quarta-feira, 20 de maio de 2015

Professores sobrecarregados e asfixiados

Desde 1996, no termo de cada ano letivo, milhares de estudantes submetem-se a exames nacionais em Portugal (no fim do 1.º ciclo, do 2.º e do 3.º, têm hoje a designação de provas finais e abrangem apenas as disciplinas de Português e de Matemática), mas em todo o mundo muitos milhões de estudantes passam pelo mesmo, com níveis de controvérsia muito variáveis.
Antes da revolução abrilina, os exames finais eram condição sine qua non para conclusão de cada ciclo de estudos: no termo da 4.ª classe (ou no da 3.ª, quando esta significava o fim da escolaridade obrigatória); no fim do 2.º ano liceal ou equivalente (era necessária a média de classificação positiva a todas as disciplinas); no fim do 5.º ano liceal (secção de letras e secção de ciências, podendo concluir-se uma das secções em separado, mas era necessária a média de classificação positiva a todas as disciplinas da respetiva secção); e no fim do último ciclo liceal (com aprovação obrigatória em cada uma das seis disciplinas da respetiva alínea ou grupo de disciplinas). O exame normalmente constava de prova escrita ou prática e prova oral. Desta poderia haver dispensa desde que obtida uma certa classificação que variou ao longo dos anos, como a prova escrita se tornava eliminatória, caso não o examinando não obtivesse nela um determinado patamar classificativo considerado minimente exigível. Também tempo houve em que a média de classificação de ciclo na respetiva disciplina do último ciclo liceal poderia impedir a submissão a exame ou possibilitar a sua dispensa. A impossibilidade de submissão a exame por via da média obtida em cada um dos outros ciclos de estudo era aferida pelo cômputo de todas as disciplinas ou em cada uma das secções no 5.º ano.
Depois da revolução abrilina e após um curto lapso de tempo em que os exames eram baseados em provas escritas elaboradas a nível local, submetiam-se a exame nacional os alunos que se autopropunham ou por não estarem inseridos no regime de frequência ou por haverem anulado a matrícula nos termos regulamentares. Havia, entretanto as provas de aferição e/ou a prova geral de acesso, para efeito de ingresso no ensino superior.
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Quantos exames devem existir?  Quais os assuntos? Quais os anos de escolaridade? Qual a duração das provas? Como aquilatar do grau de dificuldade? Estas são questões a que tenta responder uma equipa de nove investigadores da Universidade de Coimbra (UC) – com a colaboração de 14 professores do ensino secundário e do ensino básico, através de “o primeiro grande estudo” sobre os exames nacionais em Portugal, coordenado por Jaime Carvalho e Silva.
O grande objetivo do estudo é “confrontar o sistema português com as suas debilidades em função das experiências de outros países”, afirmou o seu coordenador, especialista em ensino de Matemática no Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC e coordenador do estudo. “Queremos perceber que exames são feitos, quem os produz e como os produz, como são corrigidos e como é controlada a qualidade das provas”, explicitou. 
“Vamos também avaliar, por exemplo, se os conteúdos são alinhados com os programas ou próprios do exame, o tipo de exame (escolha múltipla, resposta curta, desenvolvimento, escrito, oral, defesa de trabalhos, etc.), bem como o material autorizado” (tabelas, calculadoras, computadores, por exemplo), adiantou.
Com a designação “Comparação dos exames nacionais em Portugal com os de 12 outros países” (EUA, Canadá, Irlanda, Holanda, Alemanha, França, Espanha, Noruega, Coreia do Sul, Singapura, Brasil e Austrália), o estudo é financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Além da investigação levada a cabo pela referida equipa multidisciplinar, a UC quis provocar o debate público sobre a matéria através da organização de várias conferências de participação livre, em que intervieram várias personalidades entre as quais o Presidente do conselho Nacional de Educação e o Presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE) e o Presidente do Conselho Científico do Instituto de Avaliação Educativa, IP (IAVE, IP), João Paulo Leal.
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A seleção dos 12 países reflete sistemas muito distintos (traçando um panorama tão geral quanto possível de diferentes tipos de exames e de produção e organização dos mesmos), tendo sido referido que a França é “um país com exames finais nacionais do secundário muito prestigiados e tradicionalmente exigentes”. Por seu turno, a Coreia do Sul, “país asiático do topo dos rankings internacionais” ou Singapura, “muito mencionada em discussões sobre a qualidade dos sistemas educativos”, e alguns outros países, como EUA, Canadá, Alemanha e Austrália, nem sequer dispõem do sistema de exames nacionais, embora, no caso dos últimos quatro países mencionados, haja exames na maioria dos Estados, embora não em todos.
