Desde
1996, no termo de cada ano letivo, milhares
de estudantes
submetem-se a exames nacionais em Portugal (no fim do 1.º ciclo,
do 2.º e do 3.º, têm hoje a
designação de provas finais e abrangem apenas as disciplinas de Português e de
Matemática),
mas em todo o mundo muitos milhões de estudantes passam pelo mesmo, com níveis
de controvérsia muito variáveis.
Antes
da revolução abrilina, os exames finais eram condição sine qua non para conclusão de cada ciclo de estudos: no termo da
4.ª classe (ou no da 3.ª, quando esta significava o fim da
escolaridade obrigatória); no fim do 2.º ano liceal ou equivalente (era
necessária a média
de classificação positiva a todas as disciplinas); no fim do 5.º ano liceal (secção de letras e secção de ciências, podendo
concluir-se uma das secções em separado, mas era
necessária a
média de classificação positiva a todas as disciplinas da respetiva secção); e no fim do último ciclo liceal (com aprovação obrigatória em cada uma das seis
disciplinas da respetiva alínea ou grupo de disciplinas). O exame
normalmente constava de prova escrita ou prática e prova oral. Desta poderia haver dispensa
desde que obtida uma certa classificação que variou ao longo dos anos, como a
prova escrita se tornava eliminatória, caso não o examinando não obtivesse nela
um determinado patamar classificativo considerado minimente exigível. Também
tempo houve em que a média de classificação de ciclo na respetiva disciplina do
último ciclo liceal poderia impedir a submissão a exame ou possibilitar a sua
dispensa. A impossibilidade de submissão a exame por via da média obtida em
cada um dos outros ciclos de estudo era aferida pelo cômputo de todas as
disciplinas ou em cada uma das secções no 5.º ano.
Depois
da revolução abrilina e após um curto lapso de tempo em que os exames eram
baseados em provas escritas elaboradas a nível local, submetiam-se a exame
nacional os alunos que se autopropunham ou por não estarem inseridos no regime
de frequência ou por haverem anulado a matrícula nos termos regulamentares. Havia,
entretanto as provas de aferição e/ou a prova geral de acesso, para efeito de
ingresso no ensino superior.
***
Quantos exames devem existir? Quais os
assuntos? Quais os anos de escolaridade? Qual a duração das provas? Como
aquilatar do grau de dificuldade? Estas são questões a que tenta
responder uma equipa de nove investigadores da Universidade de Coimbra (UC) – com a colaboração de 14 professores do ensino secundário e
do ensino básico, através de “o primeiro grande estudo” sobre os exames
nacionais em Portugal, coordenado por Jaime Carvalho e Silva.
O grande objetivo do estudo é “confrontar
o sistema português com as suas debilidades em função das experiências de outros
países”, afirmou o seu coordenador, especialista em ensino de Matemática no
Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC e
coordenador do estudo. “Queremos perceber que exames são feitos, quem os produz
e como os produz, como são corrigidos e como é controlada a qualidade das
provas”, explicitou.
“Vamos também avaliar, por
exemplo, se os conteúdos são alinhados com os programas ou próprios do exame, o
tipo de exame (escolha múltipla, resposta curta, desenvolvimento, escrito,
oral, defesa de trabalhos, etc.), bem como o material autorizado” (tabelas, calculadoras,
computadores, por exemplo), adiantou.
Com a designação “Comparação dos exames nacionais em Portugal
com os de 12 outros países” (EUA, Canadá, Irlanda, Holanda, Alemanha, França, Espanha,
Noruega, Coreia do Sul, Singapura, Brasil e Austrália), o estudo é financiado pela
Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Além da investigação levada a
cabo pela referida equipa multidisciplinar, a UC quis provocar o debate público
sobre a matéria através da organização de várias conferências de participação
livre, em que intervieram várias personalidades entre as quais o Presidente do
conselho Nacional de Educação e o Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Presidente do Conselho
Científico do Instituto de Avaliação Educativa, IP (IAVE, IP), João Paulo Leal.
***
A seleção dos 12 países reflete
sistemas muito distintos (traçando um panorama tão geral quanto possível de diferentes tipos
de exames e de produção e organização dos mesmos), tendo sido referido que a França é “um país com exames finais
nacionais do secundário muito prestigiados e tradicionalmente exigentes”. Por
seu turno, a Coreia do Sul, “país asiático do topo dos rankings internacionais” ou Singapura, “muito mencionada em
discussões sobre a qualidade dos sistemas educativos”, e alguns outros países,
como EUA, Canadá, Alemanha e Austrália, nem sequer dispõem do sistema de exames
nacionais, embora, no caso dos últimos quatro países mencionados, haja exames
na maioria dos Estados, embora não em todos.
