecessem, mas pelo elogio rasgado com que
se dirigiu a uma conhecida personalidade presente, natural da vila de Aguiar da
Beira.
“Conheceu mundo, é um
empresário bem sucedido, viu muitas coisas por este mundo fora e sabe, como
algumas pessoas em Portugal sabem também, que se nós queremos vencer na vida,
se queremos ter uma economia desenvolvida, pujante, temos de ser exigentes,
metódicos”. Estas são algumas das palavras, do “panegírico” pronunciado em
honra daquele advogado que foi Governador Civil do Distrito de Coimbra,
Secretário Geral do partido de Cavaco Silva, seu Ministro dos Assuntos Parlamentares
e Ministro da Administração Interna e seu Conselheiro de Estado e empresário de
oportunidade (o que sucede a tantos
políticos que passaram pela governança).
Porém, Passos Coelho não se
ficou por aí. Aproveitando para defender a sua linha económica e
criticar as propostas do PS, referiu que, no seu entender, “as pessoas estimam
hoje, mais do que nunca, a precaução e a prudência”. Mais: “Tenho a certeza de que a generalidade das pessoas
em Portugal percebe hoje que o preço que todos pagámos para reequilibrar o
barco foi muito elevado”. Só que, assentemos, uns foram muito mais sacrificados
que outros: até se viram lançados borda fora!
É
de questionar Passos Coelho se de facto as palavras do parágrafo anterior
quadram com o perfil do “empresário bem sucedido” que tão liberalmente encomiou,
ou se ironicamente aproveitou o ensejo para o meter diplomaticamente no saco da
irresponsabilidade, uma vez que o descaro dera para não dizer a verdade no Parlamento
a propósito da SLN e do BPN.
Mas em Aguiar da Beira, o
Primeiro-Ministro, que habitualmente usa a bitola maniqueísta dos bons, à
direita, e dos maus, à esquerda, ensina a
contrario:
“Independentemente das preferências partidárias que
existam, as pessoas, de um modo geral, sabem que é muito importante poder
preservar a nossa autonomia, não andar aos trambolhões sem saber se precisamos
de aumentar impostos ou cortar mais daqui ou dacolá, porque não há dinheiro que
chegue”.
Admiravelmente, este segmento discursivo espelha
perfeitamente o que se tem passado com os últimos governos do país. Parece que o
século XXI português ainda não ocasionou um único momento de acerto. Erraticamente,
vem-se prometendo não aumentar impostos, controlar o défice e a dívida, não
reduzir salários e/ou outras compensações remuneratórias e faz-se precisamente o
contrário: os aumentos de impostos, contribuições e taxas é brutal e os cortes
são cegos e secantes.
Por onde anda a economia do Estado em relação à União Europeia
e à zona do Euro? Por onde anda a autonomia empresarial em relação ao Estado?
Quanto ao mais, que é feito do papel regulador do
Estado e de seus organismos ou da força de intervenção do Estado quando
necessária e urgente? O BCP passou, em tempos, um bom momento de crise e de
descontrolo; o BPP foi o que se viu; o BES/GES é o que se tem vindo a ver e ainda
a procissão não saiu do adro; e falta aguardar o que aí virá noutros setores financeiros.
Quanto ao BPN/SLN, todos se lembram de que os
contribuintes (para não falar de clientes, funcionários, acionistas, investidores…) foram lesados em pelo menos 4.700 milhões de euros (dinheiro de que ninguém viu
rasto). O poder judiciário constituiu uns quantos arguidos,
que vão a julgamento; um dos arguidos esteve em prisão preventiva; um político
e empresário está a cumprir pena de prisão por negócios conexos com o BPN; e o
BPN foi vendido por 40 milhões de euros ao BIC, ao passo que a SLN continua a
agir sob outra denominação e enquadramento estatutário.
No caso BPN parece que a impunidade assentou arraiais,
o que dá azo a que o líder do maior partido do Governo ouse elogiar aqueles que
tanto prejudicaram o país e os cidadãos.
***
O loado empresário bem sucedido, a quem muitos apontam
o dedo de responsabilização, não foi constituído arguido em processo algum. Tem
obviamente direito à presunção de inocência. Porém, não pode ser considerado
metódico e exigente. Tê-lo-á sido com os outros, quando o não foi por si e consigo
próprio? Terá sido prudente e precavido, como assegura Passos Coelho?
Por mim, penso, sem estar a pronunciar-me sobre a
Justiça ou sobre o perfil político e empresarial do elogiado, tratar-se de um
homem de sorte e excecionalmente hábil: vive bem, circula à vontade, veio falar
à televisão de exemplo de dedicação, espírito empreendedor e honestidade, aquando
dos funerais de Eurico de Melo, e é respeitado e querido na sua terra.
Quanto ao Primeiro-Ministro, faz bem em cultivar as
amizades – se é que elas existem e são sinceras – mas espera-se que não caia
mais no insulto de fazer a pregação da bondade das medidas do seu Governo ou das
opções do seu partido a partir de exemplos inoportunos e chocantes.
Façamos política e abstenhamo-nos de trazer à liça
exemplos controversos, até porque, apesar da grassante onda partidocrática e da
quase crónica esclerose partidária, ainda há muitos e bons exemplos a colher nos
diversos quadros partidários.
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