Para o predito coordenador do estudo, em Portugal, os exames nacionais são “regularmente motivo de polémica” e têm sido “um tema maldito e a discussão tem estado viciada, pois a grande maioria dos debates atuais é bastante superficial ou artificialmente politizada. A discussão dos nossos exames nacionais incide sobre aspetos vários: o número de exames, a duração da prova, os conteúdos, o nível de exigência, a correção, etc. Todavia, não existia até agora qualquer estudo de fundo sobre a matéria, “nem relatórios técnicos que permitam avaliar a qualidade e a eficácia do sistema” – o que releva a importância desta investigação.
Se, como adverte Jaime Carvalho e Silva “os exames são uma prova externa necessária”, para validar externamente o sistema educativo, uniformizando critérios, não pode aceitar-se que se pretenda “resolver as deficiências do sistema educativo português com recurso a provas nacionais”.
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Na conferência do passado dia 16 de maio sob o título “Exames Nacionais: o que julgamos saber” o Presidente do Conselho Científico do IAVE, IP (Instituto de Avaliação Educativa, I.P, João Paulo Leal (Não confundir com presidente do conselho diretivo) afirmou perentoriamente que os “professores têm sido sobrecarregados para além do razoável”, vindo a defender que os docentes tenham menos aulas para dar e assim consigam mais disponibilidade para as tarefas diretamente relacionadas com o ensino.
“Nos últimos anos, os professores têm sido sobrecarregados para além do razoável” com muitas tarefas e “devíamos fazer com que tivessem mais disponibilidade”, sustentou. Com “menor carga horária e menos funções burocráticas”, os docentes teriam mais disponibilidade para o acompanhamento dos alunos e isso traduzir-se-ia num “grande ganho a prazo” – assim se exprimiu o presidente do Conselho Científico do IAVE, IP.
Ademais, salientou a necessidade de investir na educação pré-escolar e, sobretudo, no 1.º ciclo, pois “é aí que se constroem os alicerces” da aprendizagem; e considerou que, simultaneamente, deveria ser dada “muita importância à formação de professores” e aos meios a afetar, de modo a permitir que este nível de escolaridade dispusesse dos docentes necessários e dos melhores.
Defendeu explicitamente que “um dos maiores investimentos deveria ser feito no primeiro ciclo” e garantiu que esse seria “um dos investimentos mais rentáveis”, pois, “se se investisse no primeiro ciclo, talvez se obtivessem resultados visíveis logo ao fim de cinco/seis anos”.
Mas o presidente do conselho científico do IAVE foi mais longe:
- Também deveriam ser escolhidos “os melhores professores para dar aulas no primeiro ano na Universidade”.
- No seu entender, as escolas, no geral, estão preparadas, para fazerem, este ano, os exames nos 4.º e 6.º anos de escolaridade, “mas só elas o poderão dizer”, ressalvando que ele não dispõe de “dados que lhe permitam dizer se realmente estão ou não preparadas”.
- “O apoio dos pais aos alunos é fundamental para o seu sucesso [escolar]”, alertou, sublinhando que “as melhorias introduzidas no ensino [em Portugal] a partir de 1974” só revelaram resultados (positivos) na primeira década deste século, isto é, uma geração depois da sua aplicação, cujos reflexos também resultaram, em grande medida, da formação escolar dada aos pais, às famílias dos alunos mais recentes.
- Sustentou que “qualquer medida de educação só tem resultados, não ao fim de três, cinco ou dez anos, mas ao fim de uma geração” (20/25 anos).
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Desde que Durão Barroso clamou que os professores podiam não saber gerir a escola e que a escola devia estar aberta também durante os períodos de interrupção das atividades letivas (enquanto os docentes estavam nas suas reuniões, as autarquias e as associações ocupavam os alunos), começou a procissão de sobrecarga inútil e asfixia dos professores. As autarquias e as associações esqueceram-se dos alunos, mas não de “mandar” na escola.
Depois, Maria de Lurdes armadilhou o ECD (estatuto da carreira docente), defendendo que o exercício de cargos não tinha de implicar a redução da carga horária letiva. Com a profunda alteração (a sétima) ao ECD aprovada pelo DL n.º 15/2007, de 19 de janeiro, a regulamentação milimétrica da componente não letiva enredou na escola todo o trabalho docente a ponto de hoje se não saber distinguir na prática a componente não letiva (CNL) da componente letiva (CL). A maior parte das horas daquela componente são passadas com alunos, muitas das vezes como se fosse turma inteira. As famigeradas “aulas de substituição”, para as quais até se inventaram conteúdos próprios, além de não raro infernizarem os professores substitutos, suprimiram os “momentos ocasionais” de respiração dos alunos.