Para o predito coordenador do
estudo, em Portugal, os exames nacionais são “regularmente motivo de polémica”
e têm sido “um tema maldito e a discussão tem estado viciada, pois a grande
maioria dos debates atuais é bastante superficial ou artificialmente
politizada. A discussão dos nossos exames nacionais incide sobre aspetos
vários: o número de exames, a duração da
prova, os conteúdos, o nível de exigência, a correção, etc. Todavia, não existia até agora qualquer
estudo de fundo sobre a matéria, “nem relatórios técnicos que permitam avaliar
a qualidade e a eficácia do sistema” – o que releva a importância desta
investigação.
Se, como
adverte Jaime Carvalho e Silva “os exames são uma prova externa necessária”, para validar
externamente o sistema educativo, uniformizando critérios, não pode aceitar-se que se pretenda “resolver as deficiências do
sistema educativo português com recurso a provas nacionais”.
***
Na conferência do passado dia 16
de maio sob o título “Exames
Nacionais: o que julgamos saber” o Presidente do Conselho Científico do
IAVE, IP (Instituto de Avaliação Educativa, I.P, João Paulo Leal (Não confundir com presidente do conselho
diretivo) afirmou perentoriamente que os “professores
têm sido sobrecarregados para além do razoável”, vindo a defender que os docentes tenham menos aulas para
dar e assim consigam mais disponibilidade para as tarefas diretamente
relacionadas com o ensino.
“Nos últimos anos, os professores têm sido sobrecarregados
para além do razoável” com muitas tarefas e “devíamos fazer com que tivessem
mais disponibilidade”, sustentou. Com “menor carga horária e menos funções
burocráticas”, os docentes teriam mais disponibilidade para o acompanhamento
dos alunos e isso traduzir-se-ia num “grande ganho a prazo” – assim se exprimiu
o presidente do Conselho Científico do IAVE, IP.
Ademais, salientou a necessidade de investir na
educação pré-escolar e, sobretudo, no 1.º ciclo, pois “é aí que se constroem os
alicerces” da aprendizagem; e considerou que, simultaneamente, deveria ser dada
“muita importância à formação de professores” e aos meios a afetar, de modo a
permitir que este nível de escolaridade dispusesse dos docentes necessários e
dos melhores.
Defendeu explicitamente que “um dos maiores
investimentos deveria ser feito no primeiro ciclo” e garantiu que esse seria “um
dos investimentos mais rentáveis”, pois, “se se investisse no primeiro ciclo,
talvez se obtivessem resultados visíveis logo ao fim de cinco/seis anos”.
Mas o presidente do conselho científico do IAVE foi mais
longe:
- Também deveriam ser escolhidos “os melhores
professores para dar aulas no primeiro ano na Universidade”.
- No seu entender, as escolas, no geral, estão
preparadas, para fazerem, este ano, os exames nos 4.º e 6.º anos de
escolaridade, “mas só elas o poderão dizer”, ressalvando que ele não dispõe de
“dados que lhe permitam dizer se realmente estão ou não preparadas”.
- “O apoio dos pais aos alunos é fundamental para o
seu sucesso [escolar]”, alertou, sublinhando que “as melhorias introduzidas no ensino
[em Portugal] a partir de 1974” só revelaram resultados (positivos) na primeira década deste século, isto é, uma geração
depois da sua aplicação, cujos reflexos também resultaram, em grande medida, da
formação escolar dada aos pais, às famílias dos alunos mais recentes.
- Sustentou que “qualquer medida de educação só tem
resultados, não ao fim de três, cinco ou dez anos, mas ao fim de uma geração” (20/25 anos).
***
Desde que Durão Barroso clamou que os
professores podiam não saber gerir a escola e que a escola devia estar aberta
também durante os períodos de interrupção das atividades letivas (enquanto os docentes estavam nas suas
reuniões, as autarquias e as associações ocupavam os alunos),
começou a procissão de sobrecarga inútil e asfixia dos professores. As
autarquias e as associações esqueceram-se dos alunos, mas não de “mandar” na
escola.
Depois, Maria de Lurdes armadilhou o
ECD (estatuto da carreira docente),
defendendo que o exercício de cargos não tinha de implicar a redução da carga
horária letiva. Com a profunda alteração (a sétima) ao ECD aprovada pelo DL n.º 15/2007,
de 19 de janeiro, a regulamentação milimétrica da componente não letiva enredou
na escola todo o trabalho docente a ponto de hoje se não saber distinguir na
prática a componente não letiva (CNL) da componente letiva (CL). A maior parte das horas daquela
componente são passadas com alunos, muitas das vezes como se fosse turma
inteira. As famigeradas “aulas de substituição”, para as quais até se
inventaram conteúdos próprios, além de não raro infernizarem os professores
substitutos, suprimiram os “momentos ocasionais” de respiração dos alunos.