Aquela Ministra da Educação, por força das circunstâncias, reconheceu ter perdido os professores (quando pretendeu a divisão da carreira em professores e professores titulares e acrescentou ao ECD três artigos mais – 10.º-A, 10.º-B e 10.º-C sobre deveres dos professores), mas consolou-se com ter ganho os pais.
Porém, se com o ECD, os professores ainda se podiam defender, o novo regime de autonomia, administração e gestão (Dl n.º 75/2008, de 22 de abril, ora com nova redação dada pelo Dl n.º 137/2012, de 2 de julho), que deu poderes “lidos como discricionários” aos diretores, fez abater progressivamente sobre os docentes a tirania, a precariedade (via destacamento por ausência de componente letiva), a sobrecarga de trabalho. E, como se estes normativos não bastassem, surge para cada ano letivo um despacho normativo sobre organização da escola e distribuição de serviço – tão confuso que na prática o diretor, se não tiver escrúpulos, pode fazer tudo o que quiser dos seus professores. Vejam-se sucessivamente os despachos normativos: n.º 13-A/2012, de 5 de junho; n.º 7/2013, de 11 de junho, alterado pelo n.º 7-A/2013, de 10 de julho; e n.º 6/2014, de 26 de maio. Depois, com a possibilidade que o DL n.º 139/2012, de 5 de junho, de as escolas poderem optar por tempos letivos de 45 minutos ou de 50, fazendo tábua rasa da filosofia do anterior tempo superveniente, mais as coisas se complicaram com a definição da componente letiva semanal de 1100 m. Cada um tentou ler a distribuição de serviço como melhor lhe pareceu nem se reparou que o intervalo de 10 ou 5 m entre aulas não constitui folga. E, como os tempos da CNL estão organizados em 45 ou 50 m como os demais, vá de estabelecer a compensação das diferenças dos 45 ou 50 m para os 60. Veja-se pelo que se discrimina a seguir quantas horas trabalharão efetivamente os professores por semana e que tempo lhes resta para a autoformação (Até a gratificação por correção de provas foi suprimida).
Coincidem no tempo de calendário vigilância de provas/exames e conselhos de turma; vigilância de provas/exames e correção de provas; lecionação e elaboração de matrizes de provas, com produção dos seus enunciados. Além dos exames nacionais / provas nacionais, multiplicaram-se as provas / exames de equivalência à frequência. As provas finais do 4.º ano e do 6.º ano são prestadas em maio para “repreparar” os alunos que não tiveram êxito. Proliferaram os casos de alunos a utilizar legalmente o mecanismo de autoproposta a exame nacional / prova final, bem como a provas / exames de equivalência à frequência.
O comportamento dos docentes vigilantes dos exames / provas é regulamentado ao mais ínfimo pormenor, de forma asfixiante. Alguns exemplos: não pode nenhum deles abandonar a sala para ir à casa de banho, a menos que peça a substituição por um suplente; podem sentar-se, mas não podem estar sentados; não podem ler; têm que rubricar os dois vigilantes as provas e as rasuras que o aluno ressalvar no preenchimento do cabeçalho; são responsáveis por o aluno deixar ir texto a lápis; …
A maior parte das reuniões são realizadas em horário pós-laboral. Porque é que o IDICT não intervém nesta matéria? E a CNL não é flexibilizada pelo ano conforme as tarefas previstas.
Todos os responsáveis ministeriais pela educação pregam a autonomia, mas dela só resta, depois da regulamentação das pessoas, matérias, espaços e tempos – aquilo que é oneroso para o docente: a quase impossibilidade de lecionar, pelo comportamento indisciplinado de tantos alunos; a sobrecarga de trabalho por faltas dos alunos (habitualmente sem outras consequências práticas); a falta de autoridade docente sempre badalada, mas não zelada; a multiplicidade de instrumentos de planificação, monitorização, relatórios, planos de acompanhamento, planos estratégicos, estatísticas. A isto acresce a insuficiência dos meios informáticos, de internet, de reprografia, de formação contínua, gratuita e acreditada. Ademais, a escola está demasiado judicializada e feita palco de reivindicação, nem sempre justa, dos encarregados de educação. Muitos pais são céleres em criticar o trabalho dos docentes e lentos em formar os filhos em boas maneiras. Sabem dar as aulas de todas as disciplinas, mas não sabem acompanhá-los nos trabalhos de casa e no múnus básico de educar.
Porquê? Todos pensam em direitos seus e poucos em deveres seus! É urgente uma grande volta.

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