Aquela Ministra da Educação, por força
das circunstâncias, reconheceu ter perdido os professores (quando pretendeu a divisão da carreira
em professores e professores titulares e acrescentou ao ECD três artigos mais –
10.º-A, 10.º-B e 10.º-C sobre deveres dos professores),
mas consolou-se com ter ganho os pais.
Porém, se com o ECD, os professores
ainda se podiam defender, o novo regime de autonomia, administração e gestão (Dl n.º 75/2008, de 22 de abril, ora com
nova redação dada pelo Dl n.º 137/2012, de 2 de julho),
que deu poderes “lidos como
discricionários” aos diretores, fez abater progressivamente sobre os
docentes a tirania, a precariedade (via destacamento por ausência de componente letiva),
a sobrecarga de trabalho. E, como se estes normativos não bastassem, surge para
cada ano letivo um despacho normativo sobre organização da escola e
distribuição de serviço – tão confuso que na prática o diretor, se não tiver
escrúpulos, pode fazer tudo o que quiser dos seus professores. Vejam-se
sucessivamente os despachos normativos: n.º 13-A/2012, de 5 de junho; n.º
7/2013, de 11 de junho, alterado pelo n.º 7-A/2013, de 10 de julho; e n.º
6/2014, de 26 de maio. Depois, com a possibilidade que o DL n.º 139/2012, de 5
de junho, de as escolas poderem optar por tempos letivos de 45 minutos ou de 50,
fazendo tábua rasa da filosofia do anterior tempo superveniente, mais as coisas
se complicaram com a definição da componente letiva semanal de 1100 m. Cada um
tentou ler a distribuição de serviço como melhor lhe pareceu nem se reparou que
o intervalo de 10 ou 5 m entre aulas não constitui folga. E, como os tempos da CNL
estão organizados em 45 ou 50 m como os demais, vá de estabelecer a compensação
das diferenças dos 45 ou 50 m para os 60. Veja-se pelo que se discrimina a
seguir quantas horas trabalharão efetivamente os professores por semana e que
tempo lhes resta para a autoformação (Até a gratificação por correção de provas foi suprimida).
Coincidem no tempo de calendário
vigilância de provas/exames e conselhos de turma; vigilância de provas/exames e
correção de provas; lecionação e elaboração de matrizes de provas, com produção
dos seus enunciados. Além dos exames nacionais / provas nacionais,
multiplicaram-se as provas / exames de equivalência à frequência. As provas
finais do 4.º ano e do 6.º ano são prestadas em maio para “repreparar” os
alunos que não tiveram êxito. Proliferaram os casos de alunos a utilizar
legalmente o mecanismo de autoproposta a exame nacional / prova final, bem como
a provas / exames de equivalência à frequência.
O comportamento dos docentes vigilantes
dos exames / provas é regulamentado ao mais ínfimo pormenor, de forma
asfixiante. Alguns exemplos: não pode nenhum deles abandonar a sala para ir à
casa de banho, a menos que peça a substituição por um suplente; podem
sentar-se, mas não podem estar sentados; não podem ler; têm que rubricar os
dois vigilantes as provas e as rasuras que o aluno ressalvar no preenchimento
do cabeçalho; são responsáveis por o aluno deixar ir texto a lápis; …
A maior parte das reuniões são
realizadas em horário pós-laboral. Porque é que o IDICT não intervém nesta
matéria? E a CNL não é flexibilizada pelo ano conforme as tarefas previstas.
Todos os responsáveis ministeriais pela
educação pregam a autonomia, mas dela só resta, depois da regulamentação das
pessoas, matérias, espaços e tempos – aquilo que é oneroso para o docente: a
quase impossibilidade de lecionar, pelo comportamento indisciplinado de tantos
alunos; a sobrecarga de trabalho por faltas dos alunos (habitualmente sem outras consequências
práticas); a falta de autoridade docente sempre badalada, mas não
zelada; a multiplicidade de instrumentos de planificação, monitorização,
relatórios, planos de acompanhamento, planos estratégicos, estatísticas. A isto
acresce a insuficiência dos meios informáticos, de internet, de reprografia, de
formação contínua, gratuita e acreditada. Ademais, a escola está demasiado
judicializada e feita palco de reivindicação, nem sempre justa, dos
encarregados de educação. Muitos pais são céleres em criticar o trabalho dos
docentes e lentos em formar os filhos em boas maneiras. Sabem dar as aulas de
todas as disciplinas, mas não sabem acompanhá-los nos trabalhos de casa e no
múnus básico de educar.
Porquê? Todos pensam em direitos seus e
poucos em deveres seus! É urgente uma grande volta.